segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ouça-me bem, amor (II de II)

A fabulosa, incrível e magnânima lista dos discos internacionais lançados em 2014 que mais curti [não está em ordem de preferência].A Better Tomorrow (Wu-Tang Clan)
Deve ser o álbum de rap com som mais bonito que já ouvi. Nada desses bolos-fofos superproduzidos atualmente (aqui e lá fora), é sonzêra consistente, com banda & samples harmoniosamente, porém, também com bastante peso. Confesso que nunca tinha ouvido um disco deles antes, apenas música soltas. Não sei como este disquinho se enquadra na obra deles, se é relevante, se é coerente, mas sei que gostei muito e ouvi-lo, por isso está aqui.
Ouça: Ruckus In B Minor




Atlas (Real Estate)
Beach Boys, Simon & Garfunkel, The Byrds... se folk rock ensolarado e melódico, com guitarras de doze cordas e vocais angelicais, com leve glacê psicodélico, é sua praia, o terceiro disco desde trio entre New Jersey e Brooklin vai te agradar em cheio. Maduro, classudo e sem pressa. Combina com verão, cerveja draft, rede no quintal e soneca depois do almoço.
Ouça: The Bend





Bailar Em La Cueva
(Jorge Drexler)
Mais estritamente latino do que seu trabalho habitual (que bebe tanto de Tropicália quanto de Radiohead), mas segue com a consistência e coerência de sempre, ainda que com um pop menos convencional (mesmo que letras e músicas estejam mais diretas e concisas). Pra ouvir sem medo. E sim, tem Caetano Veloso.
Ouça: Universos Paralelos



Carrion Skies (Fen)
Talvez o disco anterior, Dustwalker (2013), seja ainda melhor, mas o post-black metal destes ingleses segue antenado com o que rola de mais moderno no metal extremo, seja nas ambientações pesadas do Wolves In The Throne Room, seja nos vocais etéreos do Les Discrets, seja nas psicodelias progressivas do Enslaved atual. Tudo isso com personalidade própria. É um disco que te puxa para o mundo dele, que fica até difícil de escapar depois.
Ouça: The Dying Stars



Fimbulwinter (Satanic Warmaster)
De repente, estes finlandeses, famosos por fazerem discos subproduzidos, toscos mesmo (o que era uma pena, pois as melodias eram geralmente boas), surgem com este disco redondinho e bem feito. A boa produção só valoriza o peso das músicas, que despejam riffs em trêmolo (no desespero típico das bandas NSBM), que só dão descanso nas eventuais intervenções de teclado.
Ouça: When Thunders Hail






Home Alone (Totorro)
Não sei muito sobre estes rapazes franceses com cara de hipster, pois conheci a banda por acaso, fuçando no YouTube, mas foi uma das melhores surpresas musicais deste ano: este disco é viciante. Aparentemente os discos antigos têm mais das ambiências barulhentas do Mogwai dos primórdios, mas este aqui é um belo disco de pop rock instrumental, um Weezer instrumental tocado bem mais rápido.
Ouça: Home Alone




Lost In The Dream (The War On Drugs)

Sabe aqueles discos que parecem inesgotáveis? Este é um. Mesmo as baladinhas mais dylanescas são cheias de nuances, e a cada audição você vai vendo cores que não via antes (não à toa, levou dois anos pra ser feito). Agrada tanto a fãs de Bruce Springsteen quanto de Alcest. Tanto de pop oitentista e folk quando de ambient music dos 1970s ou post-rock. Ora reconfortante, ora melancólico, deve influenciar muita coisa daqui por diante.
Ouça: Lost In The Dream




Once More 'Round The Sun (Mastodon)

Cada vez mais acessível, mas sem perder a identidade. Quase nada resta do sludge-metal dos primórdios, mas o som continua pesado e incessante, numa mistura de prog metal com thrash metal tipicamente norte-americano. Não é o melhor trabalho deles (ainda prefiro Crack The Skye, de 2009, e The Hunter, 2011), mas é o que desce mais redondo, e é ótimo que uma banda tão boa alcance o mainstream, que anda num marasmo só.
Ouça: Ember City



Shelter
(Alcest)


