Cem
anos, quanto tempo, hein Albert. Passou voando esse século. Parece que foi
ontem que te li pela primeira vez. Conheci você, soube de sua existência, por
causa dos Engenheiros do Hawaii, sabia? Numa manhã ginasiana de 1992 eu fui pro
Centro comprar discos com a mesada em vez de estudar para a prova de inglês (na
sétima série) e comprei A Revolta Dos
Dândis, de 1987, cuja faixa-título falava sobre se sentir “um estrangeiro”.
E o resto do disco ia no mesmo tom desesperançoso existencialista. Até seu
melhor inimigo Sartre era citado nominalmente na última canção. Mas só fui ler
um livro seu, de fato, no primeiro ano da faculdade (1999), quando peguei O Estrangeiro na biblioteca. Além de
finalmente descobrir que minha música preferida do The Cure, Killing An Arab, falava sobre o episódio
central de sua obra-prima, fui tomado pelo Absurdo já no primeiro parágrafo, o
melhor da literatura mundial (empatado com o começo d’A Metamorfose, de Kafka). Sabia que Gabriel García Márquez
confessou que tentou imitar esse início impactante em todos os seus romances? Chacoalhado
pela história de Mersault (que descobri se chamar Patrice quando li A Morte Feliz), em seguida li A Peste (que, confesso, achei um pouco
cansativo) e todos os outros: O Exílio E
O Reino, O Avesso E O Direito (de
onde Sartre tirou o título ‘Com A Morte Na Alma’), A Inteligência E O Cadafalso, Núpcias, O Verão, até o incompleto O
Primeiro Homem... vi suas peças, e nem de teatro eu gosto. Com O Mito De Sísifo eu vi que podia
(fingir) ser e me sentir tanto Mersault quanto o herói grego, e depois também
me vi no protagonista d’A Queda,
aquele livro que descasca o ser humano feito uma banana, com todas as
hipocrisias e vicissitudes a que ele tem direito, e que você escreveu após ser
defenestrado da intelectualidade política francesa por causa d’O Homem Revoltado. Sua liberdade de
pensamento sempre custou muito caro, né. Desagradou esquerda e direita, e por
ambos já foi usado indevidamente. Naquela ocasião, Sartre (é verdade que ele
era apaixonado por você?) foi bem escroto com você, né. Inclusive ficou tão
doído por você ter ganhado o Nobel de Literatura antes dele, que recusou o
prêmio quando foi laureado. Enfim, vamos lembrar o que temos em comum: o
futebol, a saúde frágil, a má impressão de São Paulo, o tédio com o folclore, o
desgosto com o Cristo Redentor (“lamentável”). Vejo-me até na
sua falta de jeito em descrever minimamente cenas de sexo. Bom, por hoje a
subida terminou. Amanhã, pedra entre pedra, retornaremos todos a esses mundos
imóveis de verdade nenhuma. Aquele abraço e feliz aniversário, meu caro Albert.
Que venham outros centenários enquanto o Tempo não resolve descansar.
Um comentário:
Você e esse belo domínio das palavras, do jeito de posicioná-las e dar o tom de cada texto.
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