quinta-feira, 7 de junho de 2007

Souvenirs

Conforme divulgado no site oficial da banda (e confirmado em seu myspace), Anneke van Giersbergen está deixando o The Gathering, rumo à carreira-solo.

Os motivos alegados, por ambas as partes, são os de sempre (e com a costumeira polidez): novos horizontes musicais, diferenças artísticas, vontade de mudar de ambiente, etc. Enquanto a moça já tem um novo projeto, a banda buscará outra vocalista e seguirá a carreira.

O que isso significa? Bem, pra música de massa no mundo todo e pro público médio consumidor de cultura pop, nada vai mudar. A banda tinha um estilo difícil de ser rotulado e não tinha grande base de fãs na maioria dos continentes. Mas, macrocosmo à parte, faz uma diferença desgraçada pra mim imaginar o mundo sem a combinação Anneke + The Gathering. Tá certo, ela não morreu, a banda não acabou, ambas as parte têm projetos e tudo seguirá com provável criatividade e qualidade. Além disso, as obras já concretizadas estão aí, por toda parte, prontas para serem ouvidas (eu mesmo tenho aqui todos os CDs, bootlegs e até um DVD duplo).

Mas é um pedaço de mim que fica para trás, sinal dos tempos, de que as coisas vão passando, mudando, acabando. A arte que abraçamos para que a vida nauseante e cheia de existência não nos destrua.

Nem parece que faz dez anos que ouvi Nighttime Birds pela primeira vez, num final de domingo, nas ondas da Brasil 2000 FM com o clássico Backstage (apresentado pelo gordo sem-graça Vitão Bonesso). Tempos em que a internet não servia pra quase nada e pra descobrir bandas novas só havia esse programa, as revistas (e os fanzines) especializados, os amigos lojistas da Galeria do Rock.

Lembro-me de, no sábado seguinte, ir a Galeria, pegar o CD e levá-lo assim que o mal-humorado lojista (mas gente-boa) colocou a primeira faixa pra tocar (On Most Surfaces).

Creio que há a possibilidade de eu ter ouvido Nighttime Birds numa coletânea da Century Media que veio como CD-bônus junto com o A Dead Poem, do Rotting Christ.

Talvez a música ouvida tenha sido Strange Machines (versão ao vivo). Mas não importa. Desde sempre era Anneke.

Importam as canções, o sentimento transcendental de abrir aquele encarte, com sua borboleta, seu tornado, suas folhas, pegar o CD cheio de constelações desenhadas e sair do corpo ao som de Kevin’s Telescope, minha predileta durante muito tempo, e cujo sabor especial se mantêm até hoje.

Valem – e muito – as vivências do final da adolescência que tiveram The Gathering como trilha sonora sentimental. Têm valor inestimável as pessoas relacionadas com as canções. E até a camiseta que mandei fazer com uma foto da Anneke. Tudo é válido.

The Gathering já existia antes dela (houve dois discos com vocal masculino, mais voltados ao doom-metal) e continuará daqui por diante (pelo menos o ótimo instrumental se manterá). Mas como imaginar outra pessoa cantando You Learn About It, Broken Glass ou In Motion #1?

Não era daquelas bandas pelas quais você faz campanha para que todas ouçam. Creio que não há como não gostar, mas, por outro lado, não consigo descrever o sentimento, o enlevo, às altitudes estelares a que as canções deles me levavam, levam e levarão.

Como toda relação, eu mudei, a banda mudou (de doom atmosférico até um rock alternativo psicodélico mas ainda doomy); estranhei a mudança, fiquei tempos sem ouvi-los, até compreendê-los. E carrego comigo a grande agonia de não tê-los visto ano passado aqui no Brasil, por falta de dinheiro.

Não pela vida ser como é, mas pelas coisas estarem como estão. Mas, em algum universo paralelo, eu fui ao show, e há um momento em que estou eternamente vendo-os e ouvindo-os ao vivo. A arte é perpétua, eterna, perene. Anneke, transcendental.