domingo, 11 de maio de 2008

Se duvidar, eu tenho mais de um mar de provas.

Ruim não foi, longe disso. Um show que abre com Mil Acasos não pode ser ruim. Um show que tem Dois Rios, Canção Noturna e Zé Trindade não pode ser ruim. Um show que fecha com Tão Seu não pode ser ruim. Tudo tocado com extrema competência, total entrosamento e nenhuma má-vontade. E o público ainda estava surpreendentemente comportado para uma apresentação gratuita – sem falar que a cervejinha e as boas companhias garantiriam a diversão, mesmo naquele fim-de-mundo que é São Bernardo do Campo –, então qual foi o problema?

Samuel é um excelente compositor, um frontman razoável, uma ótima voz, que nunca falha, mesmo nas canções com notas altas – ainda que em Dois Rios a terça abaixo em relação ao disco deixe a música caidaça –, mas sua egotrip de guitar hero já encheu o saco, e não é de hoje. Ele não é virtuoso, não é a dele, nem são suas influências. Aqueles interlúdios com solos bobos, ligados de três notas e riffs desconexos, que em nada se conectam com as músicas que vêm as seguir – me senti ouvindo os interlúdios renascentistas dos discos do Rhapsody (Of Fire). E ainda ontem houve até vinhetas de teclado.

Sem falar que – e agora chegamos ao grande problema – a falta de culhões, a bunda-molice, o acomodamento da banda ao vivo chega a ser irritante. A abertura, com o tema de Três Homens Em Conflito (filme de Sergio Leone, trilha de Ennio Morricone), além de ser chupinhação do Metallica, que usa outro tema do mesmo filme, não muda desde o Cosmotron (2003). As vinhetinhas guitarrísticas de Três Lados e Uma Partida De Futebol são da época do MTV Ao Vivo (2001). E o repertório praticamente não muda, parece que eles realmente querem ser uma banda genérica, sem fãs de verdade, apenas com um público “baladeiro”, porque é difícil de aturar sempre a mesma coisa, aquele lance sem surpresas: você já sabe exatamente o que vai e o que não vai ouvir, não tem aquela expectativa de “será que vai rolar um lado B?”, pois isso nunca acontece. E não é porque ontem foi um show de graça, patrocinado pela Toyota, portanto atípico, etc. Essa postura se mantém até em abertura de turnê. Ontem foi o cúmulo: um show só com DUAS músicas do Carrossel (2006), o disco mais recente.

Tocar covers, quando relevantes, também é legal: mesmo a toque de caixa, visto que é o mesmo arranjo de Canção Noturna, a versão de Vamos Fugir, do Gil, salvou a canção; e a de Beleza Pura, do Caê, além de ter ficado com a cara da banda (incluindo a malandra e manjadíssima cozinha de Taxman, dos Beatles), tornou uma música chatíssima algo agradável. Mas ontem, além dessas duas, ouve uma totalmente dispensável cover de Loirinha Bombril, d'Os Paralamas, que, por sua vez, além de ser muito chata, é versão de Parate Y Mira, do Los Pericos. Ou seja: se fossem homenagear a banda – o que já é estranho, já que, embora fosse uma óbvia influência tanto na sonoridade geral da banda quanto na guitarra do Samuel (Samuel influenciado por Herbert, influenciado por Lulu), era sempre negada nas entrevistas –, que escolhessem uma das tantas canções maravilhosas da melhor banda brasileira de todos os tempos.

E até quando eles vão insistir (eles, já tiozões tocando de terno – sério!) nas early songs? Pra que ficar insistindo em Jackie Tequila, Pacato Cidadão, Garota Nacional e Esmola, se já há hits do mesmo calibre na fase adulta, como as recepções calorosas a, por exemplo, Vou Deixar e Acima Do Sol, provam isso?

Eles já demoraram para ousar no estúdio: a desprodução de Dudu Marote no Calango (1994) já foi um passo atrás do epônimo, de 1993. O Samba Poconé continuou sem muitas inovações. Mesmo com o jogo mais que ganho, milhões e cópias vendidas graças à chuva de hits e o mercado em chamas por causa da fase idílica do Plano Real, o disco Siderado (1998) – o primeiro com uma produção decente, a cargo de Paul Ralphes, o mesmo do excelente Escuta Aqui (1999), do Biquíni Cavadão – ousou pouco, com Resposta e No Meio Do Mar, pois o resto é mais do mesmo. Só em Maquinarama (2000) a carroça começou a andar de verdade, e eles começaram a virar a banda incrível que são hoje.

Então é praticamente obrigação artística deles, após tanto dinheiro e sucesso, com tudo extremamente consolidado em mais de 15 anos de carreira, de três excelentes discos adultos debaixo do braço, começarem a se impor perante o público.

Eles não são a melhor banda do país – o trono ainda é do Pato Fu, pela extrema coragem e pelo talento ímpar –, justamente por esse medo de arriscar. E eu digo isso com a certeza de quem era o único lá, ontem, a comprar os discos na época, desde o primeiro, e ver shows deles há mais de 12 anos.

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