segunda-feira, 17 de junho de 2013

E a determinação de manter tudo em seu lugar




If you believe that you know in this time
You've got anything to win
If you believe that you know
Then I say ‘You'll lose all again.’"

(…)

We are credulous idiots
And won't understand what they plan
We march with the times
It's what they expect and we do.

(Helloween, We Got The Right)

Primeiramente sou contra a origem do protesto: essa história de passe livre é uma demagogia tola, o movimento todo foi oportunista (Haddad ficou falando desde a campanha sobre a história do aumento, sobre ele ser necessário e que ele faria de tudo para que fosse abaixo da inflação) e ninguém fez protesto antes de a tarifa subir, tampouco quiseram negociar com o prefeito ou ao menos propor algo razoável. Sem falar que Alckmin, com seus trens sucateados e metrôs construídos a passo de tartaruga manca, foi basicamente poupado pelas manifestações até que sua PM baixasse o sarrafo na galera. Além disso, não acho que nosso problema seja o preço da passagem: desde que a Marta passou pela Prefeitura (2001–2004), e infelizmente nada significativo tenha sido feito nesse sentido após sua saída, os ônibus são quase todos novos, temos mais terminais, corredores de ônibus e bilhete-único, além de haver bastante condução na maioria das linhas, que já justificariam o preço só pelas distâncias percorridas. Nosso problema é a (falta de) mobilidade urbana: não adianta colocar mais ônibus, pois só vai ter mais coletivos parados no trânsito. O transporte público é sofrido principalmente porque ficamos tempo demais dentro dele, tanto pelo engarrafamento pelo fato de trabalharmos longe demais de casa. É algo que sequer tem solução (apenas paliativos, como os corredores de ônibus) até no mínimo o tal Arco do Futuro do Haddad ser realizado.

Só que o que houve quinta-feira transcendeu os próprios motivos do protesto. Não faz mais diferença quem tá organizando. Se vai ter Psol, PSTU, PCO, anarcopunk, zé-coxinha achando que a culpa é do Dirceu, não estou nem aí. Hoje não importa o motivo, e sim que todos estejam na rua, ocupando o lugar onde vivem.

O tal do Passe Livre, pra mim, virou São Paulo Livre. A frouxidão da coisa, mais a repressão desumana da PM, se por um lado favorecem oportunistas de Direita que pretendem se apropriar da massa descontente, serviram ao menos para que a cidade de unisse em um novo objetivo: protestar pelo direito de protestar, pela ojeriza à autoridade militar que oprime quem deveria deixar seguro.

O que todo mundo viu quinta-feira, no lombo da classe média, foi só um trial version do que o preto pobre da periferia sofre cotidianamente. O tempo todo São Paulo cola um imenso NÃO em nossa testa. São Paulo é a cidade do NÃO. E todo mundo parece cansado disso. A cidade não é de Geraldo & seus PMs.

São Paulo é nossa e precisamos tomá-la de volta urgentemente.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Estar sendo. Ter sido.

A nostalgia da modernidade chegou definitivamente ao futebol.

Faz parte do Ser revisitar momentos do passado, às vezes aleatórios e quase sempre desimportantes em suas épocas, em narrativas heroicas e cheias de nostalgia. O passado é sempre idealizado, somos incorrigivelmente complacentes como nossos erros e as vicissitudes do que se foi. Até dos relacionamentos fracassados carregamos ao presente muito mais as coisas boas que as ruins.

Nossa infância era melhor porque brincávamos de chinelo de dedo na rua em vez de ficarmos na internet. Os namoros eram melhores porque eram mais inocentes. As propagandas tinham aquele romantismo meio tosco (aquela tosqueira meio romântica). Ninguém percebe que qualquer memória dessas é boa não em-si, mas por remeter à infância. Passar três dias pra conseguir baixar uma mp3 era uma droga, você se lembra disso com carinho tanto porque provavelmente era jovem à época, por ter sido um período de descoberta da informática para maioria das pessoas no país.

Cada edição do Oscar sempre parece pior e com mais injustiças na premiação – até porque é difícil um filme ser considerado clássico sem o teste do tempo –, no YouTube, qualquer música do meio dos 1990s pra cá é automaticamente “melhor do que essas porcarias de Restart e funk” mesmo que o vídeo em questão seja do Tonho Matéria ou de Luan & Vanessa, e bandas que eram terceira divisão em suas épocas, como Soul Asylum e, sei lá, Lagoa 66, ganham status de cult.

Gente que sequer procura saber de história da literatura desde que saiu do Ensino Médio (Colegial, em nosso tempo) reclama de que “não tem nenhum escritor novo que presta”.

