terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Sons, palavras, são navalhas (II de II)

Como já disse na seleta de discos internacionais, tenho ouvido pouca coisa convencional, e isso se reflete nesta lista, pois ouvi pouca coisa nacional neste ano, inclusive tendo que receber sugestões [valeu, Laíssa] e ler listas pra cavoucar algo de meu agrado que tenha sido lançado em 2015. Não tem a força da lista ‘importada’, até pelo universo muito maior de escolhas desta, mas até que tive boas surpresas.

Também vale mencionar que não acompanho de perto a carreira da maioria dos artistas citados, logo relevem qualquer incoerência - foi intencional me ater apenas à obra que ouvi, sem procurar saber do background do artista. Mas vamos lá.

Este Loucura Total entra como nacional mesmo, uma vez que tem música em português mesmo na versão em castelhano, e quem produz é o Liminha, então foda-se. Não gosto do Moska, acho bem chato pra falar a verdade, mas este disco é leve, divertido – fofo. Cê ouve sorrindo do início ao fim, vale muito a pena, uma bela brincadeira com pop, rock, samba, tango, etc., num clima 'pra curtir as férias', despretensão total.



[Ouça: Garota Muchacha]




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Falando nisso, Caleidoscópio, tributo ibero-americano feito pelo Scream & Yell a’Os Paralamas Do Sucesso, é o melhor dos discos-homenagens feitos pelo site até agora. Tem música brasileira, portuguesa, espanhola e latina, tudo misturado com pop rock, do jeito que a maior banda que este país já teve sempre fez tão bem. É legal até pra revalorizar o quão rico é o som d’Os Paralamas, tudo que veio deles e com eles. Até músicas que nem curto na versão original, como a que indico abaixo, ficaram legais.



[Ouça: Una Brasilera]

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Voltemos pro Brasil, então: bem-vindos de volta, Los Porongas. O retorno dos acreanos, Infinito Agora, após hiato de quatro anos, traz um primeiro lado mais pop rock convencional oitentista (com participação do Bruno Gouvêia, inclusive) que é bacana, mas não chega a empolgar tanto, é despretensioso como a banda sempre foi, pop-indie-rock com instrumental simples e sólido, bons vocais e letras bacanas, mas entra na lista pela parte final, em que sentam mais o pé na psicodelia.




[Ouça: Sobre Mim]

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Cidadão Instigado nunca havia me descido por causa do vocal fraco do Fernando Catatau [aliás, vocal fraco é o grande problema do rock 1990s, especialmente a seccional nordestina], mas desta vez a lisergia bateu forte com um peso inesperado e olha!, que belo disco o Fortaleza, a sonzêra compensa muito as vozes não muito inspiradas. Catatau finalmente colocou seu gosto por Pink Floyd e afins em nome de um som de muito de respeito, sem abrir mão da gentil breguice intencional setentista que acompanha os arranjos desde o início da banda.




[Ouça: Dizem Que Sou Louco Por Você]

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Supercordas finalmente entregou o grande disco que se esperava deles. Largou o mal de tantas bandas nacionais, que acham que precisam remeter o tempo todo a Mutantes [como se ninguém mais tivesse feito psicodelia no Brasil], com instrumental datado e letras desleixadas cantadas com aquele vocal cheio de efeitos, e fez uma obra concisa, Terceira Terra, que ecoa Beatles e Clube da Esquina na medida certa, e com muita personalidade e letras muito boas, num som que não tem medo de sentar o braço nas guitarras quando necessário.




[Ouça: Maria³]

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Boogarins, pelo menos, não tem [quase] nada de Los Hermanos, pelo menos, neste trabalho (o que já é uma alívio pros ouvidos), mas seu som à Lô Borges ainda carece de lapidação – as ideias soam esparsas, meio sem unidade, ainda que haja faixas muito boas, como a escolhida abaixo. Mas tá na lista porque é agradável de ouvir, de qualquer forma. E o caminho é promissor.




