sábado, 28 de fevereiro de 2009
Dia Anterior
A vida sempre acaba, e não é uma vez só. É como se tudo que fizessemos embolorasse logo depois, fazendo que com esquecêssemos do gosto do que comemos. Fica só a lembrança daquele cheiro de mofo e aquela aparência decrépita, de coisa passada do ponto, de oportunidade perdida, coisa mal aproveitada. Por que eu bebo a vida mesmo? Afasta de mim! A vida acaba ficando meio janta requentada, café de vó (muito doce, fraco e escaldante), pão amanhecido. Você já não sentiu ressaca da existência? Os dias vão passando e parece que a cerveja sempre acaba, e nas horas improváveis, quando a adega do bairro já fechou. A esperança é um engradado vazio, só decepção e inutilidade. Você está faminto, pega o pão e não há fatias o bastante de salaminho para preencher o sanduíche. Coito interrompido, banheiro sem papel, festa só com vodca barata, visita da sogra. A existência é o óbvio desagradável, a surpresa de má-fé, a surpresa perversa. É despertar continuamente dos sonhos bons. Ano inteiro de quarta-feira-de-cinzas. A vida é sempre o dia anterior.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Tr00 be or not tr00 be
O mundo, definitivamente, não é mais tr00. Foi-se o tempo em que se trocavam fitas K7 (cópias das cópias das cópias), camisas de manga longa de bandas desconhecidas eram feitas sob encomenda, fanzines eram mandados pelos Correios, contatos eram feitos por carta-social, moleques eram intimados por vestir determinadas bandas e a Galeria do Rock era um antro de podridão onde metaleiros fedegosos arrumavam briga, consumiam drogas (e não estou me referindo às coxinhas peludas e esverdeadas do boteco) e corriam risco de morte nas escadas rolantes quebradas.
Hoje o mundo é outro: não adianta dizer “não passo som pra prego”, pois tudo está disponível na internet. Cartas, fanzines e fitas K7 são relíquias de passadistas. A Galeria tem elevadores, um bar novo, ambiente familiar, seguranças, plantas e lugar pra sentar.
Se você for intimar alguém, vai ter que pedir pra mãe dele, que provavelmente estará ao lado. Os emos são maioria. Os headbangers devem até tomar banho. Tem saldão de CDs do Burzum e do Emperor.
Alguém precisa tomar uma atitude.
Como ficam os valorosos guerreiros do metal que fizeram amizades pela seção de correio da Rock Brigade, gastaram fortunas em CDs importados da Noruega, têm bootlegs do Amen Corner e vinis do Bathory, fizeram uma força danada pra tentar gostar dos blips, tóins e teclados de churrascaria do H418ov21.C,do Beherit, ou de qualquer coisa do Neptune Towers, e passaram horas tentando distinguir se aquele som de besouro era chiado da fita ou a guitarra da primeira música no split Darkthrone & Mayhem (o inacreditável The True Legends In Black)?
Pois eu vou comprar uma daquelas lojas de peruca da Galeria e fazer a inefável The Tr00 Store, uma loja para os verdadeiros bárbaros pagãos do metal negro. Uma catacumba musical que fará a Helvete, do Euronymous, parecer a Daslu.
Os funcionários, que serão recrutados com base no histórico de profanação de cemitérios e queima de igrejas de cada um, deverão usar corpse-paint + couro + tachas + armas medievais, e usar pseudônimos como Necroskullchruser ou ImpalerBlasphemerMutilator, dividir-se-ão nas tarefas “ficar na porta intimando os passantes” (“Vai comprar ou não? ‘Cê conhece esse som ou é um falso que vai sujar a cena underground? Qual o nome da mãe do Nocturno Culto?") e ficar de braços cruzados atrás do balcão, com cenho franzido, fingindo que está lendo Nietzsche ou algumas runas vikings (o máximo que os funcionários devem dizer uns aos outros é “Hail!”), com o som ambiente tocando remixes de 90min para músicas do Abruptum e do MZ-412 em loop, no último volume, inviabilizando qualquer tentativa de conversa e causando náusea, dor de cabeça e convulsões em qualquer falso que permanecer mais de três minutos na loja. Só serão vendidos K7s ("Artefatos!"), camisetas de bandas ("Hordas!") do interior da Transilvânia e fanzines mimeografados, a preços escorchantes. O logotipo deverá usar letras horrorosas e disformes, acrescido de quantos pentagramas e quantas cruzes invertidas forem necessárias até que o conjunto seja absolutamente incompreensível.
E as perucas da loja antiga? “Escalpos de cristãos”, ora.
Será que meu empreendimento terá sucesso?
Stay tr00.
Hoje o mundo é outro: não adianta dizer “não passo som pra prego”, pois tudo está disponível na internet. Cartas, fanzines e fitas K7 são relíquias de passadistas. A Galeria tem elevadores, um bar novo, ambiente familiar, seguranças, plantas e lugar pra sentar.
Se você for intimar alguém, vai ter que pedir pra mãe dele, que provavelmente estará ao lado. Os emos são maioria. Os headbangers devem até tomar banho. Tem saldão de CDs do Burzum e do Emperor.
Alguém precisa tomar uma atitude.
