terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

For there are no feelings left: he’s completely dehumanized.



Perplexidade.

Num espaço de tempo bastante curto tivemos a PM oprimindo e batendo em pré-adolescentes da periferia e em jovens de classe média de um bloco carnavalesco; um jovem negro acorrentado a um pelourinho moderno por ser supostamente um ladrão; jovens gays são agredidos e mortos dias sim e dia também; e black blocs estragando a festa de aniversário de São Paulo.

Todos esses exemplos não só de violência e opressão, mas de autoritarismo, de uma postura que inviabiliza o diálogo, que toma para si todas as prerrogativas de ação e razão.

A classe média faz justiça com as próprias mãos ao desconfiar de um moleque com biotipo suspeito, e decide quem pode frequentar o centro de compra dela, e seus filhos violentam pessoas de orientação sexual diversa e tentam agredir quem tem opinião política oposta, com a pouca vontade de investigar da PM, que também escolhe quem pode ou não pode ocupar as ruas, estas que são tomadas por manifestantes que tomam para si o discurso violento, de confronto, como o único possível e válido.

E de repente, as mesmas pessoas que acharam, dignamente, isso tudo um absurdo, absorveram como perfeitamente normal a investida de uma centena de celerados de algumas facções criminosas, mal disfarçadas de torcida organizada, assumindo indevidamente o posto de representante de um contingente de mais de 30 milhões de pessoas.

Esses ‘torcedores’ – sabemos que são sempre os mesmos, que não representam sequer as agremiações que integram, mas têm a conivência destas –, que no fundo pouco se importam com o Sport Club Corinthians Paulista, estando sempre mais interessados nas picuinhas de suas facções, no intervalo de servir de massa de manobra para situação e oposição, alternadamente, resolveram, a mando de quem?, invadir o centro de treinamento do Alvinegro, roubando e agredindo funcionários, e ameaçando jogadores de morte.

É tão difícil assim perceber que é parte do mesmo discurso terra-de-ninguém?, da mesma atitude ‘eu é que estou certo e vai ser do meu jeito de qualquer jeito’?

Somos obrigados a ler e ouvir, por parte de torcedores que aparentemente desligaram o cérebro na hora de pensar futebolisticamente (pois muitos deles conderam todas a violências urbanas supracitadas), que ‘esses jogadores são vagabundos’, ‘alguém tem que fazer alguma coisa’, ‘a gente paga ingresso e tem direito de meter o dedo na cara deles’, ‘eles só invadiram e ameaçaram, se quisessem tinham batido’, ‘esses caras só têm vida mansa e ainda pensam em greve’, entre outras estultices.

Nem vou entrar no mérito do papel (papelão) cotidiano das organizadas, nem do imaginário popular sobre o jogador de futebol, tampouco sobre direitos trabalhistas (que incluem o de greve) ou da ingratidão com um elenco que ganhou oito títulos em cinco anos.

Minha perplexidade, meu espanto, minha desolação, é com a legitimação definitiva da truculência egoísta que invalida o diálogo e o contraditório, que ignora nuances, pormenores e entrelinhas. Todos estão surdos. E gritando, gritando, gritando.

Neste momento, qualquer civilidade está sendo agredida e estuprada porque andou por aí de shortinho.