Para entender o black metal (parte 2)
(Parte 1 aqui)
Quando se diz que o Bathory sempre esteve à frente de seu tempo, não é brincadeira: ainda que Quorthon tivesse, além de inventado o black metal, tê-lo desenvolvido em tons épicos em Blood Fire Death (1988), Hammerheart (1989) e Twilight Of The Gods (1991), criando os subgêneros epic/viking/pagan metal, e dando grandiosidade e “espírito de guerra” ao próprio metal negro – com climas grandiosos (incluindo citações ao folclore musical nórdico e a compositores clássicos como Gustav Holst), músicas mais longas e uso de violões e vocais limpos –, no início dos 1990s a turma do som extremo na Noruega ainda estava imersa no death metal.
Os futuros membros de Immortal e Burzum tocavam juntos no Old Funeral, os do Emperor, no Thou Shalt Suffer, e Darkthrone já existia, mas também tocava death metal. 
Apenas quando o Mayhem teve a entrada de Dead (da banda sueca – de death – Morbid) as letras passaram a ter mais morbidez e profundidade (em vez do splatter de Deathcrush)
 e Euronymous, além de começar a compor black metal, convenceu todos da 
cena a largar a cena death – que, segundo ele, havia se tornado poseur
 e modista com o sucesso na MTV de bandas como Entombed e Obituary – e 
atingir novos patamares de som extremo e obscuro com o novo 
direcionamento musical.
Shows
 como o de Leipzig, em 1990, a despeito tanto da precariedade sonora 
quanto da apatia do (pouco) público foram vistos por todos daquela 
nascedoura cena nórdica, incluindo membros das bandas suecas Abruptum e Marduk. 
Ao ouvir aquelas músicas inovadoramente brutais, sem quaisquer resquícios de death (mesmo as antigas,
 ao vivo, passaram a soar diferentes), e ver as performances de Dead, 
que usava corpse paint, se cortava no palco, usava ganchos e porcos 
empalados no palco, vestia roupas que ele mesmo havia enterrado semanas 
antes e cheirava um corvo morto dentro de um saco entre as canções (para
 “sentir a presença da morte”) todos queriam fazer parte daquela cena.
Foi
 quando se formou, no porão da loja de discos Helvete (“Inferno” em 
norueguês), do guitarrista e líder do Mayhem, Euronymous – sempre o 
catalisador, o agregador de todas as tendências do movimento –, o 
chamado Inner Circle Of Norwegian Black Metal (apesar do nome pomposo, 
nada formal), que incluía todas as bandas norueguesas recém-convertidas 
ao black metal num grupo de jovens tão sem dinheiro quanto talentosos. 
Isso
 incluía o selo Deathlike Silence (que lançava a maioria das bandas), 
uma rede de contatos no underground que incluía das bandas já citadas da
 Suécia até grupos distantes como o brasileiro Sarcófago (influente, 
embora permanecesse death metal) e o japonês Sigh. E ideias extremistas que levariam, em pouco tempo, a assassinatos, suicídios, profanações de cemitérios e incêndios a igrejas.
Em
 pouco tempo foram lançados pilares musicais do estilo, formando a 
chamada segunda onda do black metal. Interessante notar o quanto as 
bandas, embora do mesmo lugar, com o mesmo passado death, com intensa 
troca de instrumentistas e parcerias musicais, e sob a mesma influência
 do líder do Mayhem, possuíam visões tão distintas do estilo.
Immortal, após o debute ainda meio death/doom Diabolical Fullmoon Mysticism (1992), veio com Pure Holocaust
 (1993), que trazia equilíbrio entre rispidez e melodia, vocal inspirado
 em Bathory e temas fantásticos de batalhas em míticas terras geladas.
Burzum (na verdade um projeto solo de Varg Vikernes) lançou seu epônimo (1992) e um EP (Aske,
 de 1993), com sua particular visão melancólica e passadista visão de um
 mundo nórdico corrompido pela moral judaico-cristã por meio de músicas 
longas e hipnóticas, cheias de teclados minimalistas e vocais 
torturadíssimos (normalmente irritantes).
No
 mesmo clima pagão, porém com estruturas (e letras) mais tradicionais, 
teclados mais grandiosos e climas medievais-épicos também no 
instrumental, o Satyricon estreou com as demos All Evil (1992), ainda tocando um death metal similar ao que o Darkthrone fazia no início, e a pretensiosa (no bom sentido) The Forest Is My Throne (1993).
Após o primeiro lançamento de death metal, Soulside Journey (1991), o Darkthrone mergulhou no black metal frio, simples e de produção cuidadosamente descuidada, nos discos A Blaze InThe Northern Sky (1992) – considerado o primeiro disco de black metal moderno – e Under A Funeral Moon (1993), que consolidou a proposta lo-fi e absolutamente primitiva, até na capa P & B.
Uma demo -  Wrath Of The Tyrant (1992) - e um aclamado e influente EP epônimo (1993) trouxeram à cena o complexo Emperor e seu mundo de teclados em 
destaque, técnica apurada em meio à velocidade e climas de obscuridade 
cósmica. Sem dúvida o produto mais bem acabado da época. Vale lembrar 
que o baixista e letrista à época era Mortiis, que deixaria a banda para seguir uma bem-sucedida carreira de darkwave/ambient/industrial.
Outras
 bandas que despontaram à época na Noruega, umas mais, outras menos, 
outras nada envolvidas com o Inner Circle, foram o viking metal de Enslaved (ex-Phobia, de death metal, com membros do que tornar-se-ia o Theatre Of Tragedy) e Hades (Almighty), o black metal industrial do Thorns e o imprevisível avant-garde do Ulver.
E
 foi nessa época, em apenas dois anos infernais (1992–1993), que o 
extremismo que o black metal personificava resolveu transbordar, do 
visual e das canções, para a vida (e a morte) da pacata Noruega.
