Fiz este texto em 2008, numa tarde apenas, de cabeça (só consultei datas, nomes completos e números, pra conferir) para um trabalho de faculdade da ex-namorada (aka "finada") que fiz como ghost writer. Dado o tempo que tive, até que gostei do resultado.
1961–1964
Primeiro de abril de 1964. Após três anos de grande instabilidade política e insatisfação entre os conservadores de diversos setores da sociedade (civis, Igreja, militares, jornalistas, etc.), os militares tomaram o poder com um golpe pouco planejado e sem qualquer resistência do governo vigente, para surpresa dos próprios golpistas. Começavam ali os Anos de Chumbo, o mais longo período ditatorial da história do Brasil.
Desde a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961 (com a qual esperava voltar mediante o apelo popular e plenos poderes), o país vivia um período de conturbação. Seu vice, João Goulart, alinhado com movimentos sindicais e simpatizante do socialismo, era rejeitado pelos setores mais reacionários do empresariado, da Igreja e das Forças Armadas. Em 13 de março, seu comício na Central do Brasil (RJ), diante de 350 mil pessoas, assinou o decreto da reforma agrária. Foi a gota d’água para os udenistas arquitetarem a tomada do poder.
Com suas promessas de reformas de base na estrutura agrária, bancária, tributária, política e urbana do país (que desagradavam a direita), a crise econômica pela qual o Brasil passava (a crise do modelo de industrialização que vinha sendo usado desde a década de 1930 causou inflação alta e pouco crescimento), a conspiração da União Democrática Nacional (UDN), liderada pelo jornalista Carlos Lacerda (pivô do ocaso getulista) e o descontentamento militar por seu apoio à insubordinação de sargentos e cabos à hierarquia, o golpe era questão de tempo.
Com os EUA de prontidão para ajudar na instauração de mais uma ditadura na América Latina e o despreparo do governo, a despeito dos avisos dos aliados (Jango confiava em um suposto “dispositivo militar”, que acionaria militares fiéis a ele ao primeiro sinal de golpe), e a classe média nas ruas, com a infame Marcha da Família com Deus pela Liberdade (mais de 200 mil pessoas em São Paulo), o governo ruiu. No início de abril, quando os militares, liderados pelo general e golpista profissional (participara de uma tentativa de golpe em 1938) Olímpio Mourão Filho, invadiram o Palácio do Catete, Jango já havia fugido para o Sul, de onde iria para o Uruguai.
1964–1968
Sob a desculpa de manter a democracia (acabando com ela?) contra o perigo comunista, os golpistas (que se intitulavam “revolucionários”) começaram uma desarticulação dos opositores. Só naquele abril de 1964 tiveram seus direitos políticos cassados 41 deputados federais, 29 líderes sindicais, 122 oficiais militares e personalidades como o antropólogo Darcy Ribeiro e o economista Celso Furtado. Tudo com base no Ato Institucional Número 1 (AI-1), assinado em 9 de abril pela Junta Militar que governou provisoriamente o país, e que também determinou, por eleições indiretas, a posse da presidência pelo general Humberto de Alencar Castello Branco. Nos meses seguintes foram registradas 203 denúncias de maus-tratos em mais de cinco mil detenções. Começavam as torturas nos porões.
No ano seguinte o presidente Castello Branco baixou o AI-2, determinando que os processos políticos fossem julgados pela Justiça Militar, extinguindo o pluripartidarismo: os partidos deveriam se enquadrar na Arena (Aliança Renovadora Nacional), da situação, ou no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. Porém era tudo uma farsa, visto que todas as cassações já mencionadas e os constantes fechamentos do Congresso tornavam o bipartidarismo mera formalidade.
Em 1967, após mais dois Atos Institucionais, o AI-3 e o AI-4, respectivamente decretando eleições indiretas também para governador e uma nova constituição, tomou posse o segundo presidente do regime, o general Arthur da Costa e Silva. O pior não só estava por vir como já havia chegado.
1968–1974
Ato institucional Número 5: um documento com apenas quatro páginas e 12 artigos que mergulhou o Brasil em sua pior época. Decretado pelo presidente (já marechal) Costa e Silva, foi um golpe mortal contra a oposição, que, até então, tinha esperança de que a ditadura fosse algo provisório (como afirmava Castello Branco). Vitória da linha dura das Forças Armadas, que pressionou o presidente para tomar medidas drásticas contra a esquerda. Com o AI-5, o governo podia cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos, proibir manifestações e suspender habeas corpus.
