Para entender o black metal (parte
3)
(Parte 2 aqui)
Nesse curto período, houve muita
tragédia e muitos crimes foram cometidos por membros do Inner Circle ou por
bandas de outros países, confessamente inspiradas pelos noruegueses.
Em
8/4/1991, Per "Dead" Yngve Ohlin - que desde uma experiência de quase-morte, devido a um severo sangramento estomacal, achava que não pertencia mais a este mundo - foi encontrado morto na casa em que os membros do Mayhem estavam
morando. Estava com a cabeça aberta por um rito de espingarda (cuja munição
teria sido fornecida por Varg) e os pulsos cortados a facão. Vestia uma
camiseta “I love Transylvania” e seu bilhete de se suicídio dizia apenas
“excuse all the blood”.
Euronymous, o primeiro a
encontrá-lo, tirou fotos do cadáver e teria apanhado pedaços do crânio
esparramado. Teriam sido feitos colares com esses nacos de cérebro (alguns
blackmetallers escandinavos alegam tê-los, como membros do Marduk) e até
cozinhado e comido alguns. Já a foto acabou virando capa do infame bootleg Dawn Of The Black Hearts (1995).
Entre 1992 e 1996, mais de 50 igrejas
foram incendiadas e mais de 15 mil túmulos foram profanados (alguns itens
sacros desses lugares teriam virado decoração da loja Helvete). Houve incêndios
e profanações também em países vizinhos, como na Suécia (membros do Abruptum
foram acusados, mas nada se provou) e até na Rússia. Sabe-se do envolvimento de
Varg, Samoth (Emperor) e Jørn
(Hades Almighty) em alguns atentados a igrejas na Noruega. Todos foram
condenados.
Outros
acontecimentos sinistros ligados à segunda onda do black metal: Bård Faust,
então baterista do Emperor, foi preso pelo assassinato de um homossexual. O
baixista à época, Tchort, foi condenado por assalto e diversas agressões. Grim, baterista de bandas como Immortal, Gorgoroth e
Borknagar, cometeria suicídio (por overdose intencional de drogas) em 1999. Bandas
como Therion, Deicide e Paradise Lost sofreram atentados que teriam sido a
mando de Varg Vikernes (por serem bandas "vendidas", "usurpadoras das forças negras" ou qualquer coisa assim).
Na vizinha Suécia, Jon Nödtveidt,
líder do Dissection, foi preso pelo assassinato de um imigrante argelino, e
cometeria suicídio em 2003, anos depois de sair da prisão. O membros originais da
banda alemã Absurd (de forte ligação com o nazismo e acentos Oi!/RAC na musicalidade), foram condenados por
assassinar um colega de escola (por questões pessoais). Uma foto de seu túmulo também virou capa de
disco, a demo Thuringian Pagan Madness
(1995).
À época das primeiras igrejas
incendiadas a grande mídia já havia se interessado pelo tema, e não só na
própria Noruega: uma bombástica reportagem da famosa revista inglesa de rock Kerrang! em 1992 espalhou o vírus do
black metal pelo mundo, rendendo até uma matéria da revista Bizz, acusando Satanic Terrorism, do Sarcófago (do
álbum Hate, de 1994) de ser uma
elegia ao Inner Circle (talvez fosse mesmo, embora eles dissessem que estavam
apenas “relatando um fato”, mas a matéria era de fato bem pobre).
O livro Lords Of Chaos, de 1998, permanece até hoje o grande documento
sobre a época (embora Varg, Fenriz, Satyr e outros repudiem a obra), junto com o filme Until The Light Takes Us (focado demais
em Fenriz, do Darkthrone), de 2009.
Porém o acontecimento-chave para o
movimento ocorreu em 10/8/1993. E, para tentar entendê-lo, é preciso
contextualizar a hierarquia daquela cena musical.
Embora, segundo testemunhas como
Frost (Satyricon) e Bård
'Faust' Eithun (Emperor) jamais tenha havido realmente um Inner Circle ou um
Black Circle – era apenas uma cena musical, pessoas com interesses em comum que
se reuniam no porão da Helvete, nada de rituais de iniciação ou reuniões
oficiais – era fato que Euronymous, supostamente usando táticas de liderança
aprendidas quando militou no partido norueguês de extrema esquerda Red Ungdom (Juventude Vermelha), para
influenciar (manipular?) as outras bandas.
E
funcionou: em poucos meses, muitas bandas de death metal se tornaram black
metal, como já citado na parte 2.
Dead,
que em vida já retroalimentava o extremismo crescente de Euronymous, quando
morto tornou-se o marco inicial da obsessão completa com o satanismo (teísta
mesmo, não o filosófico de LaVey) e tudo que era perverso. E muitos dos atos criminosos cometidos à época eram
coisa de jovens que pretendiam impressionar seus iguais, pertencer a um grupo “seleto”,
ter status na cena.