Já no futebol, de uns dois anos para cá – não por acaso quando o Corinthians passou de primo pobre para primo rico do futebol brasileiro – criou-se um “inconsistente coletivo”, alimentado pela modernização dos estádios (agora “arenas”) e a chegada da Copa, de que o futebol brasileiro era bom mesmo até 1995.

Isso significa que as pessoas têm saudade de estádios caindo aos pedaços, filas enormes para comprar ingresso, craques indo embora às dezenas, viradas de mesa, regulamentos esdrúxulos (por vezes incompreensíveis), pouquíssimas transmissões pela TV e, sobretudo violência, muita violência, dentro do estádio e nos seus arredores, sem falar em como as mulheres eram hostilizadas na arquibancada.

Na memória delas estão apenas os primeiros títulos de seu clube, ou a época de fila que confirmou sua paixão, o tempo em que seu pai o levava ao estádio e pagava um sanduíche de pernil no final.

Claro que havia coisas melhores na época: bandeiras liberadas, ingressos e demais produtos do time (se bem que só havia o fardamento mesmo à venda) mais baratos, estaduais fortalecidos, seleção (com muitos jogadores atuando aqui) mobilizando as pessoas... mas toda época é assim, tem coisas piores e melhores.

O resto é o glacê de sentimentalismo que colocamos no que já foi para que possamos revisitá-lo com bom gosto naqueles momentos em que tudo parece ruim e envelhecido, e dá saudade de quando as coisas eram mais novas e coloridas.
                                                            

                                                                    * * *

[Sartre, n’A Náusea (1938), coloca nas palavras do protagonista Antoine Roquentin uma genial reflexão sobre a passagem do tempo que explica isso obviamente muito melhor do que eu.]

“Eis o que pensei: para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, é preciso e basta que nos ponhamos a narrá-lo. É isso que ilude as pessoas: um homem é sempre um narrador de histórias, vive rodeado por suas histórias e pelas histórias dos outros, vê tudo o que lhe acontece através delas; e procura viver a sua vida como se a narrasse.

Quando se vive, nada acontece. Os cenários mudam, as pessoas entram e saem, eis tudo. Nunca há começos. Os dias se sucedem aos dias, sem rima nem razão: é uma soma monótona e interminável. De vez em quando se procede a um total parcial, dizendo: faz três anos que viajo, três anos que estou em Bouville. Também não há fim, nunca deixamos uma mulher, um amigo, uma cidade de uma só vez. E também tudo se parece: Xangai, Moscou, Argel, ao fim de 15 dias é tudo igual. Por alguns momentos – raramente – avaliamos a situação, percebemos que nos envolvemos com uma mulher, que nos metemos numa confusão. Por um átimo.

Depois disso o desfile recomeça, voltamos a fazer as contas das horas e dos dias. Segunda, terça, quarta. Abril, maio, junho. 1924, 1925, 1926.

Viver é isso. Mas quando se narra a vida, tudo muda; simplesmente é uma mudança que ninguém nota: a prova é que se fala de histórias verdadeiras. Como se fosse possível haver histórias verdadeiras; os acontecimentos ocorrem em um sentido e nós os narramos em sentido inverso. Parecemos começar do início: ‘Era uma bela noite de outono em 1922. Eu era escrevente de tabelião em Marommes.’ E na verdade foi pelo fim que começamos. Ele está ali, invisível e presente, é ele que confere a essas poucas palavras a pompa e o valor de um começo.

‘Estava passeando, saíra do vilarejo sem perceber, pensava em meus problemas de dinheiro.’ Essas frases, tomadas pelo que simplesmente são, significam que o sujeito estava absorto, deprimido, a cem léguas de uma aventura, exatamente nesse tipo de estado de espírito em que se deixam passar os acontecimentos sem vê-los. Mas o fim, que transforma tudo, já está presente. Para nós o sujeito já é o herói da história. Sua depressão, seus problemas de dinheiro são bem mais preciosos do que os nossos: doura-os a luz das paixões futuras.

E o relato prossegue às avessas: os instantes deixaram de se empilhar uns sobre os outros ao acaso, foram abocanhados pelo fim da história que os atrai, e cada um deles atrai por sua vez o instante que o precede: ‘Era noite, a rua estava deserta.’ As frases são lançadas negligentemente, parecem supérfluas; mas não caímos no logro e a deixamos de lado: é uma informação cujo valor compreenderemos depois. E temos a impressão de que o herói viveu todos os detalhes dessa noite como anunciações, como promessas, ou até mesmo de que vivia somente aqueles que eram promessas, cego e surdo para tudo que não anunciava a aventura. Esquecemos que o futuro ainda não estava ali; o sujeito passeava numa noite sem presságios, que lhe proporcionava de cambulhada suas riquezas monótonas, e ele não escolhia.

