segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ouça-me bem, amor (II de II)

A fabulosa, incrível e magnânima lista dos discos internacionais lançados em 2014 que mais curti [não está em ordem de preferência].A Better Tomorrow (Wu-Tang Clan)
Deve ser o álbum de rap com som mais bonito que já ouvi. Nada desses bolos-fofos superproduzidos atualmente (aqui e lá fora), é sonzêra consistente, com banda & samples harmoniosamente, porém, também com bastante peso. Confesso que nunca tinha ouvido um disco deles antes, apenas música soltas. Não sei como este disquinho se enquadra na obra deles, se é relevante, se é coerente, mas sei que gostei muito e ouvi-lo, por isso está aqui.
Ouça: Ruckus In B Minor




Atlas (Real Estate)
Beach Boys, Simon & Garfunkel, The Byrds... se folk rock ensolarado e melódico, com guitarras de doze cordas e vocais angelicais, com leve glacê psicodélico, é sua praia, o terceiro disco desde trio entre New Jersey e Brooklin vai te agradar em cheio. Maduro, classudo e sem pressa. Combina com verão, cerveja draft, rede no quintal e soneca depois do almoço.
Ouça: The Bend





Bailar Em La Cueva
(Jorge Drexler)
Mais estritamente latino do que seu trabalho habitual (que bebe tanto de Tropicália quanto de Radiohead), mas segue com a consistência e coerência de sempre, ainda que com um pop menos convencional (mesmo que letras e músicas estejam mais diretas e concisas). Pra ouvir sem medo. E sim, tem Caetano Veloso.
Ouça: Universos Paralelos



Carrion Skies (Fen)
Talvez o disco anterior, Dustwalker (2013), seja ainda melhor, mas o post-black metal destes ingleses segue antenado com o que rola de mais moderno no metal extremo, seja nas ambientações pesadas do Wolves In The Throne Room, seja nos vocais etéreos do Les Discrets, seja nas psicodelias progressivas do Enslaved atual. Tudo isso com personalidade própria. É um disco que te puxa para o mundo dele, que fica até difícil de escapar depois.
Ouça: The Dying Stars



Fimbulwinter (Satanic Warmaster)
De repente, estes finlandeses, famosos por fazerem discos subproduzidos, toscos mesmo (o que era uma pena, pois as melodias eram geralmente boas), surgem com este disco redondinho e bem feito. A boa produção só valoriza o peso das músicas, que despejam riffs em trêmolo (no desespero típico das bandas NSBM), que só dão descanso nas eventuais intervenções de teclado.
Ouça: When Thunders Hail






Home Alone (Totorro)
Não sei muito sobre estes rapazes franceses com cara de hipster, pois conheci a banda por acaso, fuçando no YouTube, mas foi uma das melhores surpresas musicais deste ano: este disco é viciante. Aparentemente os discos antigos têm mais das ambiências barulhentas do Mogwai dos primórdios, mas este aqui é um belo disco de pop rock instrumental, um Weezer instrumental tocado bem mais rápido.
Ouça: Home Alone




Lost In The Dream (The War On Drugs)

Sabe aqueles discos que parecem inesgotáveis? Este é um. Mesmo as baladinhas mais dylanescas são cheias de nuances, e a cada audição você vai vendo cores que não via antes (não à toa, levou dois anos pra ser feito). Agrada tanto a fãs de Bruce Springsteen quanto de Alcest. Tanto de pop oitentista e folk quando de ambient music dos 1970s ou post-rock. Ora reconfortante, ora melancólico, deve influenciar muita coisa daqui por diante.
Ouça: Lost In The Dream




Once More 'Round The Sun (Mastodon)

Cada vez mais acessível, mas sem perder a identidade. Quase nada resta do sludge-metal dos primórdios, mas o som continua pesado e incessante, numa mistura de prog metal com thrash metal tipicamente norte-americano. Não é o melhor trabalho deles (ainda prefiro Crack The Skye, de 2009, e The Hunter, 2011), mas é o que desce mais redondo, e é ótimo que uma banda tão boa alcance o mainstream, que anda num marasmo só.
Ouça: Ember City



Shelter
(Alcest)


Foram-se o black metal, depois o metal, depois o folk. Hoje o Alcest está quase deixando o rock de lado também: seu shoegazing está mirando o dream pop. Confesso que sinto falta de um pouco de peso, mas ficaria satisfeito se o prolífico inglês Neige lançasse mais coisas de seu outro projeto, Les Discrets, que mantém a pegada antiga. Mas este disco cheio de leveza é um bom companheiro de horas solitárias.
Ouça: Opale




The World We Left Behind (Nachtmystium)

 Taí uma banda que tá sempre um passo à frente: seu black metal tipicamente norte-americano (USBM, grande cena, aliás) vem sendo recheado de psicodelia, eletrônico e jazz nos últimos discos, como os japoneses do Sigh, só de modo mais coeso e menos esquizofrênico. Neste disco, o destaque fica para o tom bem pop de algumas músicas, o que deixa o trabalho acessível, mas odioso como sempre.
Ouça: Fireheart

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Ouça-me bem, amor (I de II)

A fabulosa, incrível e magnânima lista dos discos nacionais lançados em 2014 que mais curti [não está em ordem de preferência].

