terça-feira, 31 de julho de 2012

Two great spears and a flag of dominion and hate.


Para entender o black metal (parte 2)

(Parte 1 aqui)

Quando se diz que o Bathory sempre esteve à frente de seu tempo, não é brincadeira: ainda que Quorthon tivesse, além de inventado o black metal, tê-lo desenvolvido em tons épicos em Blood Fire Death (1988), Hammerheart (1989) e Twilight Of The Gods (1991), criando os subgêneros epic/viking/pagan metal, e dando grandiosidade e “espírito de guerra” ao próprio metal negro – com climas grandiosos (incluindo citações ao folclore musical nórdico e a compositores clássicos como Gustav Holst), músicas mais longas e uso de violões e vocais limpos –, no início dos 1990s a turma do som extremo na Noruega ainda estava imersa no death metal.

Os futuros membros de Immortal e Burzum tocavam juntos no Old Funeral, os do Emperor, no Thou Shalt Suffer, e Darkthrone já existia, mas também tocava death metal.

Apenas quando o Mayhem teve a entrada de Dead (da banda sueca – de death – Morbid) as letras passaram a ter mais morbidez e profundidade (em vez do splatter de Deathcrush) e Euronymous, além de começar a compor black metal, convenceu todos da cena a largar a cena death – que, segundo ele, havia se tornado poseur e modista com o sucesso na MTV de bandas como Entombed e Obituary – e atingir novos patamares de som extremo e obscuro com o novo direcionamento musical.

Shows como o de Leipzig, em 1990, a despeito tanto da precariedade sonora quanto da apatia do (pouco) público foram vistos por todos daquela nascedoura cena nórdica, incluindo membros das bandas suecas Abruptum e Marduk.

Ao ouvir aquelas músicas inovadoramente brutais, sem quaisquer resquícios de death (mesmo as antigas, ao vivo, passaram a soar diferentes), e ver as performances de Dead, que usava corpse paint, se cortava no palco, usava ganchos e porcos empalados no palco, vestia roupas que ele mesmo havia enterrado semanas antes e cheirava um corvo morto dentro de um saco entre as canções (para “sentir a presença da morte”) todos queriam fazer parte daquela cena.

Foi quando se formou, no porão da loja de discos Helvete (“Inferno” em norueguês), do guitarrista e líder do Mayhem, Euronymous – sempre o catalisador, o agregador de todas as tendências do movimento –, o chamado Inner Circle Of Norwegian Black Metal (apesar do nome pomposo, nada formal), que incluía todas as bandas norueguesas recém-convertidas ao black metal num grupo de jovens tão sem dinheiro quanto talentosos.

Isso incluía o selo Deathlike Silence (que lançava a maioria das bandas), uma rede de contatos no underground que incluía das bandas já citadas da Suécia até grupos distantes como o brasileiro Sarcófago (influente, embora permanecesse death metal) e o japonês Sigh. E ideias extremistas que levariam, em pouco tempo, a assassinatos, suicídios, profanações de cemitérios e incêndios a igrejas.

Em pouco tempo foram lançados pilares musicais do estilo, formando a chamada segunda onda do black metal. Interessante notar o quanto as bandas, embora do mesmo lugar, com o mesmo passado death, com intensa troca de instrumentistas e parcerias musicais, e sob a mesma influência do líder do Mayhem, possuíam visões tão distintas do estilo.

Immortal, após o debute ainda meio death/doom Diabolical Fullmoon Mysticism (1992), veio com Pure Holocaust (1993), que trazia equilíbrio entre rispidez e melodia, vocal inspirado em Bathory e temas fantásticos de batalhas em míticas terras geladas.

Burzum (na verdade um projeto solo de Varg Vikernes) lançou seu epônimo (1992) e um EP (Aske, de 1993), com sua particular visão melancólica e passadista visão de um mundo nórdico corrompido pela moral judaico-cristã por meio de músicas longas e hipnóticas, cheias de teclados minimalistas e vocais torturadíssimos (normalmente irritantes).

No mesmo clima pagão, porém com estruturas (e letras) mais tradicionais, teclados mais grandiosos e climas medievais-épicos também no instrumental, o Satyricon estreou com as demos All Evil (1992), ainda tocando um death metal similar ao que o Darkthrone fazia no início, e a pretensiosa (no bom sentido) The Forest Is My Throne (1993).

Após o primeiro lançamento de death metal, Soulside Journey (1991), o Darkthrone mergulhou no black metal frio, simples e de produção cuidadosamente descuidada, nos discos A Blaze InThe Northern Sky (1992) – considerado o primeiro disco de black metal moderno – e Under A Funeral Moon (1993), que consolidou a proposta lo-fi e absolutamente primitiva, até na capa P & B.

Uma demo - Wrath Of The Tyrant (1992) - e um aclamado e influente EP epônimo (1993) trouxeram à cena o complexo Emperor e seu mundo de teclados em destaque, técnica apurada em meio à velocidade e climas de obscuridade cósmica. Sem dúvida o produto mais bem acabado da época. Vale lembrar que o baixista e letrista à época era Mortiis, que deixaria a banda para seguir uma bem-sucedida carreira de darkwave/ambient/industrial.

Outras bandas que despontaram à época na Noruega, umas mais, outras menos, outras nada envolvidas com o Inner Circle, foram o viking metal de Enslaved (ex-Phobia, de death metal, com membros do que tornar-se-ia o Theatre Of Tragedy) e Hades (Almighty), o black metal industrial do Thorns e o imprevisível avant-garde do Ulver.

E foi nessa época, em apenas dois anos infernais (1992–1993), que o extremismo que o black metal personificava resolveu transbordar, do visual e das canções, para a vida (e a morte) da pacata Noruega.

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