quinta-feira, 20 de março de 2014

É o mundo que anda hostil.


"A morte virá com todos os teus desejos e o teu egoísmo e todos os pecados capitais."

(Arthur Rimbaud, Uma Temporada No Inferno)

[Não pretendo com este texto concluir nada, inferir nada, chegar a lugar algum. Apenas manifestar certa aflição. Refletir, inconclusivamente, nesta noite de segunda-feira, sobre estes dias cinza. Aliás, é uma pena que meu último texto aqui, há pouco mais de um mês, tenha sido justamente sobre isso, a obliteração cotidiana do ser.]

Pode ser coincidência, pode ser passageiro, pode ser exploração momentânea da mídia.

Mas me assusta que haja tantos casos de linchamentos – muitos comprovadamente de inocentes – convivendo com relatos e mais relatos de violência policial, seja contra os brancos em protestos, seja contra os negros nas favelas.

E, ao mesmo tempo, parte da população, a mesma que apoia as sheherazades e os bolsonaros, estes que alimentam respectivamente o preconceito de classe e de orientação sexual, diz abertamente que deseja a volta da Ditadura.

Gente que só pode falar sem medo esse monte de estultice justamente porque estamos numa democracia.

Pessoas que se acham além de qualquer julgamento, jurando que andam sempre na linha e que jamais cometeram qualquer infração, justificando a posteriori medíocres meritocracias.

Não veem nada de errado em supostamente haver tanto espírito no feto e nenhum no marginal. Nem ligam de voltar da missa ou do culto e despejar rancor e grotesquidão na internet.

Sabe todos aqueles comentaristas de portal? Não existem só naquele mundo bizarro e distorcido; sejam remediados ou Rigobertos, se acham especiais demais por ‘pagar impostos’ – seja lá o que eles entendem por isso, como se alguém não os pagasse o tempo todo.

Esses sujeitos estão por aí, rosnando impropérios em seus automóveis no trânsito caótico, encrencando com subalternos e serviçais por qualquer migalha, replicando boatos ridículos nos encontros de firma, faculdade & família, com o ar de quem se acha ‘pelo menos 85% politizado’.

Atrás de um nariz vermelho tem sempre um grande palhaço. Músicos, comediantes, todos se orgulhando de seus preconceitos, exaltando por aí suas grandes orelhas de azêmola e sendo oportunamente acolhidos como bastiões da Direita internet afora (adentro?). 

Assustam-me a estupidez, o anacronismo, a falta de empatia e a crescente desumanização. O rugido inumano de contentamento a cada minoria violentada, a cada suspeito com seus direitos mais básicos negados, a cada gesto egoísta que dá de ombros para as injustiças.

E olha que ainda estamos longe da torrente de lama que virá com as eleições, quando essa classe média de fígado transbordante e cenho franzido virá com todos os seus preconceitos e as suas meias-verdades.

E tanto quanto possível de desprezo por tudo que não disser respeito ao seu mundinho distorcido, onde falta tapete para tanta sujeira varrida longe das fotos de família & equipe do escritório.

– Às vezes parece que o fino verniz que nos recobre de civilidade descascou de vez.