Amigo Da Arte (Alceu Valença)
Não é o ponto mais inovador na carreira de quem sempre inovou muito o tempo todo – é mais uma mergulho nas tradições sertanejas pernambucanas, numa espécie de revisitada na carreira toda, mas como é bonito e ensolarado esse álbum!, por isso merece estar aqui. Frevos, maracatu, embolada, ponto africano, canto de lavadeira, baladinha rural, forró, afoxé, tudo com glacê pop-rock_mpb, que, mais que pasteurizar, atualiza a coisa toda. Justíssimo para esse gigantesco artista que é tudo isso e mais, com mais colhão que qualquer roqueirinho do Baixo Augusta. É um Carnaval-São João sem fim, ouça com sorriso no rosto.
Ouça: Ciranda Da Aliança


Aliança Hostil (Tonto)
Tá certo que não entendi porque os goianos do Violins fizeram um projeto paralelo sem guitarras, já que alguns teclados emulam distorções das seis cordas, mas se tem as canções e a voz do sempre imprescindível Beto Cupertino, já via pra qualquer disco de melhores. Beleza e suave melancolia (com os teclados ecoando um pouco de Keane) num trabalho bastante maduro, na linha mais serena, digamos assim, que a banda-mãe vinha adotando desde Direito De Ser Nada (2001). “Até beleza, se é sem graça, perde valor”.
Ouça: Comício [com participação da conterrânea Bruna Mendez]


Christ Worldwide Corporation (Amen Corner)

Desde o clássico Jachol Ve Tehila, há quase 20 anos, que estes curitibanos infernais não lançavam um disco tão bom: um EP e dois full-lengths, cada um com uma formação (sempre capitaneada pelo heroico vocalista Paulista) e um estilo diferentes, e nenhum digno dos anteriores. Neste retorno à boa forma, a banda volta a privilegiar o peso em relação à velocidade (nada de trêmolos ou blastbeats), numa tradicional pegada muito mais para Mystifier do que para Mayhem – e, portanto, na melhor tradição do black com toques de death brasileiro 1980s-1990s – com destaque para o sempre excelente trabalho de guitarras, entre o afrontador e o melancólico, que lembram grandes momentos de Jachol... como Black Thorn e My Soul Burns In Hell. E os vocais cheios de ódio, maldade e ressentimento do incansável Paulista, vociferando letras simples e eficazes, completam perfeitamente o festim blasfemo.
Ouça: Mutilated Children Stolen Souls


De Lá Não Ando Só (Transmissor)
Num universo de pop rock suave (às vezes até demais) e melódico em que transitam Ludov (na eletrônica discreta), Pullovers (na limpeza dos timbres) e até Maria Bacana (na voz frágil), o sexteto belo-horizontino, que conheci no (fraco) tributo a Belchior Ainda Somos Os Mesmos, do início do ano (a versão deles para Fotografia 3 x 4 era a única que prestava), vem com esse terceiro disco adicionando mais ecos de Clube da Esquina (e até Guilherme Arantes) à mistura, nas sonoridades etéreas e letras simples. Não vai mudar a vida de ninguém, mas é um bom alívio musical para tardes nubladas.
Ouça: De Lá Não Ando Só


Masao [EP] (Labirinto)
Donos incontestáveis do melhor show brasileiro da atualidade, o magnificent seven paulistano despeja as vastíssimas paisagens desoladas de seu post-drone-doom instrumental, que em questão de instantes pode remeter tanto ao Pink Floyd do Meddle quanto ao Anathema do Pentecost III, neste EP composto de uma única faixa, de 25min, homenageando Masao Yoshida (1955–2013), gerente da usina nuclear de Fukushima, que permaneceu, com sua equipe,  em seu posto de trabalho após o infame acidente em 2001, para tentar conter o desastre. Masao acabou morrendo em 2013, vítima de câncer no esôfago.
Ouça: Masao [versão editada]


Melancolia & Carnaval (Rogério Skylab)
Apesar de haver dito que esse personagem havia se encerrado com o final do decálogo (Skylab I a Skylab X), o inquieto carioca Rogerio Tolomei Teixeira surpreende ao liberar para download mais uma obra sob esse pseudônimo – e pasmem!, um disco de sambas, boleros e baladas jazzísticas, num clima de piano bar cinquentista. A escatologia, a meditação sobre a morte, a decadência humana e a impermanência estão lá, como sempre, mas com a melancolia algo outonal do disco anterior, o ...X. Na verdade, há pouco da visceralidade habitual: no geral as músicas são mais belas e sérias, no sentido estrito. Na maior surpresa do ano, Skylab “vive tranquilamente todas as horas do fim”.
Ouça: Cogito


