quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

The Sound Of Perseverance [III de III]

Chegamos à terceira e última parte do Listão do Vanzão [a primeira, internacional, está aqui, e a segunda, latina, aqui]; esta seção tupiniquim da jornada não seria possível sem o auxílio luxuoso da querida Laíssa Barros, que me indicou um monte de coisa boa que saiu por aqui neste ano.


Isabela Morais [Do Absurdo]

É provável que você me conheça de diversos projetos: seja Ummagumma, The Brazilian Pink Floyd, sejam os tributos a Elis e Vinicius de Moraes, a antiga banda Marginália, ou ainda como professora de sociologia, produtora cultural, astróloga, taróloga… mas hoje estou aqui como compositora e intérprete gravando o primeiro disco depois de uns bons quase 20 anos nos bailes da vida”. Assim Isabela se apresenta, no bem-sucedido crowdfunding possibilitou este Do Absurdo. Dá pra imaginar a salada cultural que ela tem pra apresentar. E apresenta: a voz, em muitos momentos, lembra Adriana Calcanhotto, o som é um pop com tintas de psicodélico/progressivo e música brasileira, meio torto e bastante inesperado – ainda que totalmente fluido, você nem percebe o tempo passar. Ah, e as letras, que vão de Ian Ramil a Maurício Pereira, são ótimas. Pode ir sem medo.
Ouça: a faixa-título


 

 

Jadsa + João Meirelles [Taxidermia Vol. 1 (EP)]
O segundo EP de Jadsa, jovem multi-instrumentista baiana radicada em São Paulo, é parceria com João Meirelles [do Baianasystem, banda que todo mundo ama mas na qual não vejo graça], tem ecos de Metá Metá e Vanguarda Paulista, com guitarra fuzzy, cantos afro, eletrônica/loops, ritmos ora quebrados, ora sincopados, tudo indo e vindo, sem jamais deixar que os versos enigmáticos de Jadsa deixem o protagonismo. Não é um disco agradável de ouvir, no sentido estrito, de ser uma experiência leve, fácil: a atmosfera, tanto faz se semidançante ou arrastada, não te deixa muito espaço pra respirar, as quatro faixas, de duração típica de música pop, parecem se demorar muito mais no tempo, algo suspensas, trôpegas. Ouça com calma e disposição.
Ouça: Sou Gente




 Julico [Ikê Maré]
Integrante do The Baggios – banda que nunca me chamou a atenção –, Julico tem umas loshermanices, tem muita mpb lisérgica anos 70s [tem horas toda a doideira conceitual e sonora da época parece desembocar em uma só música] e mais batuques & sambas afins, o pique de sua banda de origem e um conceito lírico tão doido que nem tentei entender. Parece ruim né. Mas é bom, é muito bom, o disco nacional que mais curti ouvir em 2020. Aparentemente Julico toca todos os instrumentos, mas não tem a autoindulgência costumeira desse tipo de empreitada, parece som de banda mesmo. E se tem hora que parece com tudo, no geral não parece nada, soa muito vivo e fresco. Álbum foda, daqueles de ouvir por anos e sempre descobrir um timbre novo aqui, uma passagem diferente ali…
Ouça
: Nuvens Negras

 

 


Kaatayra [Só Quem Viu o Relâmpago À Sua Direita Sabe]

A prolífica banda candanga – quatro meses depois deste disco, lançou mais um (não tão bom), Toda História Do Mundo – vem com um black metal ambientalista, ligado à natureza e às raízes ancestrais, com letras cheias de reflexões espirituais, no que seria uma mistura de Wolves In The Throne Room/Falls Of Rauros/Panopticon e Corubo. Só isso já seria interessantíssimo, mas o Kaatayra nos reserva mais uma ótima surpresa: no meio do black metal massivo, que preenche o Universo inteiro, temos backing vocals limpos, hipnóticos, teclados bonitinhos, temos seções com violões folk e percussões indígenas, como se um ritual do Alto Xingu invadisse o estúdio. E essa bagunça toda funciona, flui otimamente nas longas faixas do álbum. Seria o Holy Land do black metal? Só sei que é bom, muito intenso, cheio de beleza invulgar e informação sonora extremamente diversa. De ficar desnorteado após a audição.
Ouça: Chama Terra, Chama Chuva



 

