sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sine fide ambulabo umbra


[Texto do final de setembro de 2011, publicado num site sobre literatura que não existe mais.]



_Andei de ônibus e a pé a vida inteira.

_Por que quis?

_Nunca tive dinheiro pra comprar um carro.

_Nem meus pais tiveram.

_Bom, às vezes eu até tive, mas não conseguiria mantê-lo depois, com manutenções, impostos e combustíveis.

_E bicicleta?

_Nunca aprendi a andar.

_É fácil.

_Não é não. Mas o fato é que, quando passei mal, tive que ir a pé e de ônibus para o pronto-socorro, esperar em pé durante horas pra ser atendido, até morrer num corredor fedendo a éter.

_E aí?

_Aí não sei, devem ter me carregado de lá pra cá, de IML pra cemitério.

_E agora você está aqui.

_Pois é. Essa merda de espiritismo.

_Que tem?

_Só por que não acreditei em carma e aquela porra toda, agora me ferro mais ainda?

_Você não soube aproveitar a vida.

_Ah, tenta aproveitar algo em São Paulo, pegando condução.

_Agora você terá que vagar pelo umbral por um tempão.

_É, porra. NEM DEPOIS DE MORTO VOU DEIXAR DE ANDAR A PÉ?

Um comentário:

Talita disse...

adorei.