quarta-feira, 30 de julho de 2008

Agonizou no meio do passeio público

Herbert Vianna sempre foi o cara do rock nacional com quem todo mundo sempre pôde se identificar: não era um showman como Bruno Gouveia, não era articulado como Renato Russo, nem bonito como Paulo Ricardo, nem estiloso como Humberto Gessinger, nem sarcástico como Roger Moreira. Era feioso, careca, míope e cantava mal à beça. Paraibano que foi pra Brasília e depois pro Rio de Janeiro, bebum, exagerado nos sentimentos, nem sempre simpático com fãs, imprensas ou colegas de profissão e exímio guitarrista (à custa de muito treino).

Tornou-se frontman da melhor banda brasileira, quiçá da América Latina, de todos os tempos, reconhecida internacionalmente por uma fusão irresistível de rock setentista e ritmos latinos, com o auxílio luxuoso da cozinha cinco-estrelas de Bi Ribeiro e João Barone, além dos já paralâmicos Eduardo Lyra e João Fera, respectivamente na percussão e nos teclados.

Pudemos sempre saber seu estado de espírito: das maluquices juvenis da faculdade de Agronomia em Cinema Mudo, à fossa d’O Passo Do Lui e do período ensolaradamente adulto de Selvagem?, sempre dava pra saber que tudo aquilo era sincero, mas sem a reclusão torturada d’um Renato Russo: a banda sempre fazia shows, as músicas eram sempre um caldeirão de ritmos e as letras não deixavam dúvidas sobre os temas, fossem alegres ou fundo-de-poço.

E foi assim que pudemos acompanhar sua dor-de-cotovelo mais célebre, por causa da Paula Toller, que durou três discos, começando no torturado, confuso e autoproduzido Bora-Bora, passou pelo Big-Bang, auge da fusão de estilos, e terminou no morno (sereno?) Os Grãos.

No Bora-Bora, exceto pelas duas instrumentais (Bundalelê – nome profético – e The Can) e pela versão de Um A Um, de Edgar Ferreira, TODAS aludem ao ocorrido, inclusive citando experiências com cocaína (Don’t Give Me That) e heroína (Uns Dias).

“Descobri mil maneiras de dizer o teu nome com amor, ódio, urgência, ou como se não fosse nada.” (O Beco)

“Te imagino com outro cara numa praia em Bora-Bora agora; me imagino embriagado, jogado no chão d’uma espelunca – nunca.” (Bora-Bora)

“Quem dera eu transformasse solidão em Carnaval.” (Sanfona)

“Será que um dia eu ainda vou ter que me atirar – de uma ponte, aos teus pés, numa curva – ou tanto faz?” (Fingido)

“It makes you walk naked in the pouring rain; and let’s you go crazy to the cross of the trains.” (Don’t Give Me That)

“Às vezes te odeio por quase um Segundo, depois te amo mais.” (Quase Um Segundo)

“Existe uma coisa que me dói perder, existe uma coisa que eu custei a ganhar.” (Dois Elefantes)

“Eu podia ajoelhar, te chamar com toda força; não ia te acordar, não ia ter ninguém, mas eu posso te esperar.” (Três)

“E me deixa tão só, e tá tudo tão quieto.” (Impressão)

“Eu sempre pergunto, você nunca me diz se é assim o amor, sempre por um triz.” (O Fundo Do Coração)

No Big-Bang temos algumas, com as feridas ainda cicatrizando.

“Se você me quer eu te quero, senão eu não me desespero; afinal eu respiro por meus próprios meios; afinal eu vivo enquanto espero.” (Se Você me Quer)

“Outro dia eu apareço; enquanto isso vamos nos entender.” (Esqueça O Que Te Disseram Sobre O Amor)

“Não importa se o que ficou machucou, doeu, nem a porta que se fechou: eu sei que lá, em algum lugar, ficou uma luz acesa no escuro desse amor que se apagou.” (Lá Em Algum Lugar)

N’Os Grãos temos o assunto tratado de forma mais madura e menos rasgada (o próprio Herbert disse que saiu da órbita mesmo, perdeu a cabeça, e levou anos pra poder tratar o assunto de forma racional).