Quis que os momentos de minha vida tivessem uma sequência e uma ordem como os de uma vida que recordamos. O mesmo, ou quase, que tentar capturar o tempo.”

sexta-feira, 1 de março de 2013

E o principal fica fora do resumo.

Tudo errado na Bridgestone Libertadores (adoro esses nomes constrangedores de torneios com patrocínio): estádio acanhado, daqueles que seriam recusados no Paulistão Chevrolet, sem segurança nenhuma. Os clubes precisam, além de jogar na altitude, encarar viagens ridículas a cidades sem estrutura – no caso, avião até La Paz, depois avião até Cochabamba e então avião até Oruro.

Semana que vem o Corinthians fará a maior viagem da história da Libertadores, até Tijuana, divisa com os EUA, pra jogar contra um time que sequer pode ir ao Mundial caso vença o torneio, o que deve fazer com que jogue eventualmente com times mistos, como de praxe com os times mais preocupados com o Mexicanão.

Cássio foi atingido por pilhas e bolinhas de gude, tudo dentro da normalidade. Havia fogos de artifícios de todas as modalidades na torcida do San José, incluindo um mosaico em chamas no alambrado, que parecia uma grade de separar galinheiro. Ninguém era revistado na entrada, credenciais de jornalistas sequer eram conferidas.

Apesar de tudo, o clima era pacífico entre as torcidas, tanto que sequer havia divisão entre elas. Aí um imbecil desavisado – e tanto faz se ele é o menor daqui os um dos que estão presos lá – acidentalmente dispara, quase perpendicularmente ao solo, quase atingindo os próprios companheiros, um sinalizador marítimo que muito provavelmente sequer sabia usar, tendo comprado pensando que era daqueles sinalizadores que queimam na mão em vez de disparar. Malfadadamente o míssil percorre o estádio e atinge o pequeno Kevin bem no olho, atravessando seu crânio. Morte imediata.

Aí começa a merda: a torcida, revoltada, começa a atirar tudo que tinha em mãos contra os jogadores do Corinthians que se aqueciam, enquanto gritava “asesinos”. Revolta até compreensível, porém isso devia ser punido, não? Se o infeliz que atirou o sinalizados e a torcida corinthiana não podem ser responsabilizada por dolo (embora a “justiça” boliviana queira arrancar o couro dos torcedores presos a fim de dar satisfação à sociedade deles e tirar o foco das próprias responsabilidades).

Tudo isso ocorreu durante o primeiro tempo. No intervalo, todos, incluindo quem acompanhava a transmissão pela TV, já sabia que havia um cadáver no estádio. E o que fez a Conmebol, tão ciosa & respeitosa? Deixou a partida correr.

A mesma entidade finge mostrar serviço, que finge mostrar respeito, punindo o Corinthians e sua torcida sem julgamento, sem defesa, sem investigação (afinal, tudo isso dá trabalho, né, e teriam que admitir as próprias responsabilidades no caso), ordena que o Alvinegro jogue durante seis meses (!) sem torcida em jogos sul-americanos.

Só me digam o que o Corinthians podia ter feito para impedir a tragédia, aí eu me convenço de que a punição vai servir de alguma coisa para além de uma fútil demonstração demagógica de força da confederação, satisfação aos idiotas da sociedade do continente e lavagem das próprias mãos sujas há uns cinquenta anos.

“Ah, o Corinthians financiou a torcida que foi até lá”. Olha, ainda que isso seja verdade, e provavelmente é (isso é um mal inerente ao futebol mundial), não é ilegal, e pior!, essa questão de violência das torcidas, etc., é totalmente descabida no momento. Quem me conhece sabe que desprezo torcidas organizadas, todas elas, só que isso tá bem longe do foco da questão.

Não foi um caso de violência dos corinthianos que foram até lá, não houve confronto com os locais, nem briga, nem nada. Foi um acidente! Só isso. Um terrível acidente. Perde-se um tempo imenso discutindo algo que nada tem a ver com o assunto. Foi um ato individual e inadvertido, que se puna o responsável por homicídio culposo e fim de papo.

Já que a partida seguiu seu curso, horrivelmente, que ao menos a rodada seguinte fosse cancelada, mas nem isso. Vamos punir o Corinthians. Ao San José, que foi negligente com a segurança, nada. Polícia boliviana, que não revistou ninguém, e Conmebol, que deixa a precariedade e a violência correrem solta em todos os seus campeonatos, nada também.

