Eis que tivemos O Grande Resgate Dos Beagles de 2013. E o modo como A Esquerda De Internet se manifestou quanto a isso foi deprimente, pra dizer o mínimo. Gente que se arvora esclarecida se derramando em preconceito, galhofa infantil e ingenuidade quanto aos rumos da ciência.
Veja bem, nada contra tirar sarro (eu mesmo fiz várias piadas), mas a coisa estava no nível de “é a favor dos animais e come churrasco”, ou de argumentos-emo como “se sua mãe estiver morrendo de câncer você vai querer dar remédio pra ela”, naquele clima de “é tão óbvio que sei tudo sobre o assunto e vocês, burros, estão errados, que vou inviabilizar o debate com minha opinião engraçadona”.
Você pode achar que o método usado foi errado; que não precisavam destruir o laboratório; que esses cachorros à solta, sabe-se lá com que coisas testadas no corpo, sejam perigosos pra saúde de alguém;
Bioética não é um assunto nada simples, e o uso de cobaias (humanas e animais) é discutido desde sempre. Não é ponto pacífico, como a maioria acha. Discute-se tanto pela questão da vida dos bichos (se temos ou não direito de dispor delas para isso) quanto pela própria utilidade de tais testes (ratos obesos, sedentários e pré-diabéticos, com genes selecionados, não seriam ideais para simular o uso nos humanos em geral).
Além disso, há questões como a minimização do sofrimento das cobaias, que espécies de animais usar, se o uso pela indústria farmacêutica é mais nobre que o uso por empresas de cosméticos, etc. Não é assunto que se esgota em um tuite engraçadão.
E os mesmos que gostam de black blocs quebrando bancos e viaturas acham um absurdo que o laboratório tenha sido danificado. Vem daquela ideia ingênua de que todos os cientistas são abnegados que passam o dia pesquisando a cura do câncer e da aids. Justamente numa época em que tanto se questiona o excesso de remédio que tomamos, das doenças que são inventadas na mídia para que sejam vendidas drogas para elas.
E da ideia igualmente tola de que ciência mais ‘hard’ não deva ser questionada por não-cientistas – basta um órgão oficial se manifestar corporativistamente que o assunto deve ser encerrado. É a noção torta de que a medicina/farmacêutica é uma maçonaria que decide hermeticamente os destinos de nós, consumidores. Sim, porque é isso que somos pra essa indústria (pra qualquer indústria, aliás): consumidores. Ou pior, de que ‘Ciência’ é uma entidade homogênea que visa desinteressadamente ao bem-estar da humanidade.
Por isso tudo, ninguém de fora pode se manifestar (nem pacifica, nem mais ‘energicamente’). Devemos esperar pacientemente que as empresas e os laboratórios substituam as cobaias animais por alternativas que já existem, porém são bem mais caras (pra não falar da comodidade de manter os mesmos procedimentos de sempre), ou mesmo procurar alternativas que ainda não existam.
Se hoje usamos animais em vez de pessoas (e olha que estas ainda eram usadas primariamente até bem pouco tempo) é porque houve protestos, é porque houve pressão, é porque alguma parcela da sociedade de mobilizou. E não foi de uma hora pra outra. Ninguém sequer esperou que algum mínimo tempo passasse para que a ação fosse vorazmente condenada: o Tribunal Da Internet não perde tempo. Imediatamente aquelas pesquisas tinham valor inestimável (aliás, até agora não sei o que pesquisavam lá), as investigações que corriam preguiçosamente havia mais de ano foram atrapalhadas, e as articulações dos sempre bem-intencionados cientistas para que haja outros métodos de testar produtos sofrerão retrocesso por causa disso.
Independentemente de a ação ter sido certa ou errada, feita do melhor ou do pior jeito, é ótimo para que esse debate seja posto na mesa às claras. Porque pra grandíssima parte da Esquerda Da Internet, o ativismo pelos direitos dos animais é uma luta menor, vindo atrás até mesmo da legalização da maconha ou do policiamento nas faculdades públicas (pra ficar em dois temas interessantes a grupos bem restritos). A esquerda adora adotar o pacote comportamental do manifestante, que inclui todos apoiarem sempre as mesmas causas, mas os animais ficam de fora dessa.
Sim, porque somos nós aqui na internet que decidimos qual luta é valida e qual não é. Normalmente o meu é ativismo, o deles é vandalismo. As mesmas pessoas que disseram que só a comunidade científica pode opinar sobre isso fazem chacota e dizem bobagens sobre o ativismo pelos animais, que eles desconhecem.
Se hoje não se pode prescindir desses testes, até porque é o protocolo mundial para a liberação desses medicamentos no mercado, é justamente a pressão dos ativistas e da sociedade que pode mudar isso. Não pense que as empresas vão adotar métodos mais dispendiosos (que não usem animais) por vontade própria.
E ainda que coelhos também tenham sido salvos, e parece que tentaram levar ratos, mas a polícia teria chegado e impedido, é meio óbvio que o ser humano tem mais empatia com cachorro, gato e outros animais que cultuamos há mais de mil anos, que interagem cotidianamente conosco, do que com insetos e roedores, por exemplo. Isso é algo tão óbvio que as pessoas deviam ter vergonha de questionar como se fosse um grande ‘apanhei-te cavaquinho’.
