Com base em um debate na internet sobre niilismo, acabei colando algumas coisas que disse lá e montando este arremedo de texto com mais algumas informações. O objetivo é mostrar que o niilismo como filosofia é impossível, sendo um auto-engano ou, no máximo, uma fase pela qual (quase) todos passam na existência.
Bom, excluindo Deus da teoria, visto que um verdadeiro niilismo prescindiria uma recompensa além-túmulo, além de qualquer propósito em existirmos, temos:
_Sartre: arte e ética dando sentido à vida. Acho O Existencialismo É Um Humanismo, conferência que virou panfleto, um bom texto introdutório sobre o existencialismo. O problema é ficar só nisso, visto que ele é uma tentativa de diluição de um pensamento bem esquematizado n'O Ser E O Nada (um dos livros mais discutidos e menos lidos) – e lá há um bom esquema de doação de sentido para a existência, negando qualquer niilismo. Já esse negócio do ser-para-a-morte ele pegou do Heidegger, que pegou do Schopenhauer, que pegou do hinduísmo. E eu discordo do niilismo pelo viés existencialista, que o Camus tanto criticou n'O Homem Revoltado. O niilismo do Nietzsche, por exemplo (O Eterno Retorno), destrói os valores vigentes para então construir os próprios.
_Camus: a vida é a vida em-si. Camus, em O Mito De Sísifo, diferencia com veemência "a opinião que se tem sobre a vida e o gesto que se faz para abandoná-la. Negar sentido à vida não significa, necessariamente, que vale a pena encerrá-la. Ele também faz uma bela síntese do niilismo nietzschiano em O Homem Revoltado. Camus critica tanto a fuga pela arte porque acha que o homem absurdo pode usar essas coisas com sintomas do absurdo, e não como sentido pra vida. No entanto ninguém discorda que a ética é resultado do convívio em sociedade, etc. O niilismo ideal e o Schopenhauer eu coloco no mesmo balaio inviável, como se buscassem um conforto na tristeza ("Ah, é assim mesmo!”). Portanto, nesse ponto, fico com o Sísifo camusiano: já que eu não consigo me matar, uma vez que meu instinto de preservação não permite (o que mostra sanidade), minha empatia pensa no sofrimento que isso causaria a quem gosta de mim, e como eu não fiz nada na vida até hoje além de viver, e não sei ser estar morto é melhor que estar vivo (viver toma todo meu tempo), vamos fazer isso da melhor forma possível. Em resumo, não acho que a vida é bela por causa da finitude, mas que ela PODE ser bela APESAR da finitude.
_Schopenhauer: o sofrimento é a medida da vida. No volume 3 d'O Mundo Como Vontade E Representação, a fuga do "pêndulo que oscila entre o tédio e a dor" é o ascetismo da contemplação desinteressada das coisas-mesmas, por meio da arte e da aceitação do sofrimento e da gratuidade. Sim, ele surgiu com a pretensão de ser um consolador para os males da própria existência, mas nem de longe é uma rasa auto-ajuda. O paço não fica nem um pouco menos pedregoso pela opção da renúncia e pela conduta estóica; nunca foi muito divertida uma mortificação sem promessas de compensação póstuma.
_Nietzsche: esse ascetismo é tomado por na Genealogia Da Moral, que propõe essa conduta para negar a moral cristã, moral de escravos, de valores tacanhos. O Bigode "tem um desejo de ser outro, de estar em outro lugar". No mesmo livro ele já diz que o niilismo é uma crise de valores, a grande doença de sua época, advinda de uma herança de animal domesticado, antes livre e naquele momento sujeito a regras, culpas e punições. Assim que sai perdendo nessa civilização falida tende a perder o interesse nela. Chegamos, então, a um ponto em que concordamos todos: a negação da vida exigida do asceta é sim uma forma de afirmação de um modo alternativo de vida, imposto em sua valoração. Já o além-do-homem, iniciado n'O Anticristo e delineado em Assim Falava Zaratustra, configura afirmar a vida sem a necessidade de qualquer negação, criando valores "além do bem e do mal". Era o eterno retorno... "e a vontade-mesma estava salva".
Um sujeito sem valores é um ser completo ou só um display de papelão? Se ele nega todos os valores e não coloca nada no lugar, o que o diferencia de um ser-em-si, de uma pedra falante?
Vamos organizar.
1. Pode existir um niilismo sem que nada seja colocado no lugar?
2. Se sim, esse nada não seria um crença também, um valor?
3. Se não, por que esse FDP não se mata logo e pára de encher o saco?
O niilismo ideal-impossível (sim, estou roubando meio-termo da semiótica) é inviável, pois a negação de tudo acaba tudificando (parodiando Sartre) o nada. E isso o véio vesgo já tinha dito, que existir já é estar engajado, não escolher já é uma escolha. Portanto eu, e acho que o autor também vê assim, vejo o niilismo apenas destrutivo como fraqueza mesmo. Melhor limpar a bagunça e construir algo legal depois que tiver botado tudo no chão. É por isso que os gregos ainda são os caras, desde as teogonias, e logo depois, os pré-socráticos. The same old haunts, the same old fears. Nossas angústias são as mesmas desde sempre, e jamais cessarão. Todas as filosofias, fantasmagorias, crendices, nada disso passa de bandeide metafísico. Acho que se houvesse niilismo mesmo, o "ideal", não saberíamos dele, visto que todos os adeptos cometeriam suicídio antes de escrever algo sobre. Portanto cala a boca Sísifo! Carrega a pedra.
Um comentário:
acho que o nilismo não existe, é só mais uma desculpa do homem para evitar pensar.
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