E aqui no Brasil, imprensa, torcedores rivais, até alguns corinthianos, e gente que nada tem a ver com futebol, mas adora posar de esclarecido nesses momentos, acha tudo lindo, tudo correto. O clube tem prejuízo, os torcedores têm prejuízo, e pronto, o justiçamento está feito.

Para blogueiros rivais, o Corinthians sequer tinha direito de contestar qualquer coisa, não devia haver defesa, era simplesmente aceitar qualquer punição. E vocês não viram ninguém defender punição para o San José, tampouco se manifestar quanto à briga generalizada entre as torcidas do Peñarol e do Vélez (cuja delegação foi recebida à pedradas no Estádio Centenário, como de praxe) esta semana.

O que se viu foi a falsa indignação de quem só quer mesmo subir na caixa de maçã – que, neste caso, é tristemente o cadáver do Kevin – e discursar com o peito estufado e ar superior e ver, de camarote (de caixote) o Corinthians se foder. O Alvinegro, mais uma vez, não tem direito de cobrar isonomia.

Na internet, seres coprófagos e abissais se deleitavam em textos inacreditáveis como este e este. De repente, a incompetente Conmebol tinha ferrenhos defensores propagando que aquelas medidas pastel-de-vento iam resolver os problemas da competição.

Na televisão, gente que provavelmente nunca sentou a bunda numa arquibancada, como Noriega e Caio Ribeiro, lamentavam “não poder levar os filhos ao estádio”. Amigos, desde o final da década retrasada, pelo menos, que é superseguro frequentá-los.

Demorou muito: o menino Rodrigo de Gasperi foi assassinado – aí sim, num ato horrível e deliberado da Torcida Independente, a pior entre os piores –, na final da Copinha de 1992, e eu estava lá, naquela tristíssima tarde na Rua Comendador Souza, e era um garoto feito ele, e podia ter morrido também, e só em meados de 1998 voltou a ser seguro frequentar estádios, após uma década de emboscadas, brigas generalizadas (como a final da Copinha de 1995, entre São Paulo e Palmeiras), tiroteios como os que cansei de ver (e fugir deles) nos arredores do Morumbi, e um ambiente absolutamente hostil, sobretudo para as mulheres.

Ainda que eu jamais tenha participado de qualquer confusão em 24 anos de estádio, naquela época sempre havia aquela sensação de ir sem saber se voltava, tanto que deixei de ir aos jogos entre 1993 e 1997.

Assim como a morte do Rodrigo, sozinha, não mudou nada, coisa alguma será modificada no espetáculo mambembe que são os torneios da Conmebol. Nada. O Tigre, aquele time que arranjou briga com os seguranças do São Paulo e abandonou a final da Copa Sul-Americana, está na Libertadores deste ano, como se nada tivesse acontecido. Tomou apenas uma multa (o SPFC, ao que parece, levou multa e perda de um mísero mando de campo, sendo que havia seguranças seus armados no local).

A coisa toda serviu apenas para jornalistas abjetos, palpiteiros de internet e, nos estertores, advogados e juízes babacas se acharem melhores quer os outros e proporcionar aquela coisa deprimente que foi aqueles quatro sujeitos no Pacaembu vazio.

E ontem, quinta-feira, ainda por cima, um imbecil do RS entrou com liminar suspendendo o pagamento da Caixa ao Corinthians. Mas esse negócio de “anti” nem existe, né, é coisa da gente, que se acha especial. Ah, mas claro que não tem nada de pessoal contra o Corinthians nisso. Fomos acusados que tudo quanto foi coisa nos últimos dias. Assassinos, cúmplices, insensíveis. Queriam que eu me sentisse culpado pela morte.

Aqui vou ceder ao tal do clubismo (claro que sou clubista, estamos falando do meu clube) e dizer: tentem ganhar do Alvinegro, atual campeão do continente e do mundo, no campo, porque fora dele está muito, muito feio isso que vocês estão fazendo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A Caverna Dos Sonhos Esquecidos


Documentário | 2010 | cor | 90 min |
País(es): França, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha
Roteiro e direção: Werner Herzog
Produção: Erik Nelson
Site: www.caveofforgottendreams.co.uk


A maioria dos filmes de Werner Herzog, tanto os de ficção quantos os de não-ficção (embora na obra desse diretor alemão tais gêneros se misturem, como veremos a seguir), parte de pontos aparentemente isolados, estranhos, incomuns, ora até banais, e passam por caminhos tortuosos e intensos, de contemplação e desafio, até que profundas reflexões sobre a existência tomem conta do espectador (na prática é bem menos pedante do que essa minha descrição). Goste ou não de seus filmes, você jamais sai ileso, não permanece a mesma pessoa depois de vê-los.