Nisso, ninguém era melhor que Varg
(ironicamente nascido “Kristian”) Vikernes. Até a estética colaborava para o
interesse da mídia: enquanto Öysten “Euronymous” Aarseth era baixinho e feio,
com discursos histriônicos e cheios de clichês “malvados”, Varg tinha cara de
moço bonito de família, e era muito mais bem articulado em sua lógica tortuosa.
Enquanto Euronymous alegadamente passava
fome pra manter a sua casa, a Helvete e a Deathlike Silence Produtions, Varg,
aparentemente de ascendência mais abastada, provavelmente morava com os pais e
seu projeto Burzum era um dos campeões de venda (em termos de underground,
claro) da cena.
Diz-se que Euronymous começou a
ver seu até então melhor amigo e parceiro de extremismos como um rival,
dividindo a atenção tanto da mídia quando dos outros músicos do Inner Circle.
Fala-se também de problemas com dinheiro (Euronymous estaria devendo o repasse
de vendas dos discos do Burzum), discordâncias políticas (Euronymous era comunista, e Varg, fascista), divergências ideológicas (Euronymous era satanista, e Varg, adepto do paganismo nórdico) e até, pasmem!, disputas por uma namorada.
Porém, como a história é escrita pelos vencedores, e as testemunhas da época
não gostam de falar sobre o assunto, fiquemos com a versão (mais ou menos)
oficial.
Segundo Mortiis (então baixista do Emperor), Euronymous teria
ido a uma vidente e descoberto que sua vida corria perigo. Como ele já estava
desconfiado de que Varg estava conspirando contra ele, achou que seu ex-amigo
planejava assassiná-lo. Resolveu se antecipar e matar Varg primeiro. Wagner
Lamounier, do Sarcófago, que se correspondia com Euronymous na época, diz que o
norueguês planejava injetar um vírus ou coisa parecida em alguém (Vikernes não
era mencionado) e transformá-lo num escravo-zumbi (!).
O fato é que Snorre W. Ruch, do
Thorns, amigo de ambos, contou a Varg os planos de Euronymous, e ainda se ofereceu
para ir junto. Em 10 de agosto de 1993, viajaram de Bergen até o apartamento de
Euronymous em Oslo, em plena madrugada.
A versão de Varg é que ele apenas
ia falar sobre contratos da Deathlike Silence (embora tenha levado uma faca
para “eventualidades”), e que se defendeu quando Euronymous o atacou também com
uma arma branca. O que se sabe é que Euronymous morreu na porta de casa, vestindo
pijama e samba-canção, com 23 facadas, sendo duas na cabeça, cinco no pescoço e
dezesseis nas costas. E o vencedor do duelo também aproveitou para difamar:
teria encontrado um vibrador sujo de excrementos e vídeos de sexo gay e bizarro
no apartamento de Euronymous.
(Se é verdade a história da ida de
Euronymous à vidente, tornou-se então uma profecia autorrealizável.)
Num processo rápido, que mobilizou
a mídia (norueguesa e europeia) como nunca antes no metal extremo, Vikernes foi
condenado a 21 anos de prisão por homicídio em primeiro grau, posse ilegal de
armas e explosivos e por ter colocado fogo em três igrejas (o que ele nega até
hoje). Snorre pegou 8 anos por cumplicidade no homicídio.
Ironicamente, em maio de 1994, o
Mayhem finalmente lançou seu aguardado álbum De Mysteriis Dom Sathanas, com Euronymous e Snorre (creditado como
Blackthorn) nas guitarras e Varg Vikernes (como Count Grishnackh) no baixo. A cena do crime completa num dos discos mais
influentes da história do black metal. Na bateria, o remanescente Hellhammer (até
hoje na banda). As letras? Dead, num estilo mórbido e obscuro. E, para os vocais, o húngaro Attila Chsihar, do
influente Tormentor, com estilo bastante peculiar de cantar. Sem dúvida um grande resumo da época, com canções que mostravam a evolução das ideias musicais de Euronymous.
A família de Euronymous teria
pedido a Hellhammer que retirasse a gravação do baixo de Varg, mas, embora
prometido, isso não foi feito. O que ocorreu, de acordo com as versões-demo do
disco (ainda com Dead nos vocais) que circulam pela rede, é que o baixo teve seu volume reduzido apenas.
Com tudo isso, o filho mais
horrendo do metal já não era exclusividade do underground, pertencia agora ao
mundo, seria parte da [sub]cultura pop dali em diante. Porém, enquanto sua face
mais visível galgava o mainstream, outros tentáculos se espalhariam em novas
manifestações ainda mais extremas e anticomerciais (porém sem – muitos –
crimes).
2 comentários:
Excelente sua resenha do Black Metal e bem coerente.
bem legal.... me lembro dessas informações chegando deturpadas ao Brasil... comprei o ASKE (EP Vinil) e o Hvis Lyset Tarr Oss nos seus lançamentos.
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