Assim, parte da esquerda viu no endurecimento da luta armada, com atentados, assaltos e seqüestros, a única forma de combater a ditadura. Mas o fato é que isso só piorava as coisas: quanto mais terrorismo, mais repressão, e vice-versa, num círculo vicioso de intolerância. E a situação da oposição se agravou mais com o afastamento, por problemas graves de saúde, de Costa e Silva: assumiu a presidência o linha-dura Emílio Garrastazu Médici, que eliminaria a luta armada com uma política de extermínio. Foram dizimados todos os grupos de resistência, notavelmente os de Lamarca, Marighela e a guerrilha do Araguaia.
Enquanto isso o Brasil vivia um ufanismo artificial com o sucesso da Seleção Brasileira na Copa de 1970 e o “milagre econômico”, com o crescimento econômico baseado em grandes obras feitas com grandes empréstimos (aberrações faraônicas como a Transamazônica) que cobrariam seu altíssimo preço na década seguinte. Enquanto a classe média comprava carro e televisão em cores, a oposição estudantil e sindical era torturada e morta no subterrâneo da sociedade.
1974–1979
Em 1974, quando o general Ernesto Geisel tomou posse, ao lado de seu braço-direito Golbery do Couto e Silva, sua situação parecia promissora. Não havia oposição, nem guerrilha, a economia crescia, só havia ditaduras de direita no continente. Mal sabia ele que seu mandato enfrentaria muitos problemas, a maioria causada pelo próprio regime militar.
Seu discurso de “lenta, gradativa e segura distensão” disfarçava a vontade de, unicamente, acabar com as tentativas de “golpes dentro do golpe” e disputas e poder naquela ditadura então já sem forma definida, na qual ele não reconhecia a “revolução” dos quais ele foi um dos mentores, recém-atacada pela crise do petróleo (quando a Organização dos Países Produtores de Petróleo, Opep, aumentou o preço do barril em 300%, como protesto ao apoio dos EUA a Israel na Guerra do Yom Kippur). O cuidado com as palavras da expressão revelava o desejo de manter a ordem das coisas, somente “largando o osso” quando fosse conveniente.
As indisposições de Geisel com militares da linha dura, seus desafetos de longa data (ainda que Geisel, nem de longe, fosse um progressista), a crise petrolífera (que desmanchou o “milagre econômico”) e as crescentes mortes nos porões (incluindo o jornalista Vladimir Herzog, caso mais notável), que contrariaram da Igreja ao governo Jimmy Carter, passando pela grande imprensa (que, num primeiro momento, fora favorável à ditadura) só confirmaram que a ditadura precisaria abrandar se quisesse sobreviver até a retirada segura (sem perigo de a Esquerda assumir).
Já em novembro de 1974 o MDB conseguiu quase 73% dos votos para senador e deputado, clara mostra de infelicidade dos eleitores com a crise econômica e com os abusos que finalmente vazavam à sociedade. A ditadura reagiu nos anos seguintes, criando leis como a dos governadores e senadores “biônicos” (indicados indiretamente) e a bizarra Lei Falcão (alusão ao criador, o ministro da Justiça Armando Falcão), que limitava a propaganda eleitoral unicamente a uma foto do candidato e um currículo narrado em off.
Em 1979, a inflação estava a mais de 100%; a dívida externa, a mais de US$ 50 bilhões. A linha dura continuava pressionando Geisel com torturas e atentados, para “mostrar quem mandava” e desestabilizar o processo de abertura. Esse foi o cenário no qual o general João Baptista Figueiredo assumiu o governo em 1979.
1979–1985
Figueiredo deu continuidade ao processo de abertura, com a Lei da Anistia (que também anistiava torturadores), a restauração do pluripartidarismo e as primeiras eleições diretas para governador desde 1965. A população ia às ruas pedindo liberdades democráticas; a grande imprensa, sem saída, se viu obrigada a tomar partido da campanha Diretas-Já. Eram as Forças Armadas voltando aos quartéis, não sem antes deixar, por eleições indiretas, o “coronel” José Sarney na vice-presidência, que, com a morte de Tancredo Neves, receberia de bandeja um país com inflação de três dígitos, ânsia por uma eleição e uma constituinte que só viriam dois anos depois, e, acima de tudo, esperança. Em qualquer coisa.
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