Em A Caverna Dos Sonhos Esquecidos (Cave Of Forgotten Dreams), vencedor do National Society of Film Critics Awards de 2012 na categoria “Melhor Filme Não-Ficção”, Herzog nos leva para dentro da caverna Chauvet, no sul da França, maravilha intocada (descoberta apenas em 1994 e fechada à visitação pública), que contém as pinturas rupestres mais antigas da História (cerca de 30 mil anos).

Não foi um tema que me empolgou a princípio – parecia pouco para um filme de 1h30min, tinha cara de programa de TV com no máximo 1h. E filmes 3D normalmente são irritantes, é terrível como a tecnologia é a mesma usada desde os 1950s, com pouquíssimo avanço. Porém imaginei que Herzog, que não é exatamente um modista, teria feito o filme assim por julgá-lo necessário. E se em vez de coisas pulando na nossa cara, tivéssemos o efeito de aprofundamento, como em U2 3D (2008), por exemplo, seria interessante.

Mas já é tão difícil um filme do alemão aparecer por aqui (sempre vêm atrasados uns dois anos, e depois de terem sido premiados no mundo inteiro), que resolvi aproveitar as sessões que o Cinesesc fez no início desde mês (não consegui ver o filme em sua única exibição na Mostra de Cinema de 2011).

Do começo impactante, ao som de canto gregoriano, com um travelling da câmera sobre a paisagem, até chegar à entrada da caverna, onde encontramos a expedição, quando temos a ideia de um lugar isolado do tempo e do espaço, até o final enigmático com jacarés albinos (!), temos um longo e contemplativo (até demais) mergulho na história da humanidade, a nossa história.

Mostrando profundo respeito pela caverna e por seus desenhos, Herzog, em tom solene, tentando se equilibrar entre o didático/científico e o espiritual/filosófico conduz a narrativa de forma lenta, cheia de grandes silêncios, querendo que imaginemos os desenhos e seus criadores ali, em presença, em movimento, fazendo da caverna uma janela para um passado muito distante, que sequer conseguimos imaginar na prática.

Pensar em como eram, como viviam, o que pensavam aquelas pessoas que fizeram aqueles desenhos tão bonitos (e sofisticados!) há 30 mil anos, num lugar tão fascinante (ainda mais aos nossos olhos “civilizados”), em como permanência e impermanência se equilibram naqueles naquelas manifestações perenes de quem já virou pó milhares de anos antes que nossos olhos chegassem até ali.

Esse clima de ser, tempo, existência, eternidade, em ritmo lento (ora repetitivo na descrição e análise dos desenhos e das hipóteses sobre eles), torna o filme um tanto monótono, cansativo até. Talvez tudo pudesse ser resolvido com meia hora a menos de filme. Até porque a equipe é proibida de ultrapassar um caminho pré-definido por uma passarela de metal, a exploração não é livre, não há como se aproximar de fato dos desenhos. Muitos são vistos de longe ou apenas descritos em off, enquanto outros, mais ao alcance das lentes, são mostrados quase à exaustão.

Aspectos comuns à filmografia de Herzog, como a confusão entre ficção e realidade (seus documentários nunca são totalmente “reais” e suas ficções jamais abrem mão de cenas “de verdade”) aparecem especialmente na cena em que um dos arqueólogos revela ter sido acrobata de circo. Além de não ter a ver com o filme, mas ser interessante por si só, fica óbvio que o diretor já sabia daquilo e forjou ter descoberto por acaso numa conversa durante a gravação da cena. Faz parte da visão de Herzog de que o documentário é uma visão de mundo, cheia de intencionalidade, e não mero espectador dos acontecimentos.

A relação entre o homem e a natureza, tema comum à filmografia herzogiana, em filmes tão diversos como O Homem-Urso, Aguirre – A Cólera Dos Deuses, Fitzcarraldo e Fata Morgana, obviamente se apresenta em toda a narrativa, embora não de forma tão impactante e genial quanto nesses clássicos.

Enfim, é um filme para aficionados por Herzog, como eu, que lamentam as raríssimas oportunidades de vê-lo em tela grande no Brasil. De quebra, você volta para casa com uma grande reflexão sobre a finitude do ser e a possível perpetuação da arte, da linguagem e da vontade, plantada na cabeça por uns tempos.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Corinthians grande


Analisando as mais comuns reclamações dos rvais, secadores e antis.




_Não têm estádio!

Foi uma década falando que não tínhamos estádio – sim, porque isso