Chegamos à terceira e última parte do Listão do Vanzão [a primeira, internacional, está aqui, e a segunda, latina, aqui]; esta seção tupiniquim da jornada não seria possível sem o auxílio luxuoso da querida Laíssa Barros, que me indicou um monte de coisa boa que saiu por aqui neste ano.
Isabela Morais [Do Absurdo]
“É provável que você me conheça de diversos projetos:
seja Ummagumma, The Brazilian Pink Floyd, sejam os tributos a Elis e Vinicius
de Moraes, a antiga banda Marginália, ou ainda como professora de sociologia,
produtora cultural, astróloga, taróloga… mas hoje estou aqui como compositora e
intérprete gravando o primeiro disco depois de uns bons quase 20 anos nos
bailes da vida”. Assim Isabela se apresenta, no bem-sucedido crowdfunding
possibilitou este Do Absurdo. Dá pra imaginar a salada cultural que ela tem pra
apresentar. E apresenta: a voz, em muitos momentos, lembra Adriana Calcanhotto,
o som é um pop com tintas de psicodélico/progressivo e música brasileira, meio
torto e bastante inesperado – ainda que totalmente fluido, você nem percebe o
tempo passar. Ah, e as letras, que vão de Ian Ramil a Maurício Pereira, são
ótimas. Pode ir sem medo.
Ouça: a faixa-título
Jadsa + João Meirelles [Taxidermia Vol. 1 (EP)]
O segundo EP de Jadsa, jovem multi-instrumentista baiana
radicada em São Paulo, é parceria com João Meirelles [do Baianasystem, banda
que todo mundo ama mas na qual não vejo graça], tem ecos de Metá Metá e Vanguarda
Paulista, com guitarra fuzzy, cantos afro, eletrônica/loops, ritmos ora
quebrados, ora sincopados, tudo indo e vindo, sem jamais deixar que os versos
enigmáticos de Jadsa deixem o protagonismo. Não é um disco agradável de ouvir,
no sentido estrito, de ser uma experiência leve, fácil: a atmosfera, tanto faz
se semidançante ou arrastada, não te deixa muito espaço pra respirar, as quatro
faixas, de duração típica de música pop, parecem se demorar muito mais no
tempo, algo suspensas, trôpegas. Ouça com calma e disposição.
Ouça: Sou Gente
Julico [Ikê Maré]
Integrante do The Baggios – banda que nunca me chamou a
atenção –, Julico tem umas loshermanices, tem muita mpb lisérgica anos 70s [tem
horas toda a doideira conceitual e sonora da época parece desembocar em uma só
música] e mais batuques & sambas afins, o pique de sua banda de origem e um
conceito lírico tão doido que nem tentei entender. Parece ruim né. Mas é bom, é
muito bom, o disco nacional que mais curti ouvir em 2020. Aparentemente Julico
toca todos os instrumentos, mas não tem a autoindulgência costumeira desse tipo
de empreitada, parece som de banda mesmo. E se tem hora que parece com tudo, no
geral não parece nada, soa muito vivo e fresco. Álbum foda, daqueles de ouvir
por anos e sempre descobrir um timbre novo aqui, uma passagem diferente ali…
Ouça: Nuvens Negras
Kaatayra [Só Quem Viu o Relâmpago À Sua Direita Sabe]
A prolífica banda candanga – quatro meses depois deste
disco, lançou mais um (não tão bom), Toda História Do Mundo – vem com um black
metal ambientalista, ligado à natureza e às raízes ancestrais, com letras
cheias de reflexões espirituais, no que seria uma mistura de Wolves In The
Throne Room/Falls Of Rauros/Panopticon e Corubo. Só isso já seria
interessantíssimo, mas o Kaatayra nos reserva mais uma ótima surpresa: no meio
do black metal massivo, que preenche o Universo inteiro, temos backing vocals
limpos, hipnóticos, teclados bonitinhos, temos seções com violões folk e
percussões indígenas, como se um ritual do Alto Xingu invadisse o estúdio. E
essa bagunça toda funciona, flui otimamente nas longas faixas do álbum. Seria o
Holy Land do black metal? Só sei que é bom, muito intenso, cheio de beleza
invulgar e informação sonora extremamente diversa. De ficar desnorteado após a
audição.
Ouça: Chama Terra, Chama Chuva
O Hipopótamo Alado [Meu Coração Pingando Sangue Na
Varanda Do Planeta (EP)]
“Agora eu estou num projeto com o Lourenço Monteiro
(baterista do D2), o Humberto Barros (tecladista) e o Fabiano Calisto, que é um
poeta paulista. Chama Hipopótamo Alado, são só músicas longas, eletrônicas,
muito pra baixo, pra retratar os tempos de hoje”. (…) “O Hipopótamo Alado é um
coletivo musical formado por Leoni (vocal, violão, baixo), Lourenço Monteiro
(bateria, percussão, programação e vocais), Humberto Barros (teclados, baixo e
vocais) e Fabiano Calixto (voz, ruídos, metáforas)”. Bom, essas duas citações
dão o tom do que temos aqui: o jeito de compor é Leoni puro, mas acrescido de
forte poesia nas letras e arranjos menos pop e mais, digamos, de vanguarda: na
mesma música tem bateria e percussão eletrônica, violões, loops, backing vocals
sombrios, pianinhos de dar taquicardia e barulhos incômodos quase ao ponto da
irritação. Ou seja, é total Leoni e nada Leoni. Entendeu? Nem eu, mas é isso
aí. Baita EP, é legal demais ver um artista pop ‘velho’ e consagrado se
arriscando tanto, totalmente fora de qualquer zona de conforto em que ele já
esteve na carreira. Só por isso merecia estar na lista, mas o disquinho é tão
bom que o único defeito e acabar rápido demais. Imperdível.
Ouça: Na Esquina Mais Escura Do Mundo
Merecem lembrança também o ótimo disco do Marcelo D2, com
uma seleção do rap nacional de convidados e seu melhor disco desd’A Arte Do
Barulho [2008], a ambient music à Brian Eno de Felipe Ayres, do ruído/mm, e o
pop tristinho à Hello Seahorse! do Carne Doce.
Que 2021 seja cheio das doideiras musicais. Até lá!
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