Miragem (Ludov)
Com o excelentíssimo EP Dois A Rodar (até hoje a obra-prima deles) e o primeiro álbum O Exercício Das Pequenas Coisas tocando na Brasil 2000 e na MTV, com os shows crescendo e lotando, parecia que a banda ia estourar e se tornar grande pelo menos em São Paulo. Sabe-se lá por que, não aconteceu. A banda encolheu pra sobreviver, se fechou num lugar distante do power pop do início, e seguiu caminho no semiprofissionalismo, lançando discos cada vez mais introspectivos e melancólicos, num amadurecimento ante à (provável) frustração: “Essa aventura de partidas e nunca de chegadas | Fiz um mapa pra seguir e me perdi nas coordenadas”.
Ouça: Cidade Natal

Não Existem Civis/A Era Das Chacinas [single] (Eduardo)
Sim, é só um single – o disco duplo A Fantástica Fábrica De Cadáver, disco duplo (!) de estreia do A ex- e eterna voz do Facção Central, Eduardo Taddeo, tinha previsão de estreia para hoje –, mas, em época de disco decepcionante dos Racionais MCs, e da contaminação da cena por tanto rap bunda-mole feito pra tocar de BGzinho no ‘Esquenta’, da Regina Casé, é um alívio reencontrar com bases pesadas e versos que chutam bundas, inclusive dessa baboseira de ‘ostentação’. “Só abaixo minha minhas armas e deixo o combate | Com 90% das vagas das faculdades | Enquanto a representatividade for no índice de finados | Muito Eike vai ter pesadelo com o Eduardo”. Desde já, essencial.
Ouça: Não Existem Civis

Outro Seu (Gram)
Até agora não ranqueei nenhum dos discos, mas este é o grande lançamento do ano. Não é o mesmo Gram: com a saída de Sérgio Filho, foram embora as tonalidades Beatles das baladas de piano. É o mesmo Gram: estão lá as letras doloridas e as guitarras trampadas de Marcos Loschiavo, e agora com a voz visceral de Ferraz. É pesado sem ser caricato. É sensível sem carecer de testosterona. É moderno sem ser hipster. É atemporal sem ser pastiche. Da melancolia agridoce de Condição à catarse de Toda Dor Do Mundo, a melhor música nacional do ano. Bem feito, bem tocado, bem produzido. Vida longuíssima ao novo e eterno Gram.
Ouça: Toda Dor Do Mundo


Rasura (ruído/mm)
Aos quarenta e cinco do segundo, pesquisando sobre algo de que eu não tivesse lembrado, descobri essa joia do post-rock. É o quarto disco desses curitibanos do ruído por milímetro (é assim que se fala), e é simplesmente o melhor disco instrumental brasileiro que ouvi neste ano. Psicodélico na medida certa, fica transitando entre Explosions In The Sky e Pink Floyd, passando por coisas mais esparsas como Jesu (ótimo lugar para se estar, aliás). Pra ouvir durante o tabalho e ficar calminho.
Ouça: Penhascos, Desfiladeiros E Outros Sonhos De Fuga


[Logo mais tem a lista dos discos internacionais, fiquem ligadinhos.]

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Faraway, so close

Anúncio de novo iPhone. Grandes bosta. U2 vai tocar no lançamento. Ah, legal. U2 vai apresentar novo single nesse pocket show. Ah, os singles anteriores não me animaram, mas enfim. Eita porra, U2 tá lançando disco novo, sem aviso prévio, de graça na internet!, alguém baixa pra mim porque eu não instalo iTunes nem fodendo.

Assim foi aquela terça-feira, em que a maior banda de todos os tempos (porque Beatles não conta e porque nenhum outro grupo ou artista se manteve no topo, dando nortes e ditando regras, mantendo a relevância e sendo alvo de discussão, por 38 anos) lançou seu álbum inédito, grátis, numa arriscada jogada de marketing, para 500 milhões de pessoas (e faturando US$ 100 milhões para isso).

Antes de qualquer coisa, claro, veio a síndrome do haterismo indie-hipster: “ainn eles estão invadindo meu iCloud (?) que horror eu não quero essa banda”. Sim, porque faz parte de ser legalzão na internet desgostar de qualquer unanimidade de outrora ou mesmo de agora há pouco. Aquelas coisas de ‘Beatles não era tudo isso, bom mesmo era The Kinks, The Electric Prunes, The Zombies ou qualquer coisa da época’.

Tanto faz se você gosta das músicas que não vão a lugar nenhum do Radiohead, das bandinhas subCamelo do Baixo Augusta que têm vergonha da guitarra ou se excita com coisas realmente decrépitas e constrangedoras como Rolling Stones ou 1/2 The Who, o negócio é dizer que U2 é ruim, que o Bono é chato, e que o último disco bom foi o ________ (insira aqui qualquer coisa antes de 1992).

Obviamente, a chiadeira durou um ou dois dias, o lançamento foi um sucesso, todo mundo tratou de formar opinião sobre o lançamento, mesmo sem ouvir o disco, e é claro que os shows deles aqui, provavelmente no ano que vem, vão lotar novamente, como encheram em 1998, 2006 e 2012, cheio de pessoas que jurarão, anos depois, que bom mesmo era aquela banda do interior da Escócia que provavelmente eles nem conheciam na época.