[Ouça: 6.000 Dias]
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Maglore vem com o setentão III, disco muito bonito, ainda que derrape nos vocais loshermanísticos em muitas partes (quando isso não acontece, são os pontos altos do disco), tem um instrumental redondinho, tem uns lances meio Novos Baianos [bem de leve] nos arranjos, aquele rockinho maroto suingado com timbres do Revolver. Ou, vendo de outro lado, é o que o 4 seria se Los Hermanos não tivessem naquela egotrip. Quem sabe no próximo disco não se libertam e fazem um disco ainda melhor que este? ;)




[Ouça: O Sol Chegou]

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Também loshermanístico, porém, mais pesado e intenso, com ótimo instrumental, o epônimo do Ventre tem guitarras dissonantes que remetem, bem de leve, a Gram e Violins (nos climas tensos), mas também precisa urgentemente se livrar dos vocais camelo-amarantísticos. Discaço, mesmo assim, foi uma grata surpresa conhecê-los.




[Ouça: Peso Do Corpo]


[O que me alegra em quase todos esses discos é que, finalmente/aparentemente, a geração Bizz-Ilustrada foi deixada pra trás (descanse em paz). A história é contada pelos vencedores, disso todos sabemos, e, da mesma forma que os modernistas de 1922 perpetuaram que qualquer coisa com mínimo rigor formal (parnasiana ou não) era automaticamente ultrapassada e execrável, a geração de jornalistas musicais paulistanos, especialmente no final dos 1980s e começo dos 1990s, amamentada com pós-punk, passou anos a fio (a despeito de todo o trabalho de óbvia qualidade) doutrinando a molecada com o corolário de que qualquer coisa feita antes de 1976, e/ou com apuro melódico-instrumental, era ruim: prog, psicodelia, tudo era automaticamente jogado fora. E, numa época sem internet, uma geração inteira deve ter ficado sem conhecer direito de Clube da Esquina a Yes, passando por Pink Floyd, Módulo 1000 e Lula Côrtes. Por isso é uma grande satisfação ver que quase tudo nesta lista tem um pé nessa época injustamente proscrita no Brasil. Ouçam mais música chapada, moleques, vocês ‘tão indo bem demais. Até porque finalmente o pessoal parece estar se livrando um pouco da síndrome-da-vergonha-da-guitarra que nos assolou desde o Ventura, e qualquer um que quisesse "estar conectado à música brasileira" achava que era só pegar um violão de náilon e cantar como quem tá com deficiência vitamínica. Pisa nesses overdrive aí, porra.]

                                                         

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Ramil. Com esse sobrenome, já esperava algo bem feito, competente, mas obviamente açucarado, o que definitivamente não se aplica a Derivacivilização. Ian Ramil vem com um trabalho que parece mais com Rogério Skylab e Patife Band – pesado, visceral e nonsense – do que com seus parentes já famosos. E, sobretudo, caótico. No melhor dos sentidos.




[Ouça: Coquetel Molotov]

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Cê olha este gordinho com cara de nerd na capa e não dá nada pra ele, né. Mas Tremor é claramente o melhor disco nacional que ouvi neste ano. Guilherme Eddino tem uma voz andrógina à Ney Matogrossso, toca um monte de instrumentos, e o disco tem de rock safado oitentista e indie-pop a samba e bolero, passando por baladas folk e grooves dançantes. É muita informação?, sim, mas tudo soa coeso, coisa de quem sabe o que tá fazendo e aonde tá indo. Ô disco foda.



[Ouça: Mea Culpa]

2 comentários:

Fábio Vanzo disse...

Verdade Bruno, eu não tinha colocado o nome do rapaz [Guilherme Eddino] no texto; mas agora tá corrigido ;)

Guilherme disse...

Poxa, sua resenha me passou totalmente despercebida! Obrigado pelos elogios (e estou trabalhando no "gordinho", rs)

Antes tarde do que nunca, vou publicar na minha página!