“Eu só queria te dizer que aquela dor já passou.” (Sábado)

“Eu hoje joguei tanta coisa fora... eu vi o meu passado passar por mim: cartas e fotografias, gente que foi embora – a casa fica bem melhor assim.” (Tendo A Lua)

“A vida que eu não tinha ainda agora começou: um outro sonho tanto quanto os que já vivi.” (Os Grãos)

“Você sabe o que eu já fiz e do que eu fui capaz; mas fica tudo entre nós.” (A Outra Rota)

“Passou e eu entendi – como assim? – não vai voltar o tempo, os dias em que tudo ainda estava no lugar; abra os braços, abrace o que sobrar.” (Dai-Nos)

“A dor que vai e vem são remotas sensações longínquas, agora eu lembro bem.” (Trinta Anos)

E foi assim que também acompanhamos seu vexame público d’um bundalelê ébrio numa jam session (musicado em Tribunal De Bar) com os amigos, a maturidade artística (não correspondida pelo mercado), a volta aos hits, a volta às origens, sua agonia pública de perder a esposa e parte do cérebro em um acidente com seu ultraleve (nunca esqueço ele voltando à consciência no hospital, tocando Óculos no violão de náilon, e depois perguntando por que “Deus havia colocado aquela dor tão grande na sua vida”), retornando numa mítica turnê do Longo Caminho (feito antes e lançado após a fatalidade), num clima de celebração e cumplicidade no palco e no público, com lados-B como Selvagem, A Dama E O Vagabundo, Pólvora e Mensagem De Amor (tudo que os “fãs da cadeira de rodas” não queriam).

E mesmo que os shows tenham se tornado um tanto enfadonhos, e o disco Hoje seja o mais morno da carreira da banda, Os Paralamas Do Sucesso são eternos, pela carreira impecável em todos os sentidos. Valeu Barone, Bi e, principalmente, valeu Herbert.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Eternidades da semana

Já o Santos não cansa de fazer papel de ridículo; após a curta festança da geração Robinho + Diego, voltou ao devido lugar, junto com a Portuguesa (Santista?): depois de uma pífia campanha na Libertadores, cambaleia nas últimas posições do Brasileirão. Agora, além de copiar os cânticos corinthianos, como vêm fazendo Brasil afora, resolveram imitar até a estratégia mercadológica; só esqueceram de que o Sardinha FC não tem torcida, e que, portanto, a campanha fajuta vai ser um (merecido) fiasco. Deviam tentar algo mais incisivo.

Kassab, o Santos da política paulista, com seus factóides/pastéis-de-vento e vexames públicos & privados, aprontou mais uma, com seu DataKassab: funcionários das regionais instruídos por e-mail para agir de forma a influenciar as pesquisas do DataFolha, nas quais ele aparece em queda livre. O pior, além do vazamento da mutreta, foi pagar o gorila de aparecer, em mídia impressa nacional, o quanto ele escreve mal.

Assisti aO Banheiro Do Papa, filme uruguaio que corrobora a excelente produção latino-americana dos últimos anos e certifica que nosso cinema continua imbatível na posição de pior do mundo: história criativa, ótimas atuações, trilha sonora consistente, desfecho sólido, enfim, tudo que falta às viúvas do Cinema Novo e aos amadores de tetas globais/rouanetzísticas. Saudade da Boca Do Lixo.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Era feliz: amava o Grande Irmão.

Tem gente que se expõe demais na internet, as vezes sem nem se dar conta do que isso pode acarretar. Não é meu caso: o que as pessoas sabem de mim, via blogs, flog, orkut, twitter e fóruns, não é exatamente o que sou – que mídia haveria de resumir a mim, tão sem-limite? – mas como decido me mostrar em cada espaço virtual: são as máscaras que usamos no dia-a-dia em sociedade. Não que eu encene peças ou incorpore personagens, apenas protejo minha privacidade (o que interessa dela) e a das pessoas que me rodeiam. Qualquer pessoa que pesquisar sobre mim na web vai descobrir que escrevo, que toco, que sou ansioso, insone, cervejeiro, cinéfilo, que tenho namorada, que moro na Zona Oeste de São Paulo, que adoro gatos, que sou corinthiano, que jogo truco-sinuca-boliche, que leio além da conta... nenhum segredo. Por isso a recente repercussão de quando fui citado num artigo do IDG Now!, que alcançou boa visibilidade por ter sido numa matéria sobre a "queda" d'orkut na segunda-feira e de o link (clique no título deste post) ter aparecido na capa do portal do Uol, não me causou nenhuma reação além do sorriso de quem foi cappturado em polaróide num momento de humor e sarcasmo. Quem quiser privacidade, proteja-se; quem tiver o que esconder, fique esperto ou saia da internet.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A bola da vez

