Perplexidade.
Num espaço de tempo bastante curto tivemos a PM oprimindo
e batendo em pré-adolescentes da periferia e em jovens de classe média de um
bloco carnavalesco; um jovem negro acorrentado a um pelourinho moderno por ser
supostamente um ladrão; jovens gays são agredidos e mortos dias sim e dia
também; e black blocs estragando a festa de aniversário de São Paulo.
Todos esses exemplos não só de violência e opressão,
mas de autoritarismo, de uma postura que inviabiliza o diálogo, que toma para
si todas as prerrogativas de ação e razão.
A classe média faz justiça com as próprias mãos ao
desconfiar de um moleque com biotipo suspeito, e decide quem pode frequentar o
centro de compra dela, e seus filhos violentam pessoas de orientação sexual
diversa e tentam agredir quem tem opinião política oposta, com a pouca vontade
de investigar da PM, que também escolhe quem pode ou não pode ocupar as ruas,
estas que são tomadas por manifestantes que tomam para si o discurso violento,
de confronto, como o único possível e válido.
E de repente, as mesmas pessoas que acharam,
dignamente, isso tudo um absurdo, absorveram como perfeitamente normal a
investida de uma centena de celerados de algumas facções criminosas, mal
disfarçadas de torcida organizada, assumindo indevidamente o posto de
representante de um contingente de mais de 30 milhões de pessoas.
Esses ‘torcedores’ – sabemos que são sempre os
mesmos, que não representam sequer as agremiações que integram, mas têm a
conivência destas –, que no fundo pouco se importam com o Sport Club Corinthians
Paulista, estando sempre mais interessados nas picuinhas de suas facções, no
intervalo de servir de massa de manobra para situação e oposição, alternadamente,
resolveram, a mando de quem?, invadir o centro de treinamento do Alvinegro,
roubando e agredindo funcionários, e ameaçando jogadores de morte.
É tão difícil assim perceber que é parte do mesmo
discurso terra-de-ninguém?, da mesma atitude ‘eu é que estou certo e vai ser do
meu jeito de qualquer jeito’?
Somos obrigados a ler e ouvir, por parte de
torcedores que aparentemente desligaram o cérebro na hora de pensar
futebolisticamente (pois muitos deles conderam todas a violências urbanas supracitadas), que ‘esses jogadores são vagabundos’, ‘alguém tem que fazer
alguma coisa’, ‘a gente paga ingresso e tem direito de meter o dedo na cara
deles’, ‘eles só invadiram e ameaçaram, se quisessem tinham batido’, ‘esses
caras só têm vida mansa e ainda pensam em greve’, entre outras estultices.
Nem vou entrar no mérito do papel (papelão)
cotidiano das organizadas, nem do imaginário popular sobre o jogador de
futebol, tampouco sobre direitos trabalhistas (que incluem o de greve) ou da
ingratidão com um elenco que ganhou oito títulos em cinco anos.
Minha perplexidade, meu espanto, minha desolação, é
com a legitimação definitiva da truculência egoísta que invalida o diálogo e o
contraditório, que ignora nuances, pormenores e entrelinhas. Todos estão
surdos. E gritando, gritando, gritando.
Neste momento, qualquer civilidade está sendo agredida
e estuprada porque andou por aí de shortinho.
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