terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A Caverna Dos Sonhos Esquecidos


Documentário | 2010 | cor | 90 min |
País(es): França, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha
Roteiro e direção: Werner Herzog
Produção: Erik Nelson
Site: www.caveofforgottendreams.co.uk


A maioria dos filmes de Werner Herzog, tanto os de ficção quantos os de não-ficção (embora na obra desse diretor alemão tais gêneros se misturem, como veremos a seguir), parte de pontos aparentemente isolados, estranhos, incomuns, ora até banais, e passam por caminhos tortuosos e intensos, de contemplação e desafio, até que profundas reflexões sobre a existência tomem conta do espectador (na prática é bem menos pedante do que essa minha descrição). Goste ou não de seus filmes, você jamais sai ileso, não permanece a mesma pessoa depois de vê-los.

Em A Caverna Dos Sonhos Esquecidos (Cave Of Forgotten Dreams), vencedor do National Society of Film Critics Awards de 2012 na categoria “Melhor Filme Não-Ficção”, Herzog nos leva para dentro da caverna Chauvet, no sul da França, maravilha intocada (descoberta apenas em 1994 e fechada à visitação pública), que contém as pinturas rupestres mais antigas da História (cerca de 30 mil anos).

Não foi um tema que me empolgou a princípio – parecia pouco para um filme de 1h30min, tinha cara de programa de TV com no máximo 1h. E filmes 3D normalmente são irritantes, é terrível como a tecnologia é a mesma usada desde os 1950s, com pouquíssimo avanço. Porém imaginei que Herzog, que não é exatamente um modista, teria feito o filme assim por julgá-lo necessário. E se em vez de coisas pulando na nossa cara, tivéssemos o efeito de aprofundamento, como em U2 3D (2008), por exemplo, seria interessante.

Mas já é tão difícil um filme do alemão aparecer por aqui (sempre vêm atrasados uns dois anos, e depois de terem sido premiados no mundo inteiro), que resolvi aproveitar as sessões que o Cinesesc fez no início desde mês (não consegui ver o filme em sua única exibição na Mostra de Cinema de 2011).

Do começo impactante, ao som de canto gregoriano, com um travelling da câmera sobre a paisagem, até chegar à entrada da caverna, onde encontramos a expedição, quando temos a ideia de um lugar isolado do tempo e do espaço, até o final enigmático com jacarés albinos (!), temos um longo e contemplativo (até demais) mergulho na história da humanidade, a nossa história.

Mostrando profundo respeito pela caverna e por seus desenhos, Herzog, em tom solene, tentando se equilibrar entre o didático/científico e o espiritual/filosófico conduz a narrativa de forma lenta, cheia de grandes silêncios, querendo que imaginemos os desenhos e seus criadores ali, em presença, em movimento, fazendo da caverna uma janela para um passado muito distante, que sequer conseguimos imaginar na prática.

Pensar em como eram, como viviam, o que pensavam aquelas pessoas que fizeram aqueles desenhos tão bonitos (e sofisticados!) há 30 mil anos, num lugar tão fascinante (ainda mais aos nossos olhos “civilizados”), em como permanência e impermanência se equilibram naqueles naquelas manifestações perenes de quem já virou pó milhares de anos antes que nossos olhos chegassem até ali.

Esse clima de ser, tempo, existência, eternidade, em ritmo lento (ora repetitivo na descrição e análise dos desenhos e das hipóteses sobre eles), torna o filme um tanto monótono, cansativo até. Talvez tudo pudesse ser resolvido com meia hora a menos de filme. Até porque a equipe é proibida de ultrapassar um caminho pré-definido por uma passarela de metal, a exploração não é livre, não há como se aproximar de fato dos desenhos. Muitos são vistos de longe ou apenas descritos em off, enquanto outros, mais ao alcance das lentes, são mostrados quase à exaustão.

Aspectos comuns à filmografia de Herzog, como a confusão entre ficção e realidade (seus documentários nunca são totalmente “reais” e suas ficções jamais abrem mão de cenas “de verdade”) aparecem especialmente na cena em que um dos arqueólogos revela ter sido acrobata de circo. Além de não ter a ver com o filme, mas ser interessante por si só, fica óbvio que o diretor já sabia daquilo e forjou ter descoberto por acaso numa conversa durante a gravação da cena. Faz parte da visão de Herzog de que o documentário é uma visão de mundo, cheia de intencionalidade, e não mero espectador dos acontecimentos.

A relação entre o homem e a natureza, tema comum à filmografia herzogiana, em filmes tão diversos como O Homem-Urso, Aguirre – A Cólera Dos Deuses, Fitzcarraldo e Fata Morgana, obviamente se apresenta em toda a narrativa, embora não de forma tão impactante e genial quanto nesses clássicos.

Enfim, é um filme para aficionados por Herzog, como eu, que lamentam as raríssimas oportunidades de vê-lo em tela grande no Brasil. De quebra, você volta para casa com uma grande reflexão sobre a finitude do ser e a possível perpetuação da arte, da linguagem e da vontade, plantada na cabeça por uns tempos.