segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Sein-zum-Tod
Pegou aquele Dia de Finados, meio cinzento, silencioso e, sobretudo, solitário – havia mais morte dentro de si do que em todos os cemitérios juntos, para uma insólita aventura: visitar alguns velórios de pessoas desconhecidas. Infiltrar-se como se fosse um conhecido só do morto, um parente distante daqueles que só aparecem em tais ocasiões, e procurar, na listagem à Administração, um nome que lhe fosse simpático. Daí era só se aproximar, com suas roupas casuais, discretas, sua fala monocórdia e seus gestos educados. Adentrava, olhava bem o defunto, tentava alguma empatia com aquela coisa rígida e amarelada, coberta de flores e impávida. Depois consolava a família mais próxima sob a luz das velas e o perfume dos crisântemos. Saía entre as coroas de “saudades eternas” e, após ouvir conversas nas diversas rodas de amigos e familiares que pareciam mais distantes, descobria coisas o suficiente sobre o morto para engatar algumas conversas. O resto era conseqüência, só deixar rolar. Ninguém ali estava em condições de questionar nada, nem ninguém. Quando enjoava, saía em silêncio e ia a outra sala, depois a outro cemitério. Enterros não lhe interessavam, a coisa era mais desbragada, menos solene, os gritos de desespero, o descaso dos coveiros, nada sutil. Queria a sintonia fina do interstício entre a morte e a morte além da morte. E, sobretudo, achava interessante alguém morrer justo no Dia dos Mortos, um clichê que, por sua ironia, não deixava de ser amargamente engraçado.
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