Como ficam os valorosos guerreiros do metal que fizeram amizades pela seção de correio da Rock Brigade, gastaram fortunas em CDs importados da Noruega, têm bootlegs do Amen Corner e vinis do Bathory, fizeram uma força danada pra tentar gostar dos blips, tóins e teclados de churrascaria do H418ov21.C,do Beherit, ou de qualquer coisa do Neptune Towers, e passaram horas tentando distinguir se aquele som de besouro era chiado da fita ou a guitarra da primeira música no split Darkthrone & Mayhem (o inacreditável The True Legends In Black)?
Pois eu vou comprar uma daquelas lojas de peruca da Galeria e fazer a inefável The Tr00 Store, uma loja para os verdadeiros bárbaros pagãos do metal negro. Uma catacumba musical que fará a Helvete, do Euronymous, parecer a Daslu.
Os funcionários, que serão recrutados com base no histórico de profanação de cemitérios e queima de igrejas de cada um, deverão usar corpse-paint + couro + tachas + armas medievais, e usar pseudônimos como Necroskullchruser ou ImpalerBlasphemerMutilator, dividir-se-ão nas tarefas “ficar na porta intimando os passantes” (“Vai comprar ou não? ‘Cê conhece esse som ou é um falso que vai sujar a cena underground? Qual o nome da mãe do Nocturno Culto?") e ficar de braços cruzados atrás do balcão, com cenho franzido, fingindo que está lendo Nietzsche ou algumas runas vikings (o máximo que os funcionários devem dizer uns aos outros é “Hail!”), com o som ambiente tocando remixes de 90min para músicas do Abruptum e do MZ-412 em loop, no último volume, inviabilizando qualquer tentativa de conversa e causando náusea, dor de cabeça e convulsões em qualquer falso que permanecer mais de três minutos na loja. Só serão vendidos K7s ("Artefatos!"), camisetas de bandas ("Hordas!") do interior da Transilvânia e fanzines mimeografados, a preços escorchantes. O logotipo deverá usar letras horrorosas e disformes, acrescido de quantos pentagramas e quantas cruzes invertidas forem necessárias até que o conjunto seja absolutamente incompreensível.
E as perucas da loja antiga? “Escalpos de cristãos”, ora.
Será que meu empreendimento terá sucesso?
Stay tr00.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
O unfollow é a serventia da casa
A moda agora são posts de "blogueiros formadores de opinião" (leia “palpiteiros almost famous”) dizendo o que é certo e errado na twittosfera (inventei agora): siga fulano, não siga beltrano, não prolongue as conversas, linque isso, não linque aquilo, aumente seus seguidores assim, não saia adicionando todo mundo por isso ou aquilo, preencha seu profile, coloque uma imagem estilosa, veja quem são os twitteiros influentes, saiba tudo sobre a Campus Party (“eu vou e você não”),vejam como tem um monte de gente me seguindo e não sigo ninguém, acessem meus linques para posts pagos e notícias de segunda mão, e por aí, infelizmente, vai.
Isso aconteceu com os e-mails, com os blogs, com os flogs, com o orkut; sempre tem alguém querendo ditar regras, criar tendências, decidir (pelos outros) quem é legal e quem não é.
Além de ser uma coisa extremamente jeca (pior que as dicas que ninguém pediu, só as mensagens blasê indefinidas do tipo “tem gente que pede um unfollow”), isso é a antítese da liberdade que a internet traz. Cada um que faça o que quer, sem esse tipo de patrulhamento ridículo que acaba sendo bem pior do que o comportamento supostamente impróprio das pessoas que são alvo das críticas.
Usei BBS em 1995 e navego na internet desde 1996; tenho blog desde 2001 e nunca segui nenhuma tendência, fosse de moda ou de antimoda (que dá na mesma); nunca utilizei imagens, por achar que minha prioridade é o texto, e jamais quis ser uma pseudocelebridade virtual ou blogueiro profissional. Quem gosta, que me acompanhe; quem não gosta, ou quem enjoa, simplesmente me deixa.
É assim que faço, sem alardes tolos.
Servimos mal para servir sempre.
Isso aconteceu com os e-mails, com os blogs, com os flogs, com o orkut; sempre tem alguém querendo ditar regras, criar tendências, decidir (pelos outros) quem é legal e quem não é.
Além de ser uma coisa extremamente jeca (pior que as dicas que ninguém pediu, só as mensagens blasê indefinidas do tipo “tem gente que pede um unfollow”), isso é a antítese da liberdade que a internet traz. Cada um que faça o que quer, sem esse tipo de patrulhamento ridículo que acaba sendo bem pior do que o comportamento supostamente impróprio das pessoas que são alvo das críticas.
Usei BBS em 1995 e navego na internet desde 1996; tenho blog desde 2001 e nunca segui nenhuma tendência, fosse de moda ou de antimoda (que dá na mesma); nunca utilizei imagens, por achar que minha prioridade é o texto, e jamais quis ser uma pseudocelebridade virtual ou blogueiro profissional. Quem gosta, que me acompanhe; quem não gosta, ou quem enjoa, simplesmente me deixa.
É assim que faço, sem alardes tolos.
Servimos mal para servir sempre.
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