Em nossa sociedade pseudoliberal, porém cheia de pudores e coisas sob o tapete, é interessante observar que, enquanto o vício em drogas ilegais – começou com maconha, depois ecstasy, LSD, agora até cocaína vem se tornando aceitável nas festinhas de jovens*, sem falar nos psicotrópicos** – enquanto o álcool, conhecido pelo menos desde os tempos de Noé (o primeiro bebum registrado), é, ao mesmo tempo enaltecido entre jovens e velhos, seja como estimulante para tímidos, ansiolítico para “acelerados”, ou simplesmente prova de autossuficiência (“Eu bebo pra caralho uhuu!”) e condenatório a quem dele abusa.
[*Tá certo que cocaína mesmo era a puríssima, colombiana, que os yuppies cheiravam nos 1980s. Nada da farinha cara e ruim dos ripongos e disco-dancers, tampouco dessa tranqueira de R$ 20 que a molecada vem usando em qualquer boteco.
**Havia pouco quem usava qualquer tarja-preta era “maluco”, “gardenal” (olha o preconceito dentro do preconceito aí), hoje é GRAMUROZO falar “ai, vou chapar de Rivotril”... perdi o momento histórico em que os remédios psiquiátricos passaram de estigmatizantes a assunto para as redes sociais.]
Ao mesmo tempo em que o toxicômano é tratado como doente, coitadinho, alguém que precisa de ajuda – e olha que, mesmo no esculacho institucionalizado em que vivemos, não é tão simples assim descolar farinha, pedra e pico –, uma vítima das fraquezas humanas, da necessidade de pertencer a grupos/tribos e de agradar a eles, o álcool, igualmente celebrado, estimulado e, importante, MUITO MAIS BARATO, LEGALIZADO E DE FACÍLIMO ACESSO, DESDE SEMPRE, se torna uma desgraça para o alcoólatra: este é taxado de vagabundo, bebum, lixão, podre, cachaceiro, pudim-de-cana, alguém [in]digno de pena, que se arrasta pela existência, que cai pelas ladeiras e jamais curar-se-á.
Aí vem a maior distorção de raciocínio: pensamos que as drogas pesadas, uma vez que a maioria de nós não faz uso delas, são inerentemente perigosas, sem que se perceba que a imensa maioria dos que usam cocaína, por exemplo, o faz de modo “recreativo”, sem dependência. Maconha, então, nem se fala. Até crack há quem consiga usar e sair do abismo.
Já o álcool, só porque todos bebem sempre, das reuniões familiares aos churrascos da firma, cai logo a pecha de “fraco” sobre o que abusa do “mé”; afinal, eu uso, você usa, todo mundo usa, por que ele não se controla?
Em vez de pensarmos que esse é justamente o perigo, a banalização/aceitação, além do fácil acesso e o baixo preço, que faz com que tantos se viciem e, pior, tenham imensas dificuldades em se cuidar.
Tenho muito mais compaixão pelo tiozão pobre que só se fode na vida e acaba viciado na cachacinha que serve de anestesia existencial do que o #ClasseMédiaSofre que enfia o nariz onde não é chamado e depois vai chorar as pitangas numa clínica particular.
4 comentários:
"- Dizem que o alcool pode ser legalizado. O que o senho fará se isso acontecer, senhor Ness?
- Vou tomar um trago".
Duas coisas:
1. Com certeza! Já conversamos sobre isso, e muita gente nem percebe que alcoolismo é doença. Grave. As pessoas acham que o cara simplesmente "enxuga" porque gosta. Pode até ser, num começo. Mas depois, pode tornar-se dependente. Estamos todos sujeitos a isto.
2. Noé?
Gênesis 9:20-25 "E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora. Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai. E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos."
Gênesis 19:31-36 "Então a primogênita disse à menor: Nosso pai já é velho, e não há homem na terra que entre a nós, segundo o costume de toda a terra; Vem, demos de beber vinho a nosso pai, e deitemo-nos com ele, para que em vida conservemos a descendência de nosso pai. E deram de beber vinho a seu pai naquela noite; e veio a primogênita e deitou-se com seu pai, e não sentiu ele quando ela se deitou, nem quando se levantou. E sucedeu, no outro dia, que a primogênita disse
à menor: Vês aqui, eu já ontem à noite me deitei com meu pai; demos-lhe de beber vinho também esta noite, e então entra tu, deita-te com ele, para que em vida conservemos a descendência de nosso pai. E deram de beber vinho a seu pai também naquela noite; e levantou-se a menor, e deitou-se com ele; e não sentiu ele quando ela se deitou, nem quando se levantou. E conceberam as duas filhas de Ló de seu pai."
E ainda por cima incestuoso?
:O
valha-me!
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