Foram-se o black metal, depois o metal, depois o folk. Hoje o Alcest está quase deixando o rock de lado também: seu shoegazing está mirando o dream pop. Confesso que sinto falta de um pouco de peso, mas ficaria satisfeito se o prolífico inglês Neige lançasse mais coisas de seu outro projeto, Les Discrets, que mantém a pegada antiga. Mas este disco cheio de leveza é um bom companheiro de horas solitárias.
Ouça: Opale




The World We Left Behind (Nachtmystium)

 Taí uma banda que tá sempre um passo à frente: seu black metal tipicamente norte-americano (USBM, grande cena, aliás) vem sendo recheado de psicodelia, eletrônico e jazz nos últimos discos, como os japoneses do Sigh, só de modo mais coeso e menos esquizofrênico. Neste disco, o destaque fica para o tom bem pop de algumas músicas, o que deixa o trabalho acessível, mas odioso como sempre.
Ouça: Fireheart

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Ouça-me bem, amor (I de II)

A fabulosa, incrível e magnânima lista dos discos nacionais lançados em 2014 que mais curti [não está em ordem de preferência].

Amigo Da Arte (Alceu Valença)
Não é o ponto mais inovador na carreira de quem sempre inovou muito o tempo todo – é mais uma mergulho nas tradições sertanejas pernambucanas, numa espécie de revisitada na carreira toda, mas como é bonito e ensolarado esse álbum!, por isso merece estar aqui. Frevos, maracatu, embolada, ponto africano, canto de lavadeira, baladinha rural, forró, afoxé, tudo com glacê pop-rock_mpb, que, mais que pasteurizar, atualiza a coisa toda. Justíssimo para esse gigantesco artista que é tudo isso e mais, com mais colhão que qualquer roqueirinho do Baixo Augusta. É um Carnaval-São João sem fim, ouça com sorriso no rosto.
Ouça: Ciranda Da Aliança


Aliança Hostil (Tonto)
Tá certo que não entendi porque os goianos do Violins fizeram um projeto paralelo sem guitarras, já que alguns teclados emulam distorções das seis cordas, mas se tem as canções e a voz do sempre imprescindível Beto Cupertino, já via pra qualquer disco de melhores. Beleza e suave melancolia (com os teclados ecoando um pouco de Keane) num trabalho bastante maduro, na linha mais serena, digamos assim, que a banda-mãe vinha adotando desde Direito De Ser Nada (2001). “Até beleza, se é sem graça, perde valor”.
Ouça: Comício [com participação da conterrânea Bruna Mendez]


Christ Worldwide Corporation (Amen Corner)

Desde o clássico Jachol Ve Tehila, há quase 20 anos, que estes curitibanos infernais não lançavam um disco tão bom: um EP e dois full-lengths, cada um com uma formação (sempre capitaneada pelo heroico vocalista Paulista) e um estilo diferentes, e nenhum digno dos anteriores. Neste retorno à boa forma, a banda volta a privilegiar o peso em relação à velocidade (nada de trêmolos ou blastbeats), numa tradicional pegada muito mais para Mystifier do que para Mayhem – e, portanto, na melhor tradição do black com toques de death brasileiro 1980s-1990s – com destaque para o sempre excelente trabalho de guitarras, entre o afrontador e o melancólico, que lembram grandes momentos de Jachol... como Black Thorn e My Soul Burns In Hell. E os vocais cheios de ódio, maldade e ressentimento do incansável Paulista, vociferando letras simples e eficazes, completam perfeitamente o festim blasfemo.
Ouça: Mutilated Children Stolen Souls


De Lá Não Ando Só (Transmissor)
Num universo de pop rock suave (às vezes até demais) e melódico em que transitam Ludov (na eletrônica discreta), Pullovers (na limpeza dos timbres) e até Maria Bacana (na voz frágil), o sexteto belo-horizontino, que conheci no (fraco) tributo a Belchior Ainda Somos Os Mesmos, do início do ano (a versão deles para Fotografia 3 x 4 era a única que prestava), vem com esse terceiro disco adicionando mais ecos de Clube da Esquina (e até Guilherme Arantes) à mistura, nas sonoridades etéreas e letras simples. Não vai mudar a vida de ninguém, mas é um bom alívio musical para tardes nubladas.
Ouça: De Lá Não Ando Só


