quinta-feira, 15 de maio de 2014

As vozes oficiais dizem ‘quem sabe’, dizem ‘talvez’



"I don't want that holy water
It makes me burn
I don't want that holy water
I guess I'll never learn
I'd rather drink from the Devil's Well
And then I'll go to Hell.
"

(Mercyful Fate, Holy Water)


Pequeno tratado sobre como a imprensa paulista se comporta como assessoria de imprensa do PSDB, e mais do que nunca desde o ano passado.


– Polícia descobre ordem do PCC para matarem o Alckmin

Tem crise, tem eleição? Não importa se estamos em 2006, 2001 ou 2013: bóra requentar o plano do PCC para matar o Alckmin porque supostamente eles estariam endurecendo contra o crime.

Sim, o governo do PSDB, que está no poder desde 1995, sob o qual o PCC, fundado em 1993, basicamente surgiu, cresceu e engordou; o governo que inclusive fez acordo com o Marcola em 2006.

É absurdo porque o PCC não tem do que reclamar do Geraldo, é absurdo porque a história é requentada há 7 anos, é absurdo porque, se quisessem, o governador já estava na cova com o Covas havia tempos.

As investigações, se houve, nunca mais foram divulgadas, e Alckmin teve oportunidade de bradar que não se acovardaria diante dos meliantes, etc. e tal.

Alguém da imprensa contestou sobre a duração dessa fatwa? Houve investigação da mídia quanto ao teor esses relatórios da polícia? Não.


– Polícia descobre plano mirabolante para Marcola fugir da prisão

Em fevereiro deste ano, a polícia paulista apareceu com essa: desde 2013 o PCC estaria agitando uma fuga para o Sr. Camacho, com direito a dois helicópteros blindados camuflados e um avião.

Bom, em sendo verdade isso, não é preciso ser nenhum grande estrategista pra imaginar que o ideal seria esperar o plano ser executado, para pegar todos com a boca na botija, e encarcerá-los (ou passar chumbo geral, como é da predileção da PM paulista).

Não, o tal plano foi divulgado antes pela imprensa, Marcola foi transferido para um regime disciplinar mais rígido, e ninguém envolvido no tal plano foi preso, ouvido, nada.

Alguém da imprensa questionou a verossimilhança desse plano ou a revelação precoce da polícia? Não. A mídia, novamente passiva, comprou a versão oficial e se limitou a reproduzi-la. Especialistas em segurança, lá no rodapé de alguns textos, questionavam a plausibilidade desse plano espetacular, mas ficou nisso mesmo.

E Geraldinho posou de durão contra o crime, mais uma vez.


– Se existe superfaturamento nos trens e no metrô, o estado de São Paulo é vítima

Há um esquema de propina atuando pelo menos desde 1998 no sistema metroferroviário, lesando o erário em quase R$ 1 bilhão em inúmeras licitações fraudulentas, envolvendo negociatas entre empresas como Alstom e Siemens, funcionários da CPTM e do metrô, e, segundo documentos e depoimentos, gente graúda dos governos Covas, Serra e Alckmin.

A primeira providência do governador, abraçada imediatamente pela mídia, é chamar o caso simplesmente de cartel – porque aí o estado seria apenas vítima, coitadinho.

Propinoduto, tremsalão...? Nada disso, apelido é só contra os petralhas. Afinal, até o mensalão deles é ‘mineiro’ em vez de tucano.

E que se houvesse comprovação de alguma coisa, que os culpados fossem punidos, naquele blasé de que só subalternos das empresas de transporte sobre trilhos estariam envolvidos, café-pequeno.

Olha, se um esquema bilionário de propina atua há mais de 15 anos, no maior descaramento – três ou quatro empresas se revezam entre uma ganhar e subcontratar as outras –, sempre com preços acima do mercado, ou o Governo Estadual é muito ladrão, ou é muito incompetente, nem sei o que é mais grave.

Especialistas dizem que normalmente os carteis faturam por volta de 5% nesse tipo de esquema; porém, em São Paulo, houve sobrepreço de até 25% em algumas pseudolicitações.

Eu mesmo li na grande imprensa (Folha, Estado) sobre falcatruas da Alstom em 2005, depois novamente em 2008. Mas o Governo do Estado não sabia de nada, nadinha.

Isso tudo foi questionado pela imprensa? Adivinha.

Exceto pela IstoÉ, e uma matéria ou outra da Globo, o caso vem se arrastando na imprensa, com matérias sem destaque algum nos jornais (manchete, nem pensar), sem nunca chamar o bicho pelo nome: inventou-se a corrupção sem corruptos, só se fala das empresas, nunca dos políticos.

