terça-feira, 13 de agosto de 2013

Ainda não inventaram dinheiro que eu não pudesse ganhar

Hoje faz uma semana, uma eternidade nestes tempos, que o Fora do Eixo (FdE), a tiracolo da Mídia Ninja, foi apresentada ao grande público (ou pelo menos um público além do underground musical), e desde então muito tem se falado, por parte dos críticos, e pouco efetivamente respondido, por parte dos acusados.

Temos impressionantes relatos de assédio moral, como este da ex-FdE Laís Bellini, de calote, da cineasta Beatriz Signer, além de pessoas ligadas à cena musical como o Márvio dos Anjos e o André Barcinski. Temos até trabalhos acadêmicos confirmando muitas das práticas denunciadas pelos “desertores” do esquema. Sem falar no #FdELeaks, espaço para denúncias anônimas (porém todas com provas documentais) e muitos outros questionamentos ao falso-novo que o FdE representa.
 
Mas além de todos esses problemas (sendo o mais grave a falta de transparência com verbas públicas), vou abordar uma questão que ninguém tratou até agora: o impacto disso tudo na cena underground, para as bandas que não participam do FdE.

Até agora essa parte do assunto sempre ficou nas bandas que se sujeitam a não ganhar nada, a ter prejuízo (porque não é só tocar de graça, é arcar com viagem hospedagem e alimentação, pois quando há ajuda de custo, ela é insuficiente – tem mais detalhes sobre isso no post do Márvio).

No Roda Viva, Capilé disse que, graças a esse esquema de “toca de graça no festival faz contatos e depois volta à região fazendo shows pagos” há 30 mil bandas vivendo de suas músicas no Brasil.

Primeiro: não deve haver NO MUNDO 30 mil bandas autorais de rock que vivam exclusivamente de tocar. No Brasil, creio que nem 30. Dizem que o FdE sempre infla os números já megalômanos, mas vamos admitir que essa quantidade de bandas seja a que circula nos festivais (até porque como eles saberiam quais bandas conseguiram se dar bem depois e quais não?).

Então temos 30 mil bandas circulando pelo país, despejadas no underground, um mercado musical muito árido e competitivo, com a mentalidade de que banda desconhecida tem que tocar de graça mesmo.

Isso traz o mesmo efeito do que o excesso de faculdades e de “sobrinhos” no mercado de trabalho: os salários (cachês, no caso) despencam, pois sempre haverá quem aceite tocar de graça, em condições precárias, e ainda ajudando a divulgar e gastando em cerveja no local do show.

Sem falar que, pra isso, as bandas nem precisam do FdE: se você ligar pra qualquer balada/bar/casa de shows de outro estado, se oferecendo pra tocar de graça, em qualquer dia e horário, se comprometendo ainda a ajudar na organização, no som e ainda a consumir no próprio local, você vai conseguir shows, mesmo que sua banda seja ruim. Não precisa viajar por conta própria pra outros estados pra tocar 20min nos festivais balaio-de-gato do FdE (como se fosse fácil se destacar tocando tão pouco no meio de outras dezenas de bandas). Esse esquema, aliás, é tão bom que o próprio Capilé não consegue mencionar cinco bandas que estiveram nesse esquema e hoje fazem sucesso (quando perguntado sobre isso no Roda Viva, falou sobre as tais "30 mil bandas").

Quem tem/teve banda nos últimos cinco anos já sabia de tudo isso. Agora esperamos que esse destaque maior pras histórias deem resultado e o FdE torne-se menos nocivo à nossa já tão combalida cena.


[PS: Se uma entidade, com mais de 50 CNPJs e uma equipe de oompa-loompas dedicados a cavoucar, de graça, 24h por dia, todos os editais possíveis, e apresentando as credenciais de uma estrutura também mantida sem remuneração de profissionais, como uma banda, um produtor de eventos ou mesmo outra cooperativa, em que os membros precisem trabalhar fora, pode competir? Quem já participou de um edital (do MinC ou das Secretarias de Cultura) sabe da imensa burocracia e das exigências aleatórias que tomam muito tempo e deixam qualquer um maluco. Se essa prática do FdE não é ilegal, ao menos o governo devia tomar medidas para que não haja essa monopolização dos recursos.]