O Hipopótamo Alado [Meu Coração Pingando Sangue Na Varanda Do Planeta (EP)]
Agora eu estou num projeto com o Lourenço Monteiro (baterista do D2), o Humberto Barros (tecladista) e o Fabiano Calisto, que é um poeta paulista. Chama Hipopótamo Alado, são só músicas longas, eletrônicas, muito pra baixo, pra retratar os tempos de hoje”. (…)O Hipopótamo Alado é um coletivo musical formado por Leoni (vocal, violão, baixo), Lourenço Monteiro (bateria, percussão, programação e vocais), Humberto Barros (teclados, baixo e vocais) e Fabiano Calixto (voz, ruídos, metáforas)”. Bom, essas duas citações dão o tom do que temos aqui: o jeito de compor é Leoni puro, mas acrescido de forte poesia nas letras e arranjos menos pop e mais, digamos, de vanguarda: na mesma música tem bateria e percussão eletrônica, violões, loops, backing vocals sombrios, pianinhos de dar taquicardia e barulhos incômodos quase ao ponto da irritação. Ou seja, é total Leoni e nada Leoni. Entendeu? Nem eu, mas é isso aí. Baita EP, é legal demais ver um artista pop ‘velho’ e consagrado se arriscando tanto, totalmente fora de qualquer zona de conforto em que ele já esteve na carreira. Só por isso merecia estar na lista, mas o disquinho é tão bom que o único defeito e acabar rápido demais. Imperdível.
Ouça: Na Esquina Mais Escura Do Mundo



 

Merecem lembrança também o ótimo disco do Marcelo D2, com uma seleção do rap nacional de convidados e seu melhor disco desd’A Arte Do Barulho [2008], a ambient music à Brian Eno de Felipe Ayres, do ruído/mm, e o pop tristinho à Hello Seahorse! do Carne Doce.



Que 2021 seja cheio das doideiras musicais. Até lá!



terça-feira, 15 de dezembro de 2020

The Sound Of Perseverance [II de III]

Depois da primeira parte, com os discos internacionais, vamos à versão latina do Listão do Vanzão 2020.


Abel Ibáñez G [De Vuelta En Casa (EP)]
O mexicano Abel Ibañez G. [ex-Goodnight Japan], vem com um EP composto e gravado durante uma estadia de quatro anos na Austrália. Não temos nada de revolucionário aqui, ‘apenas’ boa voz, bons timbres e belas melodias, com aquela pegada bem característica do pop rock mexicano atual [às vezes o vocal lembra Zoé, o que é sempre salutar], além de letras sobre chegadas e partidas, encontros e despedidas. Tudo bem ¿pop-rock lo-fi melódico? Belíssimo EP.




Cristóbal Briceño [En Mi Rincón]
O prolífico chileno Cristóbal – líder de importantes bandas locais, como Fother Muckers, Ases Falsos e Las Chaquetas Amarillas y Los Castigos, também tem carreira solos de grande qualidade, e neste álbum não é diferente: voz & violão, tudo caseiro, composto e gravado em mais ou menos um mês, durante o começo da pandemia, algo que seria pura autoindulgência no caso de um artista com menos talento. Felizmente, não é o caso: mesmo quando os temas são de incerteza e pesar, a música é simples e leve como a vida precisa ser no momento.
Ouça: Y Cuando Muera




Elsa Y Elmar [Cuatro Veces 10]

Conheci Elsa Y Elmar – nome do projeto musical da colombiana Elsa Carvajal – participando de um [ótimo] disco dos venezuelanos [radicados no México] Los Mesoneros; mas, diferentemente do indie pop daqueles, aqui temos o que ela chama de ‘spiritual pop’: um som delicado, etéreo, ao mesmo tempo redondinho e inesperado. Tudo flui com beleza e leveza, e quase dá pra dançar as suaves canções. No geral é bem ‘radiofônico’, com timbres bem moderninhos, se você não prestar atenção nas texturas. Pois, preste.
Ouça: Fuerte Para Volar



Enjambre [Próximos Prójimos]
Esta banda mexicana sempre teve muita qualidade, porém, se inspirava mais do que o necessário em The Strokes e afins no começo da carreira. Por isso é gratificante ver o quanto os caras vêm crescendo artisticamente, fazendo um pop rock com cada vez mais personalidade – forte, melódico, emotivo. Cheio de músicas sobre o período em que vivemos: fraqueza x força, morte x memória, distância x afeto. Se há obras para desanuviar e melhorar o tempo, este Próximos Prójimos é como uma forte chuva que chega a machucar, mas deixa o tempo limpo depois. Disco do ano.
Ouça: El Derrumbe