Sábado o Corinthians, atendendo aos pedidos de uns 170.000.000 de brasileiros, que eram todos torcedores do Bahia, perdeu a primeira partida na Segundona. Engraçado como o Timão desperta sentimentos intensos tanto nos torcedores quanto nos detratores... o fato é que ninguém fica imune a esse time-nação. Sabadão de tarde e a Globo passando jogo da série B... quando isso aconteceu antes? Grêmio (duas vezes), Palmeiras, São Paulo (numa virada de mesa que permitiu que um time rebaixado no PAULISTÃO de 1990 disputasse a Segundinha em 1991 e voltasse no mesmo ano, disputando a final contra o Corinthians levando vantagem de resultados iguais por uma campanha melhor no campeonato mais fraco... coisas do futeco brasileiro), Fluminense (duas vezes pra Segundona e uma pra Terceirona!), Atlético Mineiro, qual desses times teve destaque na mídia quando caiu? Quanto ao jogo, foi naturalmente feio, como todos de um campeonato de nível tão baixo, e mais ainda porque o péssimo Bahia veio para não jogar, achou um gol antes dos 10min de jogo, num frango do Felipe, e praticou o antijogo desde então, fazendo um quase cai-cai e abusando da violência. Some-se isso às limitações do elenco corinthiano (sai Chicão, entra o bebum Fábio Ferreira!), dependendo do fraco Acosta e do apenas esforçado Herrera, e lá se foi a nossa virgindade. Bom, pelo menos acaba essa encheção: o campeonato vai até dezembro, seria impossível ganhar o certame invicto Até o próximo jogo. Timão eô!

Falando em rebaixamento: quando o Palmeiras caiu, a torcida apoiou, cresceu, e os jogos passavam de sábado à noite na Gazeta ou Rede TV!, não lembro; se o São Paulo caísse mesmo (sem virada de mesa), os estádios esvaziariam, pois são-paulino só vai ao estádio quando é jogo ganho, mas a Globo provavelmente se interessaria (aberto o precedente corinthiano), pois há muitos torcedores do São Paulo na cidade homônima; já o Santos, se cai (está indo a passos largos para esse destino), como não tem história além da década de 1960, como não tem torcida, como não desperta interesse (nem amor, nem ódio, nem desprezo), não passando de um bando de chorões passadistas, vai ficar que nem a Portuguesa, levando uns cinco ou seis anos pra subir novamente à elite, e terá seus jogos transmitidos – em VT, gravados por algum torcedor de forma amadora –, na madrugada de terça pra quarta, na Rede Vida, com comentários de algum noviço nada rebelde.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Om Hundrede Aar Er Alting Glemt.

Conversando com um amigo, que, aliás, já havia conversado sobre isso com um colega de trabalho, e ouvindo a canção que dá nome ao post (nunca esqueçam de que o título sempre é um link pra alguma coisa interessante), resolvi escrever: quanto tempo leva para uma pessoa ser completamente esquecida, desaparecendo por completo das memórias e dos registros oficiais e oficiosos?

Muita gente se preocupa com o os rastros virtuais, no melhor estilo Igreja Triangular Do Resíduo Digital, do maluco-e-picareta-de-plantão Miranda, outrora músico (ruim) sulista, depois jornalista, depois produtor, depois colunista da saudosa e caótica revista General (quando apareceu com essa piada de igreja, que muita gente levou a sério, na qual os resíduos digitais da pessoa poderiam ser usados para ressuscitá-la, ou coisa assim) e hoje jurado do Ídolos.

Certos rastros digitais, como e-mail, MSN, Skype e Twitter dependem da ação direta do usuário para funcionar. Outros, como blogs e fotologs, podem resistir mais, porém, correm o risco de ser deletados por falta de uso e/ou quando a moda passar.

Restam um pouco mais as mensagens e os profiles em fóruns e orkuts/similares. Eu mesmo participo de um fórum com uma área específica para os foristas falecidos serem homenageados. Há gente que guarda e-mails em CDs de arquivo, anos a fio, além de sites que fazem isso periodicamente na internet, como os serviços que fazem backups constantes da rede.

