Herbert Vianna sempre foi o cara do rock nacional com quem todo mundo sempre pôde se identificar: não era um showman como Bruno Gouveia, não era articulado como Renato Russo, nem bonito como Paulo Ricardo, nem estiloso como Humberto Gessinger, nem sarcástico como Roger Moreira. Era feioso, careca, míope e cantava mal à beça. Paraibano que foi pra Brasília e depois pro Rio de Janeiro, bebum, exagerado nos sentimentos, nem sempre simpático com fãs, imprensas ou colegas de profissão e exímio guitarrista (à custa de muito treino).
Tornou-se frontman da melhor banda brasileira, quiçá da América Latina, de todos os tempos, reconhecida internacionalmente por uma fusão irresistível de rock setentista e ritmos latinos, com o auxílio luxuoso da cozinha cinco-estrelas de Bi Ribeiro e João Barone, além dos já paralâmicos Eduardo Lyra e João Fera, respectivamente na percussão e nos teclados.
Pudemos sempre saber seu estado de espírito: das maluquices juvenis da faculdade de Agronomia em Cinema Mudo, à fossa d’O Passo Do Lui e do período ensolaradamente adulto de Selvagem?, sempre dava pra saber que tudo aquilo era sincero, mas sem a reclusão torturada d’um Renato Russo: a banda sempre fazia shows, as músicas eram sempre um caldeirão de ritmos e as letras não deixavam dúvidas sobre os temas, fossem alegres ou fundo-de-poço.
E foi assim que pudemos acompanhar sua dor-de-cotovelo mais célebre, por causa da Paula Toller, que durou três discos, começando no torturado, confuso e autoproduzido Bora-Bora, passou pelo Big-Bang, auge da fusão de estilos, e terminou no morno (sereno?) Os Grãos.
No Bora-Bora, exceto pelas duas instrumentais (Bundalelê – nome profético – e The Can) e pela versão de Um A Um, de Edgar Ferreira, TODAS aludem ao ocorrido, inclusive citando experiências com cocaína (Don’t Give Me That) e heroína (Uns Dias).
“Descobri mil maneiras de dizer o teu nome com amor, ódio, urgência, ou como se não fosse nada.” (O Beco)
“Te imagino com outro cara numa praia em Bora-Bora agora; me imagino embriagado, jogado no chão d’uma espelunca – nunca.” (Bora-Bora)
“Quem dera eu transformasse solidão em Carnaval.” (Sanfona)
“Será que um dia eu ainda vou ter que me atirar – de uma ponte, aos teus pés, numa curva – ou tanto faz?” (Fingido)
“It makes you walk naked in the pouring rain; and let’s you go crazy to the cross of the trains.” (Don’t Give Me That)
“Às vezes te odeio por quase um Segundo, depois te amo mais.” (Quase Um Segundo)
“Existe uma coisa que me dói perder, existe uma coisa que eu custei a ganhar.” (Dois Elefantes)
“Eu podia ajoelhar, te chamar com toda força; não ia te acordar, não ia ter ninguém, mas eu posso te esperar.” (Três)
“E me deixa tão só, e tá tudo tão quieto.” (Impressão)
“Eu sempre pergunto, você nunca me diz se é assim o amor, sempre por um triz.” (O Fundo Do Coração)
No Big-Bang temos algumas, com as feridas ainda cicatrizando.
“Se você me quer eu te quero, senão eu não me desespero; afinal eu respiro por meus próprios meios; afinal eu vivo enquanto espero.” (Se Você me Quer)
“Outro dia eu apareço; enquanto isso vamos nos entender.” (Esqueça O Que Te Disseram Sobre O Amor)
“Não importa se o que ficou machucou, doeu, nem a porta que se fechou: eu sei que lá, em algum lugar, ficou uma luz acesa no escuro desse amor que se apagou.” (Lá Em Algum Lugar)
N’Os Grãos temos o assunto tratado de forma mais madura e menos rasgada (o próprio Herbert disse que saiu da órbita mesmo, perdeu a cabeça, e levou anos pra poder tratar o assunto de forma racional).
“Eu só queria te dizer que aquela dor já passou.” (Sábado)
“Eu hoje joguei tanta coisa fora... eu vi o meu passado passar por mim: cartas e fotografias, gente que foi embora – a casa fica bem melhor assim.” (Tendo A Lua)
“A vida que eu não tinha ainda agora começou: um outro sonho tanto quanto os que já vivi.” (Os Grãos)
“Você sabe o que eu já fiz e do que eu fui capaz; mas fica tudo entre nós.” (A Outra Rota)
“Passou e eu entendi – como assim? – não vai voltar o tempo, os dias em que tudo ainda estava no lugar; abra os braços, abrace o que sobrar.” (Dai-Nos)
“A dor que vai e vem são remotas sensações longínquas, agora eu lembro bem.” (Trinta Anos)
E foi assim que também acompanhamos seu vexame público d’um bundalelê ébrio numa jam session (musicado em Tribunal De Bar) com os amigos, a maturidade artística (não correspondida pelo mercado), a volta aos hits, a volta às origens, sua agonia pública de perder a esposa e parte do cérebro em um acidente com seu ultraleve (nunca esqueço ele voltando à consciência no hospital, tocando Óculos no violão de náilon, e depois perguntando por que “Deus havia colocado aquela dor tão grande na sua vida”), retornando numa mítica turnê do Longo Caminho (feito antes e lançado após a fatalidade), num clima de celebração e cumplicidade no palco e no público, com lados-B como Selvagem, A Dama E O Vagabundo, Pólvora e Mensagem De Amor (tudo que os “fãs da cadeira de rodas” não queriam).
E mesmo que os shows tenham se tornado um tanto enfadonhos, e o disco Hoje seja o mais morno da carreira da banda, Os Paralamas Do Sucesso são eternos, pela carreira impecável em todos os sentidos. Valeu Barone, Bi e, principalmente, valeu Herbert.
3 comentários:
"E provei tantas frutas, que te deixariam tontas". O pé na bunda hard que eu tomei, boa parte da fossa foi mais ou menos assim...
Primeiro show que eu vi da turnê Longo Caminho, já caíram lágrimas antes do show começar.
Se existe céu ou inferno, imagino o Renato Russo lá onde estiver falando "fica aí mais um pouco, deixa pra fazer cia mais tarde!".
Paralamas é a melhor banda sim, e a cozinha é sem comentários, Bi e João deviam ganhar esses prêmios de instrumentistas todo o ano. pHodda!!! Concordo com o post 100%!!
Abrazzo!!!
Será que o Bresser precisa de dor de corno pra fazermos letras de sucesso? Vc se habilita? rs
Parabéns pela ótima análise :) Paralamas são uma das minhas bandas nacionais favoritas (já foi a favorita, hoje divide esse cargo), esses discos são muito bons.
Postar um comentário