Para além disso, era ouvir um disco que vinha de singles mais ou menos, sucedendo um disco bem fraco, talvez o pior da banda (No Line On The Horizon, de 2009), que por sua vez sucedia um dos melhores discos dos caras (How To Dismantle An Atomic Bomb, de 2004, seguramente o melhor da década).

Como, coincidentemente, eu tinha começado a ler (sim, com muitos anos de atraso) a autobiografia U2 By U2 – e, até por isso, estava e estou ouvindo a discografia para manter o clima –, todo o contexto da narrativa da banda em todos esses anos estava bem claro em minha mente quando houve o inesperado lançamento de Songs Of Innocence (título que cita William Blake).

Como sempre desde os 2000s, a banda estava buscando origens, raízes; era o U2 voltando pra casa mais uma vez. Desde que saíram da Irlanda rumo a América, e de lá para Berlim, a banda tentava retornar aos primórdios, com discos pretensamente mais simples, como All That You Can’t Leave Behind (2000), ou mesclando quase todas as suas fases no mesmo opus (o já citado How To Dismantle...).

Songs Of Innocence (que, supostamente, precede a continuação Songs Of Experience) é um trabalho em torno da infância de Bono Vox, quando ele era apenas Paul David Hewson. Não por acaso as origens retratadas nas letras já foram espalhadas por todos os discos da banda: a morte da mãe, a difícil relação com o pai, os conflitos político-religiosos na Irlanda, as angústias da juventude, as bandas que fizeram sua cabeça (como The Clash e Ramones), os primeiros shows, a primeira viagem aos EUA.

Muito embora, musicalmente, o disco realmente não acrescente muito – assim como o No Line..., parece ter sido feito em uma semana, o que não é exatamente grave se pensarmos que até 2004 a banda estava em plena forma –, careça de grandes rocks e baladas pungentes, e até parece ter sido mal organizado na ordem das faixas (a ‘curva emocional’ do disco não funciona muito bem), é um disco que não mancha a estrada do grupo, e é digno para uma banda que teve quase 15 anos de auge e não precisa provar mais nada pra ninguém pelo menos desde 1991.

O fato é que, em pleno 2014, uma banda lançar um álbum conceitual, contrariando a indústria (que julgava acabados os discos, em detrimento dos singles, após a consolidação da música digital), e ao mesmo tempo dando norte a esse mesmo mercado (fazendo um lançamento espetacular e imprevisível desse produto tido como anacrônico), mostra que o U2, trinta e oito anos depois, com tantas mudanças de direção e pelo menos três discos que mudaram a música popular e influenciaram tudo que veio depois, continua um passo à frente.

O mundo precisa desse disco?
Não.

Os fãs precisam desse disco?
Talvez.

A banda precisa desse disco?
Com certeza, e é isso o que importa no final das contas.

Que cada passo, decidido ou em falso, continue sendo à procura do que eles ainda não encontraram.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A lifetime of questions

Morreu. Caralho, morreu mesmo. E agora? Morreu. Não pode falar de política hoje. Ou pode? Não pode. Pode. Não pode. Ih, já falaram. Acabei falando também. Tão reclamando de quem tá falando. E de quem não tá. Reclamei de quem tava reclamando. Vai, finge que tá consternado. Não, eu tô mesmo. Ó lá, agora tão falando que ela vai assumir. Ela quem, a esposa? Não, a vice? Não são a mesma pessoa? Não. Já tem gente falando da campanha na tevê. Que horror, não têm respeito? O próprio partido tá pesquisando já. Ih, já tem um monte de texto falando que ele não era meu candidato, mas que lamento muito, etc. e tal. Um montão? Todos mais ou menos iguais. Ah, deixa eles. Liga a tevê que já é o velório. Liguei, liguei. Olha quanta gente. Tão chorando. Tão tirando foto. Tem imprensa, tem político. Que horror, olha a candidata empoleirada no caixão. Nem respeita a viúva. Não é ela ali do lado? Eita, ela mesma. Família toda usando camisetas. Tão distribuindo bandeiras ali no canto, olha. Pode dar risada em velório? Não, né. Não? Ah, só um pouco. Não pode parecer muito feliz. O morto acha ruim? Acho que ele não acha nada, né. Mas a pessoa fica falada. Viu um monte de gente reclamando, tem um monte de texto. Tudo igual. Tudo igual. Na verdade metade falando que pode rir, metade falando que não pode. Faz um reclamando de quem tá reclamando de quem tá reclamando então. Ah, agora já enterraram. Sete palmos de opinião em cima do cara.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Siempre igual: los que no pueden más se van.

How many like him
Are there still
Who to us all
Seem to have lost the will
They lie in thousands
Lank and lost
Is nothing worth this bitter cost.