Masao [EP] (Labirinto)
Donos incontestáveis do melhor show brasileiro da atualidade, o magnificent seven paulistano despeja as vastíssimas paisagens desoladas de seu post-drone-doom instrumental, que em questão de instantes pode remeter tanto ao Pink Floyd do Meddle quanto ao Anathema do Pentecost III, neste EP composto de uma única faixa, de 25min, homenageando Masao Yoshida (1955–2013), gerente da usina nuclear de Fukushima, que permaneceu, com sua equipe,  em seu posto de trabalho após o infame acidente em 2001, para tentar conter o desastre. Masao acabou morrendo em 2013, vítima de câncer no esôfago.
Ouça: Masao [versão editada]


Melancolia & Carnaval (Rogério Skylab)
Apesar de haver dito que esse personagem havia se encerrado com o final do decálogo (Skylab I a Skylab X), o inquieto carioca Rogerio Tolomei Teixeira surpreende ao liberar para download mais uma obra sob esse pseudônimo – e pasmem!, um disco de sambas, boleros e baladas jazzísticas, num clima de piano bar cinquentista. A escatologia, a meditação sobre a morte, a decadência humana e a impermanência estão lá, como sempre, mas com a melancolia algo outonal do disco anterior, o ...X. Na verdade, há pouco da visceralidade habitual: no geral as músicas são mais belas e sérias, no sentido estrito. Na maior surpresa do ano, Skylab “vive tranquilamente todas as horas do fim”.
Ouça: Cogito


Miragem (Ludov)
Com o excelentíssimo EP Dois A Rodar (até hoje a obra-prima deles) e o primeiro álbum O Exercício Das Pequenas Coisas tocando na Brasil 2000 e na MTV, com os shows crescendo e lotando, parecia que a banda ia estourar e se tornar grande pelo menos em São Paulo. Sabe-se lá por que, não aconteceu. A banda encolheu pra sobreviver, se fechou num lugar distante do power pop do início, e seguiu caminho no semiprofissionalismo, lançando discos cada vez mais introspectivos e melancólicos, num amadurecimento ante à (provável) frustração: “Essa aventura de partidas e nunca de chegadas | Fiz um mapa pra seguir e me perdi nas coordenadas”.
Ouça: Cidade Natal

Não Existem Civis/A Era Das Chacinas [single] (Eduardo)
Sim, é só um single – o disco duplo A Fantástica Fábrica De Cadáver, disco duplo (!) de estreia do A ex- e eterna voz do Facção Central, Eduardo Taddeo, tinha previsão de estreia para hoje –, mas, em época de disco decepcionante dos Racionais MCs, e da contaminação da cena por tanto rap bunda-mole feito pra tocar de BGzinho no ‘Esquenta’, da Regina Casé, é um alívio reencontrar com bases pesadas e versos que chutam bundas, inclusive dessa baboseira de ‘ostentação’. “Só abaixo minha minhas armas e deixo o combate | Com 90% das vagas das faculdades | Enquanto a representatividade for no índice de finados | Muito Eike vai ter pesadelo com o Eduardo”. Desde já, essencial.
Ouça: Não Existem Civis

Outro Seu (Gram)
Até agora não ranqueei nenhum dos discos, mas este é o grande lançamento do ano. Não é o mesmo Gram: com a saída de Sérgio Filho, foram embora as tonalidades Beatles das baladas de piano. É o mesmo Gram: estão lá as letras doloridas e as guitarras trampadas de Marcos Loschiavo, e agora com a voz visceral de Ferraz. É pesado sem ser caricato. É sensível sem carecer de testosterona. É moderno sem ser hipster. É atemporal sem ser pastiche. Da melancolia agridoce de Condição à catarse de Toda Dor Do Mundo, a melhor música nacional do ano. Bem feito, bem tocado, bem produzido. Vida longuíssima ao novo e eterno Gram.
Ouça: Toda Dor Do Mundo


Rasura (ruído/mm)
Aos quarenta e cinco do segundo, pesquisando sobre algo de que eu não tivesse lembrado, descobri essa joia do post-rock. É o quarto disco desses curitibanos do ruído por milímetro (é assim que se fala), e é simplesmente o melhor disco instrumental brasileiro que ouvi neste ano. Psicodélico na medida certa, fica transitando entre Explosions In The Sky e Pink Floyd, passando por coisas mais esparsas como Jesu (ótimo lugar para se estar, aliás). Pra ouvir durante o tabalho e ficar calminho.
Ouça: Penhascos, Desfiladeiros E Outros Sonhos De Fuga


[Logo mais tem a lista dos discos internacionais, fiquem ligadinhos.]