Ah, e em resposta ao senso comum de que estamos 100% seguros com esses testes em animais (e até com os testes posteriores em humanos), a talidomida (só pra ficar num exemplo) manda lembranças.
Veja bem, nada contra tirar sarro (eu mesmo fiz várias piadas), mas a coisa estava no nível de “é a favor dos animais e come churrasco”, ou de argumentos-emo como “se sua mãe estiver morrendo de câncer você vai querer dar remédio pra ela”, naquele clima de “é tão óbvio que sei tudo sobre o assunto e vocês, burros, estão errados, que vou inviabilizar o debate com minha opinião engraçadona”.
Você pode achar que o método usado foi errado; que não precisavam destruir o laboratório; que esses cachorros à solta, sabe-se lá com que coisas testadas no corpo, sejam perigosos pra saúde de alguém;
Bioética não é um assunto nada simples, e o uso de cobaias (humanas e animais) é discutido desde sempre. Não é ponto pacífico, como a maioria acha. Discute-se tanto pela questão da vida dos bichos (se temos ou não direito de dispor delas para isso) quanto pela própria utilidade de tais testes (ratos obesos, sedentários e pré-diabéticos, com genes selecionados, não seriam ideais para simular o uso nos humanos em geral).
Além disso, há questões como a minimização do sofrimento das cobaias, que espécies de animais usar, se o uso pela indústria farmacêutica é mais nobre que o uso por empresas de cosméticos, etc. Não é assunto que se esgota em um tuite engraçadão.
E os mesmos que gostam de black blocs quebrando bancos e viaturas acham um absurdo que o laboratório tenha sido danificado. Vem daquela ideia ingênua de que todos os cientistas são abnegados que passam o dia pesquisando a cura do câncer e da aids. Justamente numa época em que tanto se questiona o excesso de remédio que tomamos, das doenças que são inventadas na mídia para que sejam vendidas drogas para elas.
E da ideia igualmente tola de que ciência mais ‘hard’ não deva ser questionada por não-cientistas – basta um órgão oficial se manifestar corporativistamente que o assunto deve ser encerrado. É a noção torta de que a medicina/farmacêutica é uma maçonaria que decide hermeticamente os destinos de nós, consumidores. Sim, porque é isso que somos pra essa indústria (pra qualquer indústria, aliás): consumidores. Ou pior, de que ‘Ciência’ é uma entidade homogênea que visa desinteressadamente ao bem-estar da humanidade.
Por isso tudo, ninguém de fora pode se manifestar (nem pacifica, nem mais ‘energicamente’). Devemos esperar pacientemente que as empresas e os laboratórios substituam as cobaias animais por alternativas que já existem, porém são bem mais caras (pra não falar da comodidade de manter os mesmos procedimentos de sempre), ou mesmo procurar alternativas que ainda não existam.
Se hoje usamos animais em vez de pessoas (e olha que estas ainda eram usadas primariamente até bem pouco tempo) é porque houve protestos, é porque houve pressão, é porque alguma parcela da sociedade de mobilizou. E não foi de uma hora pra outra. Ninguém sequer esperou que algum mínimo tempo passasse para que a ação fosse vorazmente condenada: o Tribunal Da Internet não perde tempo. Imediatamente aquelas pesquisas tinham valor inestimável (aliás, até agora não sei o que pesquisavam lá), as investigações que corriam preguiçosamente havia mais de ano foram atrapalhadas, e as articulações dos sempre bem-intencionados cientistas para que haja outros métodos de testar produtos sofrerão retrocesso por causa disso.
Independentemente de a ação ter sido certa ou errada, feita do melhor ou do pior jeito, é ótimo para que esse debate seja posto na mesa às claras. Porque pra grandíssima parte da Esquerda Da Internet, o ativismo pelos direitos dos animais é uma luta menor, vindo atrás até mesmo da legalização da maconha ou do policiamento nas faculdades públicas (pra ficar em dois temas interessantes a grupos bem restritos). A esquerda adora adotar o pacote comportamental do manifestante, que inclui todos apoiarem sempre as mesmas causas, mas os animais ficam de fora dessa.
Sim, porque somos nós aqui na internet que decidimos qual luta é valida e qual não é. Normalmente o meu é ativismo, o deles é vandalismo. As mesmas pessoas que disseram que só a comunidade científica pode opinar sobre isso fazem chacota e dizem bobagens sobre o ativismo pelos animais, que eles desconhecem.
Se hoje não se pode prescindir desses testes, até porque é o protocolo mundial para a liberação desses medicamentos no mercado, é justamente a pressão dos ativistas e da sociedade que pode mudar isso. Não pense que as empresas vão adotar métodos mais dispendiosos (que não usem animais) por vontade própria.
E ainda que coelhos também tenham sido salvos, e parece que tentaram levar ratos, mas a polícia teria chegado e impedido, é meio óbvio que o ser humano tem mais empatia com cachorro, gato e outros animais que cultuamos há mais de mil anos, que interagem cotidianamente conosco, do que com insetos e roedores, por exemplo. Isso é algo tão óbvio que as pessoas deviam ter vergonha de questionar como se fosse um grande ‘apanhei-te cavaquinho’.
Ah, e em resposta ao senso comum de que estamos 100% seguros com esses testes em animais (e até com os testes posteriores em humanos), a talidomida (só pra ficar num exemplo) manda lembranças.