(Judas Priest, Beyond The Realms Of Death)


Robin Williams. Antes dele Fausto Fanti. Antes, Champignon e Tony Scott, além de Chorão e Philip Seymour Hoffman, de certa forma (na chamada ‘existência tóxica’, deliberadamente autodestrutiva). E tantos outros, famosos & anônimos, antes, durante e, certamente, depois. Quase todo mundo tem caso de suicídio (ou tentativa de) na família ou entre os amigos, a maioria das pessoas já pensou em tirar a própria vida em algum momento.

E as reportagens ocas são sempre iguais, as teorias das pessoas sempre as mesmas. Enquanto o suicídio for tratado como tabu pela imprensa – que evita tocar no assunto por medo de incentivá-lo –, continuaremos fazendo questionamentos tolos como “nossa, mas ele tinha tudo” ou “mas por que ele não procurou os amigos”, resumir o problema, que é de saúde pública, à falta de dinheiro, deuses, companhia. Pessoas com depressão, com ou sem vícios, precisam de tratamento psiquiátrico e psicológico. Todo o resto é papo-furado de quem fala sem conhecer nem entender.

E, ao contrário do que se costuma dizer, não creio que estejamos mais doentes. Mesmo com as agruras e neuroses da vida (pós-)moderna, e com o excesso de diagnósticos e medicamente, creio que os erros e abusos não superem o tanto de gente que possa se tratar hoje, e que não podia antigamente. As pessoas sempre se mataram, em todas as sociedades em todas as épocas. Cometendo o delito de citar a mim mesmo (texto de 2005):

“Artistas, governantes, índios, cidadãos, jovens, idosos, doentes, sãos, alcoólatras, esquizofrênicos, ricos, pobres, crentes e descrentes, todos se matavam. Ateus se matavam mais do que crentes. Homens se matavam mais do que mulheres. Adultos se matavam mais do que crianças. Brancos se matavam mais do que negros. Pobres se matavam mais do que ricos. Esquimós doentes se afastavam da família e deixavam-se morrer. Astecas se ofereciam em sacrifício aos deuses. Em Uganda, as mães se matavam caso os filhos morressem. Na China, muitos soldados se matavam antes da batalha, para que suas almas lutassem com o exército. Samurais e soldados japoneses se matavam. Nativos da América atiravam-se do alto de penhascos para não serem capturados pelos espanhóis. Escravos africanos enforcavam-se nos porões dos navios negreiros. Os primeiros cristãos deixavam-se prender nas perseguições. Na Bíblia, Saul, Abimeleque, Judas, Aquitofel e Sansão cometeram suicídio.”

Este texto é mais um desabafo do que reflexão sobre o tema. Mais uma vez, é a tentativa de tradução de uma perplexidade, de um desânimo de quem vê e lê sempre as mesmas digressões vazias, enquanto os mortos vão se empilhando, e marcando gerações familiares e grandes círculos de amigos com imensos traumas, manchas escuríssimas que não raro façam que o ato extremo se repita com as pessoas próximas aos que já deram cabo da própria vida.

Precisamos urgentemente tirar esses cadáveres debaixo do tapete, discutir o problema a sério, encará-lo de frente, como a única grande questão filosófica de nosso tempo, como disse Camus. Ou nossos entes queridos continuarão a se matar, e nós continuaremos sem entender.


O suicídio foi construído durante toda a vida do indivíduo, nos seus grupos de pertencimento – a família, a escola, o trabalho, etc. – embora no final caracterize um momento psicótico, isto é, o indivíduo percebe-se como outro e outro sem significado. Portanto é no indivíduo e fora dele que vamos buscar as razões dessa desrazão. E talvez seja por isso que o suicídio abale tanto as pessoas próximas do indivíduo que cometeu o ato. É como se esse ato denunciasse o fracasso do investimento social que foi feito nesse indivíduo, que nega de modo radical tudo isso e aponta o fracasso de seus grupos.

(Eduardo Kalina e Santiago Kovadloff, As Cerimônias Da Destruição)

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Olhando para a bola, eu vejo o Sol

Eu sempre soube que a Copa seria demais, que seria um sucesso, e poucas vezes fiquei tão feliz por estar certo desde o início. Jamais escorreguei no chorume despejado pela imprensa (e pelos comentaristas de portal) de que o evento seria uma hecatombe, ou na conversa dos amigos cabisbaixos que achavam que ‘não haveria clima’.

Afinal, mesmo com os desmandos da Fifa, e certas posturas altamente questionáveis do governo brasileiro, eu amo futebol, amo Copa, e não havia a menor possibilidade de eu não achar o máximo tudo isso. Tinha certeza de que, assim que as seleções e os turistas começassem a chegar, os tais ventos copeiros soprariam por estas paragens.

E assim foi: não houve quem não se empolgasse quando esse pessoal chegou. E gente que normalmente só reclama de futebol, e se acha politizadíssimo porque não gosta do nobre esporte bretão, que julgam alienante, lá estavam gritando pelo Neymar, O Júnior.

Até o Fuleco foi libertado da injusta birra que o povo tinha com ele e tornou-se, aos olhos de todos, o que ele é: um mascote muito do maneiro (pena que apareceu tão pouco), e provavelmente o mais simpático desde Pique, a pimenta mexicana de 1986.

