terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Sons, palavras, são navalhas (I de II)

Minha lista internacional de coisas mais legais ouvidas reflete certo desinteresse atual por música convencional; tenho ouvido mais post-rock instrumental e as bordas do metal extremo, os post-atmospheric-folk-black-gaze, que desafiam muitas convenções musicais. Inclusive tive que dar umas pesquisadas para ver o que saiu de bom musicalmente fora desse universo mais ‘climático’ – até porque muito do que tenho ouvido não é necessariamente lançamento, mas sim algo novo para mim, uma descoberta, e é o que importa, né?, em arte, a sua vez de experimentar.

Mas não dá pra deixar de mencionar que o Iron Maiden fez The Book Of Souls, seu melhor disco em 25 anos [desde No Prayer For The Dying], épico, pesado e bem feito; entra na lista por ser uma banda da qual eu já não esperava nada, apesar de curtir muito. É o primeiro disco deles desde a volta de Bruce sobre o qual não penso “era melhor o cara ter ficado na carreira-solo”.


[Ouça: The Red And The Black]



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E o Faith No More?, que retornou com um disco redondinho, Sol Invictus, mais pop que se esperava dele, mas ainda soando atual, necessário, digno. Não é nem o funk metal do início, nem a esquizofrenia moderna de quando Mike Patton dominou a banda, mas é uma obra bem sólida.



[Ouça: Separation Anxiety]



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O noruegs Enslaved vem cada vez mais próximo da perfeição a cada disco, numa longa ascendência, mas desta vez, com In Times, eles parecem ter olhado no olho de Odin, com melodias intrincadas e belíssimos vocais limpos perfeitamente entremeados com o peso do black metal norueguês. 





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Menos técnico e melódico, mas igualmente intrincado, muitas vezes sufocante, o também nórdico Dødheimsgard, que já passou do black metal tradicional/épico para o norsecore-motosserra e para uma versão moderna com toques eletrônicos, lançou este opus avant-garde/experimental, A Umbra Omega, burlesco e macabro como uma mistura entre Arcturus e Thorns, progressivo & jazzístico, solene, uma ambiciosa música de câmara – mortuária.


[Ouça: The Unlocking]

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Os japoneses malucos do Sigh também são obrigatórios em qualquer lista de melhores sempre que lançam álbum, uma vez que a mistura de black/thrash metal com j-pop, heavy tradicional, jazz e eletrônico, às vezes tudo ao mesmo tempo, é sempre imperdível, então Graveward é mais uma boa mostra do quão amplo é o horizonte dos extremos da extremidade musical.



[Ouça: The Trial By The Dead]
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Falando sobre mostras ao público, este New Bermuda do Deafheaven (da sempre surpreendente cena americana de USBM) foi bem menos incensado pela crítica do que o debute Sunbather – que pra mim é bem comum e só serviu para apresentar o black metal moderno a um público maior (não que isso seja pouco), não acostumado a esse tipo de experiência sonora intensa, mas que achou interessante um bando de hipsters tocarem aquela barulheira toda. Mas este disco, ainda que não seja nenhum clássico (os riffs, por exemplo, seguem meio fracos), já aponta para novos caminhos, como os interlúdios semiacústicos aparentados do post-rock, em canções que se desenvolvem sem pressa.




[Ouça: Luna]
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Mantendo esse tem da apresentar universos extremados a não-iniciados temos o nova-iorquino So Hideous com Laurestine, disco de post-metal/shoegaze que é meio como viver: desesperado, barulhento, ora apenas caótico, hora por demais emotivo, mas sempre intendo, ao ponto da exaustão, quando vê interstícios de calmaria pra você tomar fôlego e viver/ouvir mais. Não está entre os melhores discos que já ouvi, mas é coerente dentro desta lista.


[Ouça: Yesteryear]

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Saindo do lado barulhento da força, direto pro Arizona, o Calexico lançou um disco redondinho com seu ‘indie-folk tex-mex’ (sim, parece horrível, mas o resultado é ótimo), Edge Of The Sun, que parece remeter ao mesmo tempo a Jorge Drexler, Grateful Dead, Gram Parsons, Wilco e Travis, mas ainda assim soando com cara própria. 




[Ouça: Falling From The Sky]
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Ainda na seara folk/country, temos o ótimo e inesperado (pelo menos pra mim) Sing Into My Mouth, álbum de covers bem variado do Iron And Wine, caipira da Carolina do Norte, em parceria com Ben Bridwell, do Band of Horses. De tanto folk de condomínio assolando a humanidade, eu tinha até medo de ouvir ‘novidades’ de folk, mas achei o moço Iron And Wine digno da tradição de Simon & Garfunkel, no trabalho de violões e vocais.


[Ouça: No Way Out Of Here (cover de Unicorn)]

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A melhor coisa internacional lançada neste ano que ouvi? Ellipsism, o post-rock (quase todo instrumental) boliviano do Enfant. Deve ser a primeira coisa boliviana que ouço na vida (flautinhas tocando Let It Be e My Heart Will Go On no Centrão não contam). É uma obra inquieta, às vezes transmitindo vazio, às vezes parecendo preencher tudo que há. O som vai, vem, ora torto, ora melódico, sem pressa de distinguir peso e melodia ou apontar seus caminhos, mas é sempre surpreendente, de muito bom gosto, com ocasionais pinceladas regionais, de você se pegar ouvindo e pensar “como é bom isto existir e eu poder ouvi-lo”. Quintessencial.


[Ouça: o disco inteiro, de uma vez]


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Menções honrosas para Extinct, melhor disco do lusitano Moonspell em muitos anos, com perfeito equilíbrio em seus elementos básicos – black, doom, gótico, pop, eletrônico e eventuais nuances mouras, e o Live At Roadburn¸ que encerra o belíssimo projeto francês de post-black-gaze Les Discrets, um álbum de raríssima beleza e intensidade, de elevar o espírito.

[Aqui tem a seleta de discos nacionais.]

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