Assim começava uma espécie de editorial de José Silvério, que “invadia” o espaço do programa Na Geral, naquela quinta-feira após o título da Copa do Brasil de 2009, que Corinthians conquistara sobre o Inter-RS, ganhando na bola e no pau, sem tomar conhecimento do adversário.
Em seu depoimento, o Pai do Gol fazia um mea culpa, em nome da imprensa esportiva, sobre essa necessidade de inventar “o melhor elenco do país” a cada ano. Ele citava caso do próprio Internacional: fizera mais de 100 gols no Gauchão daquele ano, mas contra quem? Uma coisa é pegar os coitados do Brasil de Pelotas, que havia perdido jogadores importantes num acidente de trânsito, e enfiar 8 a 0. Outra é pegar o SCCP, que vinha invicto no muito mais difícil Paulistão (aquele Corinthians com certeza era o melhor time do país). Deu no que deu: aos 20min do primeiro tempo da segunda partida a fatura já estava liquidada.
E assim, faz quase dez anos que Inter e Cruzeiro já começam favoritos qualquer campeonato, mesmo com vexames como tomar coco do Mazembe e do lixão do Peñarol (em casa, de virada), ou perder uma Libertadores, também de virada e também em casa, para o fraco Estudiantes.
Com o Santos foi a mesma coisa: ganhou o Paulista mais chato de todos os tempos, em que 20 equipes se arrastaram por cinco meses, para então se classificarem oito, depois quatro, e aí a tediosa final com um Corinthians desanimado pós-Tolima, sem confiança, e ainda em restruturação. Mesmo assim, o gol do Neymar só saiu com um frangaço de Júlio Cesar.
Depois veio a Libertadores mais fácil desde 1981 (aquela em que argentinos e uruguaios caíram fora na primeira fase e o Atlético-MG foi operado pelo “flapito”, culminando com Flamengo jogando mata-matas contra Jorge Wilstermann, Deportivo Táchira e Cobreloa). Tem culpa o Santos? Nenhuma. Enfrentou quem veio e venceu. Só que, após quase nem passar da primeira fase, o muricybol apresentado contra adversários fracos, incluindo mexicanos de má vontade, deu a falsa impressão de “melhor time da América”.
Desde então o time entrou numa redoma, respaldado pela mesma lambeção de saco midiática que alça qualquer pivete a ídolo da seleção, a mesma que os protege, passa a mão na cabeça, condescendente até nos maiores vexames canarinho. São popstars, comem todas, bebem todas, têm iates, vão a mil baladas, são garotos-propaganda. E o futebol vai ficando em segundo, terceiro plano.
O problema é que na Europa não é assim. Veja Messi: sua humildade é reforçada por ele não ser incensado como Neymar é aqui, por exemplo. É cobrado tanto no Barcelona quanto na Argentina. Talvez por questão cultural, talvez por haver tantos craques por lá.
O fato é que, enquanto o Barça continuou treinando, se aperfeiçoando, buscando reforços, jogando Espanhol, Copa do Rei e Champions League, o Santos deitou-se na fama e abiu mão do dificílimo Brasileirão, sob a desculpa de se preparar para o Mundial.
Claro que deixá-lo de lado durante as finais da Libertadores era essencial; mas houve o ano inteiro depois, senão para tentar o título, manter o time “ligado”. Disputar, durante mais de meio ano, contra times fortes como São Paulo, Corinthians, Vasco, Flamengo e Fluminense, mais do que deixar o time cansado, deixá-lo-ia preparado minimamente para a pedreira que viria; haveria tempo para testar jogadores e esquemas táticos. Mais do que isso: as dificuldades mostrariam que as facilidades do primeiro semestre eram enganosas, o Santos não era tão melhor que o resto (discuto até se é o melhor time do Brasil mesmo, mas enfim).
Ficou óbvio que Muricy não preparou ninguém para o que viria. Parece que sequer estudou o adversário. Houve cinco meses para preparar o time, e ele me vem com três zagueiros. Só. A grande mudança, após meio ano de suposta preparação, foram três fucking zagueiros. Já os jogadores parecem ter acreditado na imprensa esportiva daqui, que, salvo pouquíssimas exceções, coisa de dois ou três mais lúcidos, diziam que o melhor time do país e do continente tinha chances de vencer sim, de jogar de igual pra igual, e que Neymar ia mostrar ao mundo, no duelo com Messi, que era o melhor.
Veio o jogo e as expressões de pânico de Danilo, Dracena e Durval, o DDD, mostravam a realidade: os "Meninos da Vila”, que são é um bando de véios refugados e outras equipes, caíram no conto da mídia e acharam que Puyol era grosso, era só marcar o Messi e Piqué nem era tudo isso. Veio o massacre catalão e os caiçaras pareciam esperar que Neymar resolvesse sozinho. Borges ficou isolado, Arouca não foi visto durante o jogo e Ganso foi displicente, pensando mais no dinheiro que na bola.
Pano rápido. A mesma imprensa agora ressaltava que o Santos era “só um time” (ué, seria o quê?) e o Barcelona, coisa de outro mundo, desrespeitando todo o trabalho de base do clube e toda a insistência de Guardiola em montar aquele esquema de carrossel. A vitória ficou parecendo um acaso, pra quem via o jogo no Brasil. “Ah, não tinha o que fazer”. Emprego fácil esse o de comentarista esportivo, não requer a menor coerência.
O fato é que qualquer time de ponta do Brasil, o Corinthians, por exemplo, com mais poder de marcação E VONTADE DE VENCER teria dado mais jogo. Provavelmente também seria goleado, mas não ficaria assistindo ao jogo entre o terror e a reverência.
Fica a lição pro jornalismo esportivo: estudem, meus caros, pois quase todo o elenco do Barça é montado na base, não é só questão de grana, é seriedade, é trabalho. Parem de iludir o menino Neymar, que ontem viu o bem que fez em ficar no Brasil dando rolinho nos coitados do Santo André. E chega de ficar passando a mão na cabeça dos jogadores, como se fossem pré-adolescentes. Futebol é jogo de homem.
As desculpas foram deprimentes: Muricy, cheio de marra, disse que a derrota não tinha nenhum peso. Edu Dracena, “nós demos nosso melhor”. Porra, você fica cinco meses se preparando (em tese) pra tomar dois gols em 20min, sem nem tocar na bola, e tá tudo bem?
Neymar, que havia poucos meses falara que o Santos tinha “encantado a América” (não, você é que tinha, seu time foi uma retranca feia de doer, que esperava sua resolução mágica) teve o choque de realidade de quem aprendeu o que era encanto de verdade.
Sim, foi vexame. Não pelo placar, mas pela postura. Do time e da imprensa. Menos mal que a torcida, que eu saiba, não embarcou nesse oba-oba em nenhum momento. Que mude essa cultura de que atletas e técnicos vencedores são intocáveis e jamais erram, jamais podem ser cobrados. E viva o Barça, provável melhor time de todos os tempos.