Não fui a nenhum jogo: quando havia ingresso, eu não tinha dinheiro, e quando havia dinheiro, não tinha mais ingresso. Vi jogos na tevê de casa, dos amigos ou do trabalho, ouvi alguns pelo rádio quando em trânsito, e descobri na Fan Fest (exceto em jogos do Brasil) um espaço seguro e democrático, com cerveja meio cara, porém bem gelada, em pleno Centrão de São Paulo, para ver os jogos, zoar, cantar e se divertir com turistas de toda parte e paulistanos dando uma escapulida do serviço no horário de almoço (ou passando lá após o expediente).

Falando em turistas, em gringos, estes foram um caso à parte: paulista já se sente meio caipira nessas situações porque, ao contrário do Rio de Janeiro, nosso turismo é essencialmente de negócios (creio que isso vai mudar depois dessa Copa); para mim, cujas experiências internacionais se resumem a Ciudad del Este, Puerto Iguazú e Osasco, ver gente de tantos países, da Índia ao Canadá, passando por Marrocos, Irlanda e Venezuela, além de representantes de todos os países participantes do torneio, os passeios foram algo entre a cantina de Mos Eisley e a Ilha da Fantasia (pacote completo,com Montalbán e Villechaize)
.

E o brasileiro (mesmo com as rusgas, justas e injustas, com os argentinos) reconheceu nos torcedores-turistas latinos a proximidade latina, se reconheceu naquelas pessoas, viu que não somos uma ilha por acaso no meio do Mercosul. E mesmo os aparentemente tão diferentes, como os americanos e ingleses, também beberam, torceram e se divertiram.

Descobriu-se, que, no final das contas, era irrelevante se a seleção brasileira era uma porcaria: havia outras 31 escretes para nos proporcionar um monte de jogos épicos e algumas peladas divertidas. Foi a Copa do meme, do chiste, o auge do nosso humor autodepreciativo que se equilibra tropegamente entre o vira-latismo e o pachequismo.

E isso contagiou todas as equipes (exceto a nossa, que preferiu chorar por qualquer coisa), sobretudo a campeoníssima Alemanha. Tivemos de Drogba encontrando seu ‘afilhado’ Drogbinha a jogador de Camarões fugindo da concentração para ir ao Mc Donald’s, passando pelos holandeses caírem na farra e numa noite e só voltarem às onze da manhã do dia seguinte.

Não éramos simplesmente o país do futebol (nem acho que somos, na verdade). Mas o futebol era o mundo (o mundo era o futebol), e era aqui. E não há protesto, oposição, articulista mal humorado ou técnico estúpido que nos tire isso. Teve razão quem foi feliz.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Last Cup Of Sorrow

Quer torcer pelo Brasil porque ama a seleção, porque se sente obrigado a torcer, porque a Copa desperta seu patriotismo ou ufanismo, porque acha o Fred transão e o Hulk bundudo, para ficar duas semanas seguidas só enchendo a cara sem ir trabalhar, ou porque ora bolas a gente precisa ganhar alguma porra de Copa em casa?, pode.

Quer torcer contra o Brasil porque acha o Felipão, o time e a CBF um bando de cretinos, incluindo o frangueiro do Júlio César e o segunda divisão do Henrique? Ou simplesmente porque acha que ela não te representa, que você não é obrigado a se identificar com ela, ainda mais com esse bando de gente do qual você nunca ouvir falar, como Maxwell e Fernandinho? Tá liberado.

Quer torcer pela Argentina porque gosta do futebol deles, por causa do Messi ou só para sacanear o Brasil? É são-paulino e quer torcer pelo Uruguai por causa do Lugano, ou palmeirense-chileno por causa do Valdívia? Vai torcer pela Inglaterra porque curte a Premier League, Itália porque é descendente de italianos, ou Holanda porque gosta da cor laranja? Pode também.

Quer torcer pela Rússia por saudades da União Soviética, pelo Irã porque simpatiza com os fraquinhos, por Camarões porque acha o Eto’o maneiro ou por Costa do Marfim porque achou o nome em francês chique? Claro que pode.

Quer ver todos os jogos simplesmente porque gosta de futebol, torcendo por gringos pagando mico (já está rolando, inclusive), ‘cenas lamentáveis’, cachorro invadindo campo e disputas dramáticas de pênaltis? Estamos nessa.

Pode ser o fanático que sabe de cor a escalação da Bélgica e todas as participações sul-coreanas na Copa, ou aquele torcedor ocasional ‘quatro anos’ que não reconhece um impedimento nem se apanhar com ele.

Quer protestar durante a Copa por tantos desmandos da Fifa e incompetências governamentais, ignorá-la porque não liga (ou por birra) e ficar só de boa nos feriados e fingimentos de expediente? Tá no seu direito.

Só não pode torcer para as coisas darem errado, nem cagar regra sobre como ou para quem os amiguinhos estão curtindo a Copa, porque aí a Jules Rimet da babaquice será toda sua.