TIMØ [Algo Diferente (EP)]

Os colombianos do TIMØ vêm com seu 'tropipop', meio eletrônico, meio acústico, meio pop, meio folk, um som bem latino, porém, sem clichês - a mesma música pode misturar reggaeton e violões ensolarados – que dá pra dançar ou curtir relaxado numa poltrona, o efeito revitalizante é o mesmo. Num ano como este, são absolutamente necessários.
Ouça: Pase Lo Que Pase




Merecem destaque o sempre ótimo pop melancólico do mexicano Hello Seahorse! e duas bandas chilenas: o rockinho agridoce do Los Castigos e o indie-metal? de responsa do Adelaida.



Por hoje é só, pessoal. Daqui a pouco sai a terceira e última etapa [nacional].


domingo, 13 de dezembro de 2020

The Sound Of Perseverance [I de III]

Vamos à primeira parte [internacional] do tradicionalíssimo Listão do Vanzão com os discos que mais curti ouvir em 2020.


Hail Spirit Noir, Eden In Reverse

Este ex-power-trio [hoje um sexteto] grego já passou por aqui com Mayhem In Blue [2016], 'apenas' um black metal psicodélico com ecos e timbres de thrash/punk, dando em uma ótima desgraceira. Porém, neste disco, parece outra banda [por mais clichê que isso seja]: tá certo que eles já demonstravam certo desprezo por rótulos musicais, mas este Eden In Reverse me deixou boquiaberto. É progressivo, psicodélico, labiríntico, cheios de timbres vintage de teclado [saídos de algum porão do krautrock], vocais quase gregorianos contrastando com o peso e a tensão cósmica do som – ainda que não haja nada de black metal aqui. Falei de krautrock ali? Bom, é o tipo de som estranho que parece ter ecos aqui. As músicas se desenvolvem sem pressa ou indicação de aonde vão te levar. Temos aqui o mesmo espírito ‘metal adulto’ de Ihsahn e Enslaved, mas os conceitos são totalmente diferentes – e, desta vez, melhores. Disco do ano, fácil.
Ouça
: o disco inteiro




Ihsahn, Pharos [EP]

Como eu já disse na resenha de Arktis [2016], “Ihsahn, nascido Vegard Sverre Tveitan, é um gênio. Não contente em, recém-saído da adolescência, revolucionar a música extrema, levando-a a outro patamar de sofisticação com o Emperor [e ainda vender milhões de discos], ele mantém uma carreira solo incrivelmente consistente e inventiva”, misturando black metal com progressivo, eletrônico, jazz e até pop. Pop, aliás, é o que mais tem neste novo EP, aparentemente feito para irritar os metaleiros mais toscos: ao lado de três singles bastante acessíveis [mas não menos trabalhados que o resto de sua obra], duas surpreendentes covers – Portishead [Roads] e A-Ha [Manhattan Skyline, com participação de Einar Solberg, do Leprous, nos vocais]. Após se desprender das amarras do metal extremo, e do próprio metal, agora nem mesmo o rock limita os horizontes de Ihsahn.

Ouça: Losing Altitude



Iress, Flaw

Eu não conhecia o Iress, esta banda de Los Angeles com quase 25 anos de carreira; tampouco lembro como esbarrei neles por essas esquinas da internet. Mas foi uma grata surpresa: aparentemente o grupo é definido como ‘doomgaze’ – ignorava a existência do rótulo até então, mas olha, faz sentido. É pesadão, tem horas que quase esbarra no sludge e/ou no metal moderno americano, mas tem climas bem bonitos de vocais femininos que ora lembram Kylesa, ora The Gathering. O resultado é ao mesmo tempo agradável e intenso. Taí uma banda que certamente aparecerá novamente por aqui em listas futuras.