Mensalão (ou caixa 2, whatever)? Claro que o Lula sabia! Dirceu foi condenado por Barbosa porque “não tinha como não saber” do esquema, mesmo sem provas. Já Covas, Serra e Alckmin jamais foram ligados diretamente a nada, sequer se questionou o atual governador sobre isso.

Até o ridículo de Alckmin fazer uma lista de cartel com uma empresa só – a infame Siemens, que resolvera denunciar o esquema todo – foi noticiado muito discretamente. Idem para o envolvimento de gente graúda como Andrea Matarazzo, Robson Marinho ou Aloysio Nunes: é sempre lá no meio do jornal ou do site, sem alarde.

Também há o fato de que jamais esse rombo bilionário é ligado, direta ou indiretamente, ao estado patético, deplorável, em que o transporte sobre trilhos se encontra: a malha avança a pífios 2 km por ano (culpa do Governo Federal que não ajuda, segundo Geraldinho), linhas como a Amarela estão atrasadas há mais de 10 anos, os trens pifam o tempo todo, com falhas às vezes muito perigosas, mas a culpa é do usuário, que não tem horário de trabalho flexível, e ainda dá uma de vândalo e aciona um tal botão secreto (!) – até isso foi comprado pela imprensa. 

Mais uma vez, a mídia se comporta como uma Voz do Brasil estadual: apenas reproduz os discursos do Executivo.


– A falta d’água é culpa da seca, nada mais, e mesmo assim estamos preparados

Esta é a mãe de todas as cascatas (secas): não tendo como colocar a culpa no PT, nem no usuário, nem em outras empresas, simples!, Alckmin fala que a culpa é simplesmente de São Pedro. Desculpa, não choveu, não podemos fazer nada.

Bom, na verdade podiam. Tá certo que fez muito calor e quase não choveu, porém é obrigação do governo estar preparado para esse tipo de coisa, dispor de reservatórios, ainda mais porque desde 2001 (e depois foi dito em 2003, 2004 e 2009 de novo) que os estudos apontavam que o Sistema Cantareira ia se esgotar logo.

O que foi feito? Nada. A Sabesp estava provavelmente mais preocupada em distribuir os lucros anuais de R$ 500 milhões aos acionistas, ou em gastar R$ 3,6 bilhões (em 22 anos) na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, que, como se pode ver e cheirar, seguem mortinhos da silva (só a IstoÉ Dinheiro deu destaque a isso, aliás). Sem falar no recém-denunciado (pela Carta Capital) esquema de superfaturamento, coisa de mais de R$ 1 bilhão, em licitações da empresa.

Mesmo assim, era só ir à televisão uns três meses antes da desgraça completa e dizer para o pessoal economizar água para não ter racionamento. Em último caso, fazer o quê, racionamento mesmo. Mas claro que, em ano eleitoral, o negócio é se garantir até depois do pleito, é bumba-meu-boi e em 2015 em a gente vê.

Quando o nível do Cantareira chegou a menos de 15%, e não dava mais pra esconder o problema, a Sabesp começou a fazer racionamento (“rodízio”, em tucanês) extraoficial em diversos bairros da periferia, embora negasse (e continue negando).

Cantareira em 10%, e aí não é mais falta d’água, é “stress hídrico”. Alckmin inventa um plano esdrúxulo para tirar água do Rio de Janeiro (como se isso pudesse ser feito em curto prazo). A presidente da Sabesp anuncia multa (!) para quem gastar mais água – mas ela prefere chamar isso de “contingência tarifária”.

Chegamos a maio, Cantareira em menos de 8%. E as lorotas seguem. O volume morto agora é “reserva técnica” (sim, como algo que está lá para ser usado mesmo, e que já estava nos planos), e essa água é “perfeita, igual às outras” – embora especialistas digam que o processo para tratá-la é 40% mais caro, e que, mesmo assim, não elimina os metais pesados que devem estar lá no volume morto.

E esta semana, finalmente, a melhor: Estado, Folha, G1, R7, todo mundo reproduz material do DAEE dizendo que uma seca tão grande em época de chuvas só se repete a cada 3.378 anos (!). E, mais uma, não há qualquer contestação a isso.

O que se sabe é que a partir de hoje, 15 de maio, sairá das nossas torneiras e nossos chuveiros água aditivada com chumbo, cádmio, mercúrio e outras iguarias. Um brinde ao eleitor paulista e à sua imprensa, a melhor assessoria que um governo poderia ter.