Nem tanto a pachequismo, nem tanto ao vira-latismo, abre logo essa cerveja porque é Copa do Mundo, meu amigo. Não tem time bobo e é só jogo dramático (mentira, tem um monte de time paia e vai ter uns jogos bem chatos, mas enfim). Vai ser na Zona Leste, só isso já é incrível. E o mascote é um tatu, e ele é uma bola, é eu mal posso esperar pelas 17h da quinta-feira. Aliás, essa Copa nem começou e eu já estou ansioso pela próxima que tiver no Brasil.

E nós, que ficamos tanto tempo preocupados com o que os gringos iam pensar de nós, os vemos indo à praia tomar caldo e jogar frescobol, comprar paçoca-rolha no shopping, vestir cocar e andar de escuna, adotar cachorro e jogar capoeira, falar do Obina e visitar o Drogbinha. A Copa nem começou e já está tendo muita Copa.

Vai dar certo (errado), como em toda Copa. Vai ter surpresa boa e contratempo ruim, como em toda Copa. E vamos nos divertir, como em nenhuma outra Copa.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

As vozes oficiais dizem ‘quem sabe’, dizem ‘talvez’



"I don't want that holy water
It makes me burn
I don't want that holy water
I guess I'll never learn
I'd rather drink from the Devil's Well
And then I'll go to Hell.
"

(Mercyful Fate, Holy Water)


Pequeno tratado sobre como a imprensa paulista se comporta como assessoria de imprensa do PSDB, e mais do que nunca desde o ano passado.


– Polícia descobre ordem do PCC para matarem o Alckmin

Tem crise, tem eleição? Não importa se estamos em 2006, 2001 ou 2013: bóra requentar o plano do PCC para matar o Alckmin porque supostamente eles estariam endurecendo contra o crime.

Sim, o governo do PSDB, que está no poder desde 1995, sob o qual o PCC, fundado em 1993, basicamente surgiu, cresceu e engordou; o governo que inclusive fez acordo com o Marcola em 2006.

É absurdo porque o PCC não tem do que reclamar do Geraldo, é absurdo porque a história é requentada há 7 anos, é absurdo porque, se quisessem, o governador já estava na cova com o Covas havia tempos.

As investigações, se houve, nunca mais foram divulgadas, e Alckmin teve oportunidade de bradar que não se acovardaria diante dos meliantes, etc. e tal.

Alguém da imprensa contestou sobre a duração dessa fatwa? Houve investigação da mídia quanto ao teor esses relatórios da polícia? Não.


– Polícia descobre plano mirabolante para Marcola fugir da prisão

Em fevereiro deste ano, a polícia paulista apareceu com essa: desde 2013 o PCC estaria agitando uma fuga para o Sr. Camacho, com direito a dois helicópteros blindados camuflados e um avião.

Bom, em sendo verdade isso, não é preciso ser nenhum grande estrategista pra imaginar que o ideal seria esperar o plano ser executado, para pegar todos com a boca na botija, e encarcerá-los (ou passar chumbo geral, como é da predileção da PM paulista).

Não, o tal plano foi divulgado antes pela imprensa, Marcola foi transferido para um regime disciplinar mais rígido, e ninguém envolvido no tal plano foi preso, ouvido, nada.

Alguém da imprensa questionou a verossimilhança desse plano ou a revelação precoce da polícia? Não. A mídia, novamente passiva, comprou a versão oficial e se limitou a reproduzi-la. Especialistas em segurança, lá no rodapé de alguns textos, questionavam a plausibilidade desse plano espetacular, mas ficou nisso mesmo.

E Geraldinho posou de durão contra o crime, mais uma vez.


– Se existe superfaturamento nos trens e no metrô, o estado de São Paulo é vítima

Há um esquema de propina atuando pelo menos desde 1998 no sistema metroferroviário, lesando o erário em quase R$ 1 bilhão em inúmeras licitações fraudulentas, envolvendo negociatas entre empresas como Alstom e Siemens, funcionários da CPTM e do metrô, e, segundo documentos e depoimentos, gente graúda dos governos Covas, Serra e Alckmin.

A primeira providência do governador, abraçada imediatamente pela mídia, é chamar o caso simplesmente de cartel – porque aí o estado seria apenas vítima, coitadinho.

Propinoduto, tremsalão...? Nada disso, apelido é só contra os petralhas. Afinal, até o mensalão deles é ‘mineiro’ em vez de tucano.

E que se houvesse comprovação de alguma coisa, que os culpados fossem punidos, naquele blasé de que só subalternos das empresas de transporte sobre trilhos estariam envolvidos, café-pequeno.

Olha, se um esquema bilionário de propina atua há mais de 15 anos, no maior descaramento – três ou quatro empresas se revezam entre uma ganhar e subcontratar as outras –, sempre com preços acima do mercado, ou o Governo Estadual é muito ladrão, ou é muito incompetente, nem sei o que é mais grave.

Especialistas dizem que normalmente os carteis faturam por volta de 5% nesse tipo de esquema; porém, em São Paulo, houve sobrepreço de até 25% em algumas pseudolicitações.

