sexta-feira, 1 de março de 2013

E o principal fica fora do resumo.

Tudo errado na Bridgestone Libertadores (adoro esses nomes constrangedores de torneios com patrocínio): estádio acanhado, daqueles que seriam recusados no Paulistão Chevrolet, sem segurança nenhuma. Os clubes precisam, além de jogar na altitude, encarar viagens ridículas a cidades sem estrutura – no caso, avião até La Paz, depois avião até Cochabamba e então avião até Oruro.

Semana que vem o Corinthians fará a maior viagem da história da Libertadores, até Tijuana, divisa com os EUA, pra jogar contra um time que sequer pode ir ao Mundial caso vença o torneio, o que deve fazer com que jogue eventualmente com times mistos, como de praxe com os times mais preocupados com o Mexicanão.

Cássio foi atingido por pilhas e bolinhas de gude, tudo dentro da normalidade. Havia fogos de artifícios de todas as modalidades na torcida do San José, incluindo um mosaico em chamas no alambrado, que parecia uma grade de separar galinheiro. Ninguém era revistado na entrada, credenciais de jornalistas sequer eram conferidas.

Apesar de tudo, o clima era pacífico entre as torcidas, tanto que sequer havia divisão entre elas. Aí um imbecil desavisado – e tanto faz se ele é o menor daqui os um dos que estão presos lá – acidentalmente dispara, quase perpendicularmente ao solo, quase atingindo os próprios companheiros, um sinalizador marítimo que muito provavelmente sequer sabia usar, tendo comprado pensando que era daqueles sinalizadores que queimam na mão em vez de disparar. Malfadadamente o míssil percorre o estádio e atinge o pequeno Kevin bem no olho, atravessando seu crânio. Morte imediata.

Aí começa a merda: a torcida, revoltada, começa a atirar tudo que tinha em mãos contra os jogadores do Corinthians que se aqueciam, enquanto gritava “asesinos”. Revolta até compreensível, porém isso devia ser punido, não? Se o infeliz que atirou o sinalizados e a torcida corinthiana não podem ser responsabilizada por dolo (embora a “justiça” boliviana queira arrancar o couro dos torcedores presos a fim de dar satisfação à sociedade deles e tirar o foco das próprias responsabilidades).

Tudo isso ocorreu durante o primeiro tempo. No intervalo, todos, incluindo quem acompanhava a transmissão pela TV, já sabia que havia um cadáver no estádio. E o que fez a Conmebol, tão ciosa & respeitosa? Deixou a partida correr.

A mesma entidade finge mostrar serviço, que finge mostrar respeito, punindo o Corinthians e sua torcida sem julgamento, sem defesa, sem investigação (afinal, tudo isso dá trabalho, né, e teriam que admitir as próprias responsabilidades no caso), ordena que o Alvinegro jogue durante seis meses (!) sem torcida em jogos sul-americanos.

Só me digam o que o Corinthians podia ter feito para impedir a tragédia, aí eu me convenço de que a punição vai servir de alguma coisa para além de uma fútil demonstração demagógica de força da confederação, satisfação aos idiotas da sociedade do continente e lavagem das próprias mãos sujas há uns cinquenta anos.

“Ah, o Corinthians financiou a torcida que foi até lá”. Olha, ainda que isso seja verdade, e provavelmente é (isso é um mal inerente ao futebol mundial), não é ilegal, e pior!, essa questão de violência das torcidas, etc., é totalmente descabida no momento. Quem me conhece sabe que desprezo torcidas organizadas, todas elas, só que isso tá bem longe do foco da questão.

Não foi um caso de violência dos corinthianos que foram até lá, não houve confronto com os locais, nem briga, nem nada. Foi um acidente! Só isso. Um terrível acidente. Perde-se um tempo imenso discutindo algo que nada tem a ver com o assunto. Foi um ato individual e inadvertido, que se puna o responsável por homicídio culposo e fim de papo.

Já que a partida seguiu seu curso, horrivelmente, que ao menos a rodada seguinte fosse cancelada, mas nem isso. Vamos punir o Corinthians. Ao San José, que foi negligente com a segurança, nada. Polícia boliviana, que não revistou ninguém, e Conmebol, que deixa a precariedade e a violência correrem solta em todos os seus campeonatos, nada também.

E aqui no Brasil, imprensa, torcedores rivais, até alguns corinthianos, e gente que nada tem a ver com futebol, mas adora posar de esclarecido nesses momentos, acha tudo lindo, tudo correto. O clube tem prejuízo, os torcedores têm prejuízo, e pronto, o justiçamento está feito.

Para blogueiros rivais, o Corinthians sequer tinha direito de contestar qualquer coisa, não devia haver defesa, era simplesmente aceitar qualquer punição. E vocês não viram ninguém defender punição para o San José, tampouco se manifestar quanto à briga generalizada entre as torcidas do Peñarol e do Vélez (cuja delegação foi recebida à pedradas no Estádio Centenário, como de praxe) esta semana.

O que se viu foi a falsa indignação de quem só quer mesmo subir na caixa de maçã – que, neste caso, é tristemente o cadáver do Kevin – e discursar com o peito estufado e ar superior e ver, de camarote (de caixote) o Corinthians se foder. O Alvinegro, mais uma vez, não tem direito de cobrar isonomia.

Na internet, seres coprófagos e abissais se deleitavam em textos inacreditáveis como este e este. De repente, a incompetente Conmebol tinha ferrenhos defensores propagando que aquelas medidas pastel-de-vento iam resolver os problemas da competição.

Na televisão, gente que provavelmente nunca sentou a bunda numa arquibancada, como Noriega e Caio Ribeiro, lamentavam “não poder levar os filhos ao estádio”. Amigos, desde o final da década retrasada, pelo menos, que é superseguro frequentá-los.

Demorou muito: o menino Rodrigo de Gasperi foi assassinado – aí sim, num ato horrível e deliberado da Torcida Independente, a pior entre os piores –, na final da Copinha de 1992, e eu estava lá, naquela tristíssima tarde na Rua Comendador Souza, e era um garoto feito ele, e podia ter morrido também, e só em meados de 1998 voltou a ser seguro frequentar estádios, após uma década de emboscadas, brigas generalizadas (como a final da Copinha de 1995, entre São Paulo e Palmeiras), tiroteios como os que cansei de ver (e fugir deles) nos arredores do Morumbi, e um ambiente absolutamente hostil, sobretudo para as mulheres.

Ainda que eu jamais tenha participado de qualquer confusão em 24 anos de estádio, naquela época sempre havia aquela sensação de ir sem saber se voltava, tanto que deixei de ir aos jogos entre 1993 e 1997.

Assim como a morte do Rodrigo, sozinha, não mudou nada, coisa alguma será modificada no espetáculo mambembe que são os torneios da Conmebol. Nada. O Tigre, aquele time que arranjou briga com os seguranças do São Paulo e abandonou a final da Copa Sul-Americana, está na Libertadores deste ano, como se nada tivesse acontecido. Tomou apenas uma multa (o SPFC, ao que parece, levou multa e perda de um mísero mando de campo, sendo que havia seguranças seus armados no local).

A coisa toda serviu apenas para jornalistas abjetos, palpiteiros de internet e, nos estertores, advogados e juízes babacas se acharem melhores quer os outros e proporcionar aquela coisa deprimente que foi aqueles quatro sujeitos no Pacaembu vazio.

E ontem, quinta-feira, ainda por cima, um imbecil do RS entrou com liminar suspendendo o pagamento da Caixa ao Corinthians. Mas esse negócio de “anti” nem existe, né, é coisa da gente, que se acha especial. Ah, mas claro que não tem nada de pessoal contra o Corinthians nisso. Fomos acusados que tudo quanto foi coisa nos últimos dias. Assassinos, cúmplices, insensíveis. Queriam que eu me sentisse culpado pela morte.

Aqui vou ceder ao tal do clubismo (claro que sou clubista, estamos falando do meu clube) e dizer: tentem ganhar do Alvinegro, atual campeão do continente e do mundo, no campo, porque fora dele está muito, muito feio isso que vocês estão fazendo.