Ouça: Underneath



Kły, Wyrzyny

Não é minha lista de discos internacionais preferidos do ano, de qualquer ano, se não tiver um black metal polonês bem esquisito e doentio. Pois ei-lo: vocais psicóticos [com eventuais declamações com voz limpa], guitarras melancólicas, som cru mas tudo bem audível [as linhas de baixo são bem interessantes, aliás] e um persistente sentimento de isolamento e fragilidade. É bem menos brutal do que os polacos que costumam dar as caras por aqui, pois há momentos bonitos e doídos durante todo o disco. Pra quem acha que black metal mais cru se resume, ou precisa se resumir, a barulheira desenfreada, taí o Kły. Ah, e Pode agradar fãs de Lifelover e/ou Bethlehem, em matéria de vocais angustiados e passagens de instrumental mais esparso.

Ouça: Gwiezdny Wiatr



Ulver, Flowers Of Evil

Já começa com a capa mais bonita do ano: a sofrida Maria Falconetti em La Passion De Jeanne D'Arc [1928], de Carl Theodor Dreyer. Aprofundando a linha iniciada em The Assassination Of Julius Caesar, de 2017, estes noruegueses, que já foram black metal melódico, black metal esporrento, acústico, psicodélico, eletrônico minimalista, eletrônico mais dark, indie... entregam mais um trabalho excelente, ao mesmo tempo profundo e pop, melancólico e dançante, simples e misterioso.

Ouça: Little Boy



Menções honrosas para retorno do trio japonês [dois teclados e uma bateria] Mouse On The Keys ao som mais intenso e menos relaxado do que no álbum anterior; a sempre inclassificável avant-garde one-man band húngara Thy Catafalque e o ex-thrash e atual black metal atmosférico cheio de guitarras tristes e sopros entremeando os vocais impiedosos dos holandeses do Dystopia.






Logo mais tem a segunda [latina] e a terceira [nacional] partes da lista, fiquem ligadinhos.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

No abstrato abismo equóreo em que me inundo.


Em paisagens monótonas de tédio, arruinadas, recendendo a estreiteza e podridão, tu estavas coberto de insetos, sob um sol gris, apagado, mortiço, e eu te mandava deitar, morrer, sumir. E, de repente, um dilúvio de águas geladas em alamedas tão familiares, noite escuríssima - e eu me perdia e ti e de mim. Mas nenhum de nós estava ali, e penso que não estou mais em muitos lugares, apenas cheio de infindáveis vazios.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Sem perturbar sua claridade, mas também sem diminuir minha tristeza.

Dois meses.

Queria que tivesse visto de perto minha já nem tão nova casa, e novamente o nosso time desde sempre; meus bichos, meu espaço, meus novos e sempre incertos passos. E te contar meus novos erros, e quem já não sou sem você. Nas noites em claro e nos dias escuros.

O que me tornei?, não sei. Alguém diante de uma imensidão de ausências, talvez: tropeçando, caindo, sem ver o caminho ou saber o destino, mas, eu, acho seguindo. Um caminho que já não há, de alguém que jamais fui. Sobra tanto espaço que, por vezes, me sufoca.

Vivo o luto e luto do meu jeito. Alguns dias, mudo, outros, ansiado e contrafeito. Às vezes dá um negócio no peito: viver é, sobretudo, solitário. Talvez mais do que morrer?, mas isso não poderei dizer por ora.

Você gostava de chuva para dormir. Hoje chove bastante e você dorme para sempre. As flores, os pássaros, tudo que você amava resolveu seguir caminho sem ao menos te esperar. O mundo inteiro está por aí, ao meu redor e acima de você, quase igual, em vastidões de esquecimento e mágoa.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Por não te poderes levantar do abismo em que te reclinas.

Noite passada, te vi andando pelas ruas do bairro, em silêncio. Tudo era silêncio. Eu te alcançava nas ruas vazias de uma manhã tépida e perguntava por que você não se cuidava, por que não lutava, por que não tentava ficar. Mas não havia resposta, tudo permanecia sem qualquer som. Acordei como quem morreu um tanto, e não consegui mais dormir.

Já nessa noite, no quintal do que foi nossa casa, eu me preparava pra ir a um lugar que te era muito querido; minha mãe, e tua esposa, perguntava por que, logo num dia tão quente. Ao justificar que te era um local querido, você aparecia, novamente sem dizer nada. No que eu me virava, percebendo estar em terras oníricas, e dizia: mas você está morto. E dormi o sono adoecido de quem já não quer sonhar.

E sempre muito calor. Nenhum som e muito sol. O mesmo sol que ardia quando você se apagou.