Eu mesmo li na grande imprensa (Folha, Estado) sobre falcatruas da Alstom em 2005, depois novamente em 2008. Mas o Governo do Estado não sabia de nada, nadinha.

Isso tudo foi questionado pela imprensa? Adivinha.

Exceto pela IstoÉ, e uma matéria ou outra da Globo, o caso vem se arrastando na imprensa, com matérias sem destaque algum nos jornais (manchete, nem pensar), sem nunca chamar o bicho pelo nome: inventou-se a corrupção sem corruptos, só se fala das empresas, nunca dos políticos.

Mensalão (ou caixa 2, whatever)? Claro que o Lula sabia! Dirceu foi condenado por Barbosa porque “não tinha como não saber” do esquema, mesmo sem provas. Já Covas, Serra e Alckmin jamais foram ligados diretamente a nada, sequer se questionou o atual governador sobre isso.

Até o ridículo de Alckmin fazer uma lista de cartel com uma empresa só – a infame Siemens, que resolvera denunciar o esquema todo – foi noticiado muito discretamente. Idem para o envolvimento de gente graúda como Andrea Matarazzo, Robson Marinho ou Aloysio Nunes: é sempre lá no meio do jornal ou do site, sem alarde.

Também há o fato de que jamais esse rombo bilionário é ligado, direta ou indiretamente, ao estado patético, deplorável, em que o transporte sobre trilhos se encontra: a malha avança a pífios 2 km por ano (culpa do Governo Federal que não ajuda, segundo Geraldinho), linhas como a Amarela estão atrasadas há mais de 10 anos, os trens pifam o tempo todo, com falhas às vezes muito perigosas, mas a culpa é do usuário, que não tem horário de trabalho flexível, e ainda dá uma de vândalo e aciona um tal botão secreto (!) – até isso foi comprado pela imprensa. 

Mais uma vez, a mídia se comporta como uma Voz do Brasil estadual: apenas reproduz os discursos do Executivo.


– A falta d’água é culpa da seca, nada mais, e mesmo assim estamos preparados

Esta é a mãe de todas as cascatas (secas): não tendo como colocar a culpa no PT, nem no usuário, nem em outras empresas, simples!, Alckmin fala que a culpa é simplesmente de São Pedro. Desculpa, não choveu, não podemos fazer nada.

Bom, na verdade podiam. Tá certo que fez muito calor e quase não choveu, porém é obrigação do governo estar preparado para esse tipo de coisa, dispor de reservatórios, ainda mais porque desde 2001 (e depois foi dito em 2003, 2004 e 2009 de novo) que os estudos apontavam que o Sistema Cantareira ia se esgotar logo.

O que foi feito? Nada. A Sabesp estava provavelmente mais preocupada em distribuir os lucros anuais de R$ 500 milhões aos acionistas, ou em gastar R$ 3,6 bilhões (em 22 anos) na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, que, como se pode ver e cheirar, seguem mortinhos da silva (só a IstoÉ Dinheiro deu destaque a isso, aliás). Sem falar no recém-denunciado (pela Carta Capital) esquema de superfaturamento, coisa de mais de R$ 1 bilhão, em licitações da empresa.

Mesmo assim, era só ir à televisão uns três meses antes da desgraça completa e dizer para o pessoal economizar água para não ter racionamento. Em último caso, fazer o quê, racionamento mesmo. Mas claro que, em ano eleitoral, o negócio é se garantir até depois do pleito, é bumba-meu-boi e em 2015 em a gente vê.

Quando o nível do Cantareira chegou a menos de 15%, e não dava mais pra esconder o problema, a Sabesp começou a fazer racionamento (“rodízio”, em tucanês) extraoficial em diversos bairros da periferia, embora negasse (e continue negando).

Cantareira em 10%, e aí não é mais falta d’água, é “stress hídrico”. Alckmin inventa um plano esdrúxulo para tirar água do Rio de Janeiro (como se isso pudesse ser feito em curto prazo). A presidente da Sabesp anuncia multa (!) para quem gastar mais água – mas ela prefere chamar isso de “contingência tarifária”.

Chegamos a maio, Cantareira em menos de 8%. E as lorotas seguem. O volume morto agora é “reserva técnica” (sim, como algo que está lá para ser usado mesmo, e que já estava nos planos), e essa água é “perfeita, igual às outras” – embora especialistas digam que o processo para tratá-la é 40% mais caro, e que, mesmo assim, não elimina os metais pesados que devem estar lá no volume morto.

E esta semana, finalmente, a melhor: Estado, Folha, G1, R7, todo mundo reproduz material do DAEE dizendo que uma seca tão grande em época de chuvas só se repete a cada 3.378 anos (!). E, mais uma, não há qualquer contestação a isso.

O que se sabe é que a partir de hoje, 15 de maio, sairá das nossas torneiras e nossos chuveiros água aditivada com chumbo, cádmio, mercúrio e outras iguarias. Um brinde ao eleitor paulista e à sua imprensa, a melhor assessoria que um governo poderia ter.