quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Com minha música (II de II)

Depois da lista internacional, vamos à seleta nacional, à moda da casa, dos melhores de 2016.


Aterro (It Girl)
Às vezes faz muito bem ouvir um disco como este: não é pretensioso, não é pastiche, não é ordinário. Estes cearenses vêm com um disco redondinho, cheio de rockinhos honestos, que ora lembram Rumbora, ora Acabou La Tequila, ou mesmo Nervoso E Seus Calmantes (punkinho, indiezinho, skazinho, jovem-guardinha), tudo com embalagem indie rock esperta. A voz do cara lembra a do Rodolfo dos Raimundos (não é um elogio), mas é tudo muito divertido mesmo assim.
Ouça: Primeira Fileira



Bilhão (Bilhão)
Dá pra misturar indie strokiano, pop bucólico (ou dream pop, como queiram) e folk/mpb sem ficar bunda-mole, olha só: este disquinho tem tudo isso e não soa como pastiche camelo-amarantístico, nem prece encalhado em 2004. Entre rockinhos e baladinhas, o pequeno álbum flui suave, natural, lembrando um Real State no domingo à tarde, preguiçoso no melhor sentido, sem ânsia.
Ouça: Horizontalidade



Cat Days (Phillip Long)
Você pode falar que ele é só um Elliott Smith de Araras (SP), mas este moço prolífico (décimo disco em cinco anos), em seu álbum assumidamente mais gringo nos arranjos e nas timbragens, tudo universal, traz baladas folk rock delicadas, com ecos de Wilco e Radiohead, conceituais sobre “os dias que antecedem o fim de uma relação”. É uma bela trilha sonora pra ficar contemplando pela janela uma tarde chuvosa de sábado.
Ouça: Close To Disappear



Gehenna
(Labirinto)

Donos incontestáveis do melhor show brasileiro da atualidade”, como eu mesmo havia dito em 2014, o Labirinto consolida em estúdio (sob produção de Billy Anderson) o que já se desenhava nos shows, com o post-rock meio psicodélico tornando-se definitivamente um monolítico e climático post-doom. As tensões entre calmaria e tempestade continuam presente, porém, de forma mais concisa, desaguando em uma ótima trilha para os tempos sombrios em que vivemos.
Ouça: Enoch


Essa Noite Bateu Com Um Sonho (Terno Rei)
É bom ver mais bandas olhando novamente pros 60s, 70s, 80s, depois de tantos anos do cenário competindo pra quem refazia mais igualzinho o 4 do Los Hermanos. O segundo disco deste quinteto paulistano vem com pós-punk e psicodelia de leve, como um Violeta de Outono mais ‘relaxado’.

Ouça: Sinais


Lado Turvo, Lugares Inquietos (Máquinas)
Não é um disco fácil. Não é exatamente agradável. O primeiro disco deste quarteto cearense não tem a paz e o remanso habituais do post-rock (aqui, com climas sombrios de Ulver): a contemplação aqui é no máximo de um desespero que surge a cada faixa. Tensão, angústia... acho que ‘turvo’, como diz o próprio nome do álbum, define a experiência.
Ouça: Zolpidem





MM3 (Metá Metá)
O disco anterior, MetaL MetaL, já era bom, mas, desta vez, o trio paulista não só justificou como até superou o hype: este disco é denso, tenso, pesado (em forma e conteúdo), com instrumental monolítico, em que o rock cimenta a mistura de jazz e afro, e o vocal mais do que excelente de Juçara. Pedrada.
Ouça: Três Amigos



Old Friends
(Ritchie & Black Tie)

Sou suspeito pra falar de Paul Simon, é um de meus ídolos. Mas Ritchie fez um trabalho soberbo neste tributo com os violões, violinos e violoncelos do Black Tie (+ Tuco Marcondes), que valorizam muito as canções de Paul Simon – o cerne do projeto – em clima de gravação ao vivo, sem penduricalhos de produção. Sim, dá pra ser reverente e necessário ao mesmo tempo.
Ouça: The Boy In The Bubble



Sabotage
(Sabotage)

Não dá pra saber o que Sabota estaria fazendo hoje, visto que ele só teve tempo de lançar um disco antes de morrer, e há quase 15 anos. Mas este tributo é sobretudo muito digno e classudo, uma impressionante colagem das vozes inéditas gravadas pelo rapper, entremeadas com os bons arranjos de Ganjaman e uma miríade de convidados, de B-Negão e RZO (todos participando de forma voluntária  cedendo os direitos aos filhos de Sabotage). Dificilmente o homenageado acharia ruim o resultado final.
Ouça: Canão Foi Tão Bom



