segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Confesso que ouvi (II de III)

Após a lista internacional, vamos o que topou de melhor com os meus ouvidos aqui na Terra de Santa Cruz.

NACIONAIS


Consertos em Geral [Manoel Magalhães]
Eu vi a capa e falei “ah não, mais um sub-hermanos, num dou 10s pra eu tirar esse disco e xingar”. Bom, de fato, é um hipster barbudo com terno de brechó e violão de náilon; é carioca, mas tem ecos do som ‘centro expandido sensível’ que infestou também São Paulo, e provavelmente do Oiapoque ao Chuí. Sim, tem aquelas letras que você nunca sabe se são certeiras ou simplórias; sim, tem a voz calma e sensível do Camelo, tem os metais da banda dele, tem a vontade doida de ser o Caetano do Leme. Porra, mas, com tudo isso, o disco é bom, é muito legal, provavelmente o disco nacional que mais curti ouvi neste ano. Não conhecia Manoel Magalhães, não sei de onde ele vem [além do RJ], nem aonde ele vai, porém, ele usa essas influências, e provavelmente tudo que ele ouviu na vida – Erasmo, tropicália, Beatles, pop-rock 80s, Skank, Clube da Esquina... e tudo se encaixa, a voz suave, as canções sem pressa, os dedilhados de violão, as guitarrinhas melódicas, tudo feito com bastante certeza.
Ouça: Fica




Fundação
[E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante]

Confesso que já gostei do EATNMPTD mais pelo pela potência do que pelo ato: uma banda paulistana de post-rock, na época [2014?], me fazia relevar, que, fosse no disco, ou fosse ao vivo, era legal, mas nada extraordinário [e o nome da banda me encanta(va) também]; fui vendo shows, vendo shows, saiu disco, saiu EP, mas este disco novo, embora não transmita o poder que a banda tem no palco atualmente [mas tudo bem, pior quando é o contrário, né?, banda boa de disco e decepcionante no show] já mostra claramente segurança e maturidade, apontando pra mais caminhos que a seara Mogwai-Explosions de dedilhadinhos x barulheira: tem uns grooves, tem metais, tem coisas mais pop, tem até um refrão repetido ‘feito mantra’ na última música. Divertido e, sobretudo, promissor.
Ouça: Karoshi
   


OK OK OK
[Gilberto Gil]

Gilberto Passos Gil Moreira, do altíssimo de seus setenta e seis anos, não precisa provar nada pra ninguém, inda mais pra mim, né. Tampouco eu precisei fingir interesse por tudo que ele fez desde o Realce [1981], quando passou a flertar com coisas funestas como [mais] reggae [acho um desperdício um violonista com ele passar décadas tocando guitarrinha em arranjos nheco-nheco], tecnopobre e gírias de tiozão pagando de antenado, até o lindão Luminoso, de 2006. Mas, neste lançamento, o nome é bem apropriado: após flertar com doença, velhice, morte, devido a problemas renais, nos últimos tempos, ele vem com um disco irregular, mas bem digno: quando adquire tons mais reflexivos [nunca sombrios ou fatalistas], analisando seus momentos recentes, alcança grandes momentos; nos momentos mais, digamos, ‘bobos’, mantém a dignidade, não compromete. Disco gostoso de ouvir, deixa aquele sorriso bonito igual ao do próprio Gilberto.
Ouça: Ouço



Pentimento [Odradek]
Post/math rock, direto de Piracicaba, com nome advindo de uma criatura de conto kafkiano [Os Cuidados De Um Homem De Família, de 1917], num caminho perdido que não é nem o ensolarado Totorro, nem o resto de pesadelo do Máquinas. Pelo que li por aí, ‘pentimento’ [‘arrependimento’, em italiano], é a alteração de um quadro durante o processo de pintura, o que deixa marcas na obra final, esse processo de mudança de ideia fica visível a olhos de especialistas. E isso tem muito a ver com o universo sonoro que a banda escolheu, onde tudo é sempre inesperado, quebrado, e tudo pode se desmanchar de uma hora pra outra. Não vai mudar sua vida, especialmente se você já é íntimo desse tipo de som, e nem é algo pra ficar ouvindo toda hora – tem que estar no clima ‘ordem na desordem’ [ou o contrário, sei lá] exigido, pois até as letras e os vocais são ~muito pouco usuais~, mas é tudo muito competente. Fiquei bem curioso para vê-los ao vivo.
Ouça: Curta Os Meus Medos E Anseios, Depois Curta Os Seus Em Silêncio



Saudade - O Corte 腹切り [Ventre]
Pena que, finalmente livre do loshermanismo vocal, e ainda mais próximo das dissonâncias do Gram, ou das paredes de guitarra do Violins, por exemplo, além dos climas d’E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante [com quem fizeram ótimos shows anos passado], a banda decida lançar este EP para anunciar um hiato. Sem grandes destaques, porém, não é demérito, longe disso: os climas vão se alternando, com maturidade e coerência, fossem uma só canção. Tem peso, melodia, boas letras, e tudo bem tocado e bem produzido. Que retornem logo, ou ressurjam logo, com projetos tão legais quanto este.
Ouça: Pulmão/Alfinete




Menções honrosas pr’A Era Do Vacilo [Violins], que, se não alcança a excelência difícil de ser superada de Direito de Ser Nada [2013], pelo menos não é decepcionante ou pouco inspirado como as duas últimas incursões musicais de Beto Cupertino [o projeto Tonto e seu disco solo], mantendo o interesse com boas letras, melodias honestas e a voz sempre belíssima do bandleader, e pro lindão, sincerão e comoventão Amor É Isso [Erasmo Carlos], que, com seus setenta e sete anos, segue tendo como único erro na carreira ter dado tanto cartaz pro tal do Roberto lá, e segue criando e produzindo, e seu novo trabalho é digníssimo, gostoso de ouvir e tem participações de Camelo e Emicida que caem muito bem nas respectivas faixas.




Confesso que, não só de rap, ouvi pouca coisa nova nacional [e, disso, não teve muita coisa que me interessou], por motivos de SEI LÁ, então esta segunda parte da seleta musica de dois mil e dezoito vai ficar mais curta que as outras, contamos com a compreensão da audiência, aguardem a terceira e última parte que a secção sudaca estará o puro creme da latinidad.

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