terça-feira, 12 de agosto de 2014

Siempre igual: los que no pueden más se van.

How many like him
Are there still
Who to us all
Seem to have lost the will
They lie in thousands
Lank and lost
Is nothing worth this bitter cost.

(Judas Priest, Beyond The Realms Of Death)


Robin Williams. Antes dele Fausto Fanti. Antes, Champignon e Tony Scott, além de Chorão e Philip Seymour Hoffman, de certa forma (na chamada ‘existência tóxica’, deliberadamente autodestrutiva). E tantos outros, famosos & anônimos, antes, durante e, certamente, depois. Quase todo mundo tem caso de suicídio (ou tentativa de) na família ou entre os amigos, a maioria das pessoas já pensou em tirar a própria vida em algum momento.

E as reportagens ocas são sempre iguais, as teorias das pessoas sempre as mesmas. Enquanto o suicídio for tratado como tabu pela imprensa – que evita tocar no assunto por medo de incentivá-lo –, continuaremos fazendo questionamentos tolos como “nossa, mas ele tinha tudo” ou “mas por que ele não procurou os amigos”, resumir o problema, que é de saúde pública, à falta de dinheiro, deuses, companhia. Pessoas com depressão, com ou sem vícios, precisam de tratamento psiquiátrico e psicológico. Todo o resto é papo-furado de quem fala sem conhecer nem entender.

E, ao contrário do que se costuma dizer, não creio que estejamos mais doentes. Mesmo com as agruras e neuroses da vida (pós-)moderna, e com o excesso de diagnósticos e medicamente, creio que os erros e abusos não superem o tanto de gente que possa se tratar hoje, e que não podia antigamente. As pessoas sempre se mataram, em todas as sociedades em todas as épocas. Cometendo o delito de citar a mim mesmo (texto de 2005):

“Artistas, governantes, índios, cidadãos, jovens, idosos, doentes, sãos, alcoólatras, esquizofrênicos, ricos, pobres, crentes e descrentes, todos se matavam. Ateus se matavam mais do que crentes. Homens se matavam mais do que mulheres. Adultos se matavam mais do que crianças. Brancos se matavam mais do que negros. Pobres se matavam mais do que ricos. Esquimós doentes se afastavam da família e deixavam-se morrer. Astecas se ofereciam em sacrifício aos deuses. Em Uganda, as mães se matavam caso os filhos morressem. Na China, muitos soldados se matavam antes da batalha, para que suas almas lutassem com o exército. Samurais e soldados japoneses se matavam. Nativos da América atiravam-se do alto de penhascos para não serem capturados pelos espanhóis. Escravos africanos enforcavam-se nos porões dos navios negreiros. Os primeiros cristãos deixavam-se prender nas perseguições. Na Bíblia, Saul, Abimeleque, Judas, Aquitofel e Sansão cometeram suicídio.”

Este texto é mais um desabafo do que reflexão sobre o tema. Mais uma vez, é a tentativa de tradução de uma perplexidade, de um desânimo de quem vê e lê sempre as mesmas digressões vazias, enquanto os mortos vão se empilhando, e marcando gerações familiares e grandes círculos de amigos com imensos traumas, manchas escuríssimas que não raro façam que o ato extremo se repita com as pessoas próximas aos que já deram cabo da própria vida.

Precisamos urgentemente tirar esses cadáveres debaixo do tapete, discutir o problema a sério, encará-lo de frente, como a única grande questão filosófica de nosso tempo, como disse Camus. Ou nossos entes queridos continuarão a se matar, e nós continuaremos sem entender.


O suicídio foi construído durante toda a vida do indivíduo, nos seus grupos de pertencimento – a família, a escola, o trabalho, etc. – embora no final caracterize um momento psicótico, isto é, o indivíduo percebe-se como outro e outro sem significado. Portanto é no indivíduo e fora dele que vamos buscar as razões dessa desrazão. E talvez seja por isso que o suicídio abale tanto as pessoas próximas do indivíduo que cometeu o ato. É como se esse ato denunciasse o fracasso do investimento social que foi feito nesse indivíduo, que nega de modo radical tudo isso e aponta o fracasso de seus grupos.

(Eduardo Kalina e Santiago Kovadloff, As Cerimônias Da Destruição)

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