O primeiro Herzog a gente nunca esquece. Não é segredo pra ninguém (que me conhece) que sou fã desse alemão maluco. Tirando que vi Fitzcarraldo quando era moleque (e revi recentemente e amei-o), então não conta, O Homem-Urso (Grizzly Man) foi minha primeira experiência adulta com o universo idiossincrático do diretor.
Eu preparei um monte de anotações sobre o que escrever aqui, com diversas análises do filme, em todos os seus meandros. Mas de repente me dei conta de que já há várias análises bastante competentes sobre ele na net, especialmente estas, do Cine Repórter e do UOL Cinema. Portanto achei melhor então falar apenas das minhas impressões, em vez de analisar a obra em sua totalidade.
Sinopse rápida: durante treze anos, o ativista californiano Timothy foi todos os verões à reserva de Katmai, no Alasca (sozinho ou com eventuais namoradas), conviver com os animais, especialmente os ursos-pardos (grizzly bears, daí o nome do filme). No último ano, ele e sua companheira foram devorados por um dos ursos.
Descobriu-se que Timothy Treadwell tinha quase 100 horas de vídeo digital, gravados por ele mesmo, durante os últimos cinco verões de “ativismo suicida” (ele tinha consciência do perigo que corria). O Discovery Channel conseguiu acesso ao material, decidiu fazer um documentário e convidou o único cineasta capaz de uma empreitada dessas: Werner Herzog.
O alemão, como tudo que realizou, abraçou o projeto com obsessão, loucura e paixão (para mais sobre o comportamento do cineasta, ver o post Scorsese e Herzog). E Timothy era o personagem no qual Herzog se especializou em encarnar: um pária entre o egocentrismo e a autopiedade, a determinação e a loucura, a civilização e a natureza.
O diretor insere eventuais comentários em off com suas opiniões, entrevista parentes, amigos, conhecidos (o piloto que o levava até a reserva e o buscava, funcionários da reserva dos ursos, etc.), mas o grande astro é mesmo Timothy.
Não é um filme sobre a natureza ou sobre os ursos-pardos, mas sim uma investigação (involuntária, da parte do protagonista-cobaia) sobre a condição humana e os limites da eterna tensão entre o coletivo e o individual (o primeiro sempre esmagando o segundo, já dizia Durkheim em O Suicídio) e levando as pessoas a perder o contato e a identificação com a realidade e a buscar “seu lugar” em outro lugar (no caso de Timothy, entre os ursos).
O problema é que o mundo natureba idealizado pelo ativista maluco é, na verdade, tão ou mais cruel (ainda que sem intencionalidade) do que o “civilizado”. Por isso ele não conseguiu a redenção (a não ser que você concorde com ele que é uma felicidade virar comida de urso): como fica latente na tomada final, o urso tem aparência bela, meiga, mas é indiferente, egoísta e, quando preciso, feroz e impiedoso. Nada pessoal, claro. Mas é reflexo da natureza e, por que não, da própria espécie humana.
O mais fascinante, contudo, é poder mergulhar na mente com tantas perguntas e nenhuma resposta de Timothy e assistir à materialização de pensamentos e devaneios tão íntimos, daqueles que normalmente não temos coragem de admitir nem a nós mesmos, e evitamos revelar, tentamos escrever num diário, mas logo os atiramos ao lixo num papel amassado.
É um tratado sobre a humanidade no que há de mais íntimo, despido de qualquer máscara, com tudo que há de grandioso e patético, sonhador e angustiado. Perturbador e obrigatório. Veja, reveja, pense em tudo, passe noites sem dormir. Você não será mais o mesmo, para o melhor ou para o pior.
2 comentários:
Você escreve de um jeito que é impossível não ter vontade de assistir!
Será que nas locadoras da roça aqui tem? :P
oh raposinha....
tem mais alguma coisa pra comentar sobre esse filme???
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