Portanto nossos podres devem durar digitalmente mais do que durariam em anotações de diários ou na mente de contadores de histórias (claro que estou falando de anônimos, pessoas não famosas), além de registros governamentais, que de tão desorganizados podem-se considerar perdidos.

Já pensou um serviço funerário na web, para sepultar seus registros digitais? Assim aqueles podres registrados em comunidades constrangedoras, e-mails queima-filme e deleção de profiles a fim de que o pessoal do Profiles De Gente Morta e seus parentes fiquem lhe deixando scraps, sendo que nem sabe-se como é o além-web.

Mas, se por um lado, o acesso à informação está mais fácil, também é volátil demais: sites, provedores e contas, tudo é encerrado a todo momento, gerando um monte de fantasmagorias como links quebrados, arquivos órfãos e endereços incorretos.

E alguém irá consultar tais arquivos após algumas gerações? Ou será como é atualmente, quando em mais ou menos um século ninguém mais se lembra de você (dependendo da idade com a qual você morreu e seus descendentes mais novos nasceram)?

Então faz sentido deixar ou não um legado? Faz diferença deixar uma incrível obra de arte, um monte de filhos bem criados ou um grande e luxuoso túmulo? Sendo no início, no meio ou no fim da vida, não seria tudo isso apenas resistência em admitir a gratuidade e a finitude da existência? Assim como a crença em deuses, destino e vida após a morte, deixar algo que será visto por gerações futuras, quando você mesmo não poderá conferir nada disso, tem alguma utilidade? Ou toda atitude, disfarçada de projeto de vida, resume-se a um passatempo até a hora da morte?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Divagações filosóficas II

O homem é uma existência que busca a consciência de si. Assim o em-si = objeto e o para-si = sujeito = consciência irrefletida. Quando esta torna-se reflexiva, o para-si passa a ser-para-o-mundo, interagindo com outros seres-para-mundo (ser-com). Tentamos fazê-los objetos e eles também tentam nos fazer voltar ao em-si. Por isso, mais importante que os objetos e a consciência, é a união desses dois – como a consciência interage com o mundo, com todas as coisas. Por isso, nessa parte, o cogito cartesiano continua válido, trazendo solidão, vazio e angústia, porém sem o término em Deus no qual ele cria.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Divagações filosóficas

Sartre criticava o "mundo como representação" de Schopenhauer, além dos racionalistas que reduziam os objetos a conteúdos de percepção dos estados da consciência. Com base na fenomenologia de Husserl, Sartre postulou que nada existe a priori na consciência, uma vez que esta só possui conteúdos de pensamento: a consciência só existe quando vai ao encontro do mundo. Em-si, ela não é nada, só existindo quando tenta fugir dela-mesma, em direção ao objeto. N'A Transcendência Do Ego, Sartre disse: "O ego não está na consciência, nem formal, nem materialmente; ele está fora, no mundo; é um ser-para-o-mundo, assim como o ego de outrem". Portanto sujeito + objeto = existência; em-si/para-si = dimensão "cristalizada" da consciência; consciência = consciência de si = ser-para-o-mundo. Assim, a presença de outra consciência limita a liberdade.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Nihil ex-nihilo

Com base em um debate na internet sobre niilismo, acabei colando algumas coisas que disse lá e montando este arremedo de texto com mais algumas informações. O objetivo é mostrar que o niilismo como filosofia é impossível, sendo um auto-engano ou, no máximo, uma fase pela qual (quase) todos passam na existência.

Bom, excluindo Deus da teoria, visto que um verdadeiro niilismo prescindiria uma recompensa além-túmulo, além de qualquer propósito em existirmos, temos:

_Sartre: arte e ética dando sentido à vida. Acho O Existencialismo É Um Humanismo, conferência que virou panfleto, um bom texto introdutório sobre o existencialismo. O problema é ficar só nisso, visto que ele é uma tentativa de diluição de um pensamento bem esquematizado n'O Ser E O Nada (um dos livros mais discutidos e menos lidos) – e lá há um bom esquema de doação de sentido para a existência, negando qualquer niilismo. Já esse negócio do ser-para-a-morte ele pegou do Heidegger, que pegou do Schopenhauer, que pegou do hinduísmo. E eu discordo do niilismo pelo viés existencialista, que o Camus tanto criticou n'O Homem Revoltado. O niilismo do Nietzsche, por exemplo (O Eterno Retorno), destrói os valores vigentes para então construir os próprios.