Sobre Os Prédios Que Derrubei Tentando Salvar O Dia – Parte 1
(DEF)

O trio carioca, em seu primeiro EPzinho, tem à frente a voz agridoce de Deb F, que pode cantar suavemente sob uma base de popzinhos e rockinhos, até que, do nada, tudo desmorona em distorções e dissonâncias guitarreias numa demência à garage rock. Muitas surpresas em tão poucos minutos, deixando boa expectativa para os EPs seguintes, que completarão uma trilogia.
Ouça: Dissolvendo




De bônus temos as melhores bandas atuais do post-rock brasileiro, em EPs, que, se não trazem novos elementos à suas carreiras, fazem jus à qualidade que ambas vêm mostrando nos shows que têm feito: o pernambucano Kalouv (Planar Sobre O Invisível) e o paulistano E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (Medo De Morrer | Medo De Tentar), ambos aparentemente surgindo como pontos de inflexão, de tomada de fôlego, talvez de mais melodias do que climas, deixando no ar a curiosidade sobre como vão soar seus próximos trabalhos.














Vale a pena conferir também: o melhor e mais redondo disco do De Falla em 25 anos (Monstro); o pop rock lo-fi melancólico de Fernando Motta (Andando Sem Olhar Pra Frente); Ombu, com o disco Pedro, um rock intrincado e sinuoso ao qual preciso dedicar mais atenção; e Ao Vivo No Cine Theatro Brasil (Lô Borges + Samuel Rosa), ótimo pra colocar o trabalho dos dois artistas em pé de igualdade, na mesma linha evolutiva da música brasileira e antenado com o que rolou e rola no mundo.

O epônimo do Macaco Bong me decepcionou um pouco: tem bons momentos, mas me pareceu pouco inspirado, no geral. Boogie Naipe (Mano Brown), então, nem se fala: tanta expectativa pra um disco com 22 faixas que não passam de chill out de balada black. O disco d’O Terno (Melhor Do Que Parece) também não me cativou, achei que o rock honesto e maduro de outrora está numa encruzilhada, meio sem rumo.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Com minha música (I de II)

Vai terminando mais um ano, e eis a primeira parte da minha retrospectiva musical, o que ouvi de mais legal das coisas lançadas em 2016, começando com os discos internacionais.


Arktis (Ihsahn)
Ihsahn, nascido Vegard Sverre Tveitan, é um gênio. Não contente em, recém-saído da adolescência, revolucionar a música extrema, levando-a a outro patamar de sofisticação com o Emperor (e ainda vender milhões de discos), ele mantém uma carreira-solo incrivelmente consistente e inventiva, e este Arktis não é exceção: tem black metal ríspido, tem prog metal psicodélico com vocais celestiais à Enslaved, tem industrial, tem jazz, tem coisa pop, tem coisa dançante, mas nada óbvio, nada previsível. As músicas sempre vão aonde você menos imagina, e, mesmo assim, parece natural, inevitável. Disco do ano e música do ano, sem sombra de dúvida.
Ouça: South Winds

 



Come To Mexico (Totorro)
Um Weezer instrumental tocado bem mais rápido”. Foi como descrevi o recém-descoberto Home Alone, debute desses moçoilos norte-americanos do math rock. A descrição, acho, ainda vale, na falta de coisa melhor pra adjetivar esse som ao mesmo tempo quebrado, ensolarado e ultramelódico. Coloque o disquinho na vitrola, abra uma cerveja draft e sinta-se no verão de um parque – um parque complexo, mas ainda um parque, e bem divertido.
Ouça:
Saveur Cheveux
 



Guidance (Russian Circles)
Grandioso, monumental. Imagine um Explosions In The Sky mais contemplativo que emocionante. A música vem numa lenta e longa caminhada, do horizonte pra cá, solene, mas não feito marcha, é um passeio altivo mesmo. Lento e confiante. E então tudo se torna uma marcha inexorável, tensa, pesada. Pois o post-metal desses norte-americanos é sempre surpreendente. Uma definição possível seria “um Pelican mais paciente”.
Ouça: Afrika

 



La Niebla Y La Autopista (Julio Y Agosto)
Este hepteto argentino, em pouco mais de dez anos, com quatro discos e um EP, e shows em vários países latinos e na Europa, traz uma típica ‘comfort music’ com seu folk criollo – pop, melancolia e latinidade. Malcomparando, é um Belle & Sebastian sem deficiência aguda de vitaminas.
Ouça: Elena

 



Mariner (Cult Of Luna & Julie Christmas)
Este não tem muito erro pra quem curte post-sludge-metal: Cult Of Luna com a Julie, que já participou dos clássicos Battle Of Mice e Made Out Of Babies. Já se sabe o que esperar aqui: muito peso, muito clima, músicas se desenvolvendo sem pressa, ora explodindo em distorções, ora flutuando em dedilhados e percussões discretas. E o vocal de Julie Christmas serpenteia em meio a tudo isso com desenvoltura e malícia. Poderoso.
Ouça: Cygnus

 




Mayhem In Blue (Hail Spirit Noir)
Direto da Tessalônica, Grécia, vem este jovem power-trio (desde 2010) que já conta com três full lenghths, incluindo este Mayhem In Blue. Está no meio do caminho entre o debute do Kvelertak e os discos mais recentes do Nachtmystium, com ecos do finado Lifelover: ou seja, um black rock-metal doentio, cheio de tensão, psicodelia e sem nenhum compromisso com rótulos.
Ouça: The Cannibal Tribe Came From The Sea


 


Safehaven (Tides From Nebula)
Estes poloneses de Varsóvia vêm com o terceiro álbum ‘cheio’ em 8 anos, mantendo sempre a consistência: uma dinâmica mais, digamos, dinâmica que o habitual do post-rock/metal, passagens com peso à Pelican, eletrônica de leve (como o atual Explosions In The Sky) e trechos muito interessantes que remetem às paisagens sonoras de Brian eno com U2 na fase The Unforgettable Fire. Deve agradar até quem não tem muita paciência com o estilo.
Ouça: Traversing

 


Señoras (Los Valentina)
Este quarteto chileno recém-nascido (de 2015) já surge com seu primeiro trabalho, um EPzinho de 6 faixas em 23 minutos, de surpreendente segurança. Um pop rock meio final dos 80s, meio começo dos 90s, mas sem os timbres datados dessa[s] época[s] (mas espere eventuais teclados jovem guarda); pop de guitarras limpas, bonitinho e melancólico, na tradição que vai de Byrds a REM (e outros tantos), enquanto a bela voz de Valentina canta sobre cotidiano e nostalgia.
Ouça: Serpientes

 


Stranger To Stranger (Paul Simon)
Paul Frederic Simon é um prodígio: após levar o folk rock um passo adiante, com letras e harmonias mais sofisticadas nos 1960s, tem uma longa e sólida carreira-solo em que, inventando a world music décadas antes de o rótulo existiu, já misturou tudo que é cultura existente e existida do mundo. Hoje, do alto de seu 1,60m e de seus 75 anos, segue desafiando, instigando, experimentando. Sem nunca se deitar nas melodias confortáveis da parceria prolífica e turbulenta com Art Garfunkel.
Ouça: Wristband

 



Luz Satelital (Tobogán Andaluz)
Ora indiezinho, ora powerpop, mas tudo com certa leveza, dir-se-ia vagar típico oitentista; não vai mudar a vida de ninguém, mas é muito agradável ouvir este disquinho da atual banda do prolífico Facu Tobogán – não tão lo-fi e nada experimental como seus trabalhos-solo. A voz dele talvez seja o ponto fraco do álbum, um tanto desleixada demais, porém, vale a pena mesmo assim curtir esse rockinho porteño honestíssimo.
Ouça: Partido En Dos

 


De bônus tem: epônimo dos horrendos alemães do Bethlehem, que, após alguns anos perdidos em um arremedo de Rammstein com rock gótico, retornaram ao que sabem fazer melhor, um dark metal grotesco, grosseiro e desolador (ainda que sem a inspiração da fase áurea); e o tiozão do soul Charles Bradley, que, qual Cartola, só apareceu na mídia após só 60 anos (em 2013, com um single-cover de Changes, do Sabbath, relançado neste segundo álbum), e surge na lista como exemplo de álbum muito tocante e honesto, ainda que sem pretensões de inovação.




Também curti os rocks moderninhos e melódicos dos chilenos Medio Hermano (Lucha Libre) e Ases Falsos (El Hombre Puede), o incansável black metal norte-americano do Cobalt (Slow Forever) – ainda que inferior ao anterior e já clássico Gin, de 2009 e o blackgaze belga Rheia, do Oathbreaker, uma trombada entre Julie Christmas e Deafheaven; e esperava mais dos lançamentos dos franceses Alcest (Kodama) e Deathspell Omega (The Synarchy Of Molten Bones) e do italiano Frostmoon Eclipse (The Greatest Loss), pelo tanto que os aguardei.


Ainda nesta semana sai a parte II de II, com minha seleta de discos nacionais.