Meio-dia e seis.
Iam e vinham pessoas e trens nas plataformas da estação movimentada quando se deu conta de que as pessoas e até as máquinas pareciam apressadas demais, tão preocupadas com horários e destinos que nem se davam conta da extrema dor daquele céu de azul incrível.
Enquanto limpava com o lenço de seda o suor que escorria da testa e espantava as moscas oportunistas, cuspia a fumaça das locomotivas e levava esbarrões dos transeuntes absortos na rotina e nos compromissos e tentava fixar os olhos nos olhares alheios a ele e a tudo mais, no afã de receber um pouco de atenção silenciosa.
Pensava no vazio em que vagavam aquelas órbitas que pareciam fitar o Nada. Por que aquele súbito interesse na existência de estranhos? Sempre se considerara individualista, até egoísta, diriam alguns, imerso demais nos próprios planos, segredos, sonhos e problemas para pensar em gente que jamais vira e que provavelmente jamais veria novamente. Seria carência, solidão ou mero teste de quem não tinha o que fazer enquanto o próximo trem não vinha?
Sentiu falta de um cigarro. Os trilhos tremulavam sob o sol e o vento quente que descia espiralado e invadia as plataformas. Na espera, homens liam jornais, mulheres liam livros. Vendedores ambulantes e crianças maltrapilhas esperavam a fiscalização passar para vender e pedir coisas. Pensou mais uma vez no calor e se lembrou do quão distante estava de um banho.
O relógio da estação parecia ora avançar demais, ora nem se mexer. Pensava no gosto, no cheiro e nas profundezas de cada cidadão e cidadã que, longe de casa, buscava fazer sua vida e cumprir seus compromissos. Ninguém ali parecia passear. Ou então eram as condições precárias do transporte metropolitano que deixavam o cenho das pessoas tão grave.
Todos os pensamentos, porém, evanesceram com a chegada do trem. Tomou nas mãos uma lata de cerveja que estava em sua bolsa, mesmo sendo proibido o consumo de álcool na estação, e olho para o horizonte de prédios velhos e morros suburbanos cheios de barracos. Suspirou entre o alívio e a angústia e adentrou o vagão, se espremendo estoicamente entre os outros passageiros no vagão de trinta anos atrás.
Sentiu-se estranhamente livre sob o sol perpendicular daquele dia cortado ao meio feito fruta passada demais.
Um comentário:
"Sentiu-se estranhamente livre sob o sol perpendicular daquele dia cortado ao meio feito fruta passada demais."
:)
gosto disso.
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