quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ensinou-me que a História não é tudo.

Cem anos, quanto tempo, hein Albert. Passou voando esse século. Parece que foi ontem que te li pela primeira vez. Conheci você, soube de sua existência, por causa dos Engenheiros do Hawaii, sabia? Numa manhã ginasiana de 1992 eu fui pro Centro comprar discos com a mesada em vez de estudar para a prova de inglês (na sétima série) e comprei A Revolta Dos Dândis, de 1987, cuja faixa-título falava sobre se sentir “um estrangeiro”. E o resto do disco ia no mesmo tom desesperançoso existencialista. Até seu melhor inimigo Sartre era citado nominalmente na última canção. Mas só fui ler um livro seu, de fato, no primeiro ano da faculdade (1999), quando peguei O Estrangeiro na biblioteca. Além de finalmente descobrir que minha música preferida do The Cure, Killing An Arab, falava sobre o episódio central de sua obra-prima, fui tomado pelo Absurdo já no primeiro parágrafo, o melhor da literatura mundial (empatado com o começo d’A Metamorfose, de Kafka). Sabia que Gabriel García Márquez confessou que tentou imitar esse início impactante em todos os seus romances? Chacoalhado pela história de Mersault (que descobri se chamar Patrice quando li A Morte Feliz), em seguida li A Peste (que, confesso, achei um pouco cansativo) e todos os outros: O Exílio E O Reino, O Avesso E O Direito (de onde Sartre tirou o título ‘Com A Morte Na Alma’), A Inteligência E O Cadafalso, Núpcias, O Verão, até o incompleto O Primeiro Homem... vi suas peças, e nem de teatro eu gosto. Com O Mito De Sísifo eu vi que podia (fingir) ser e me sentir tanto Mersault quanto o herói grego, e depois também me vi no protagonista d’A Queda, aquele livro que descasca o ser humano feito uma banana, com todas as hipocrisias e vicissitudes a que ele tem direito, e que você escreveu após ser defenestrado da intelectualidade política francesa por causa d’O Homem Revoltado. Sua liberdade de pensamento sempre custou muito caro, né. Desagradou esquerda e direita, e por ambos já foi usado indevidamente. Naquela ocasião, Sartre (é verdade que ele era apaixonado por você?) foi bem escroto com você, né. Inclusive ficou tão doído por você ter ganhado o Nobel de Literatura antes dele, que recusou o prêmio quando foi laureado. Enfim, vamos lembrar o que temos em comum: o futebol, a saúde frágil, a má impressão de São Paulo, o tédio com o folclore, o desgosto com o Cristo Redentor (“lamentável”). Vejo-me até na sua falta de jeito em descrever minimamente cenas de sexo. Bom, por hoje a subida terminou. Amanhã, pedra entre pedra, retornaremos todos a esses mundos imóveis de verdade nenhuma. Aquele abraço e feliz aniversário, meu caro Albert. Que venham outros centenários enquanto o Tempo não resolve descansar.

Um comentário:

Carla disse...

Você e esse belo domínio das palavras, do jeito de posicioná-las e dar o tom de cada texto.