_Camus: a vida é a vida em-si. Camus, em O Mito De Sísifo, diferencia com veemência "a opinião que se tem sobre a vida e o gesto que se faz para abandoná-la. Negar sentido à vida não significa, necessariamente, que vale a pena encerrá-la. Ele também faz uma bela síntese do niilismo nietzschiano em O Homem Revoltado. Camus critica tanto a fuga pela arte porque acha que o homem absurdo pode usar essas coisas com sintomas do absurdo, e não como sentido pra vida. No entanto ninguém discorda que a ética é resultado do convívio em sociedade, etc. O niilismo ideal e o Schopenhauer eu coloco no mesmo balaio inviável, como se buscassem um conforto na tristeza ("Ah, é assim mesmo!”). Portanto, nesse ponto, fico com o Sísifo camusiano: já que eu não consigo me matar, uma vez que meu instinto de preservação não permite (o que mostra sanidade), minha empatia pensa no sofrimento que isso causaria a quem gosta de mim, e como eu não fiz nada na vida até hoje além de viver, e não sei ser estar morto é melhor que estar vivo (viver toma todo meu tempo), vamos fazer isso da melhor forma possível. Em resumo, não acho que a vida é bela por causa da finitude, mas que ela PODE ser bela APESAR da finitude.

_Schopenhauer: o sofrimento é a medida da vida. No volume 3 d'O Mundo Como Vontade E Representação, a fuga do "pêndulo que oscila entre o tédio e a dor" é o ascetismo da contemplação desinteressada das coisas-mesmas, por meio da arte e da aceitação do sofrimento e da gratuidade. Sim, ele surgiu com a pretensão de ser um consolador para os males da própria existência, mas nem de longe é uma rasa auto-ajuda. O paço não fica nem um pouco menos pedregoso pela opção da renúncia e pela conduta estóica; nunca foi muito divertida uma mortificação sem promessas de compensação póstuma.

_Nietzsche: esse ascetismo é tomado por na Genealogia Da Moral, que propõe essa conduta para negar a moral cristã, moral de escravos, de valores tacanhos. O Bigode "tem um desejo de ser outro, de estar em outro lugar". No mesmo livro ele já diz que o niilismo é uma crise de valores, a grande doença de sua época, advinda de uma herança de animal domesticado, antes livre e naquele momento sujeito a regras, culpas e punições. Assim que sai perdendo nessa civilização falida tende a perder o interesse nela. Chegamos, então, a um ponto em que concordamos todos: a negação da vida exigida do asceta é sim uma forma de afirmação de um modo alternativo de vida, imposto em sua valoração. Já o além-do-homem, iniciado n'O Anticristo e delineado em Assim Falava Zaratustra, configura afirmar a vida sem a necessidade de qualquer negação, criando valores "além do bem e do mal". Era o eterno retorno... "e a vontade-mesma estava salva".

Um sujeito sem valores é um ser completo ou só um display de papelão? Se ele nega todos os valores e não coloca nada no lugar, o que o diferencia de um ser-em-si, de uma pedra falante?

Vamos organizar.
1. Pode existir um niilismo sem que nada seja colocado no lugar?
2. Se sim, esse nada não seria um crença também, um valor?
3. Se não, por que esse FDP não se mata logo e pára de encher o saco?

O niilismo ideal-impossível (sim, estou roubando meio-termo da semiótica) é inviável, pois a negação de tudo acaba tudificando (parodiando Sartre) o nada. E isso o véio vesgo já tinha dito, que existir já é estar engajado, não escolher já é uma escolha. Portanto eu, e acho que o autor também vê assim, vejo o niilismo apenas destrutivo como fraqueza mesmo. Melhor limpar a bagunça e construir algo legal depois que tiver botado tudo no chão. É por isso que os gregos ainda são os caras, desde as teogonias, e logo depois, os pré-socráticos. The same old haunts, the same old fears. Nossas angústias são as mesmas desde sempre, e jamais cessarão. Todas as filosofias, fantasmagorias, crendices, nada disso passa de bandeide metafísico. Acho que se houvesse niilismo mesmo, o "ideal", não saberíamos dele, visto que todos os adeptos cometeriam suicídio antes de escrever algo sobre. Portanto cala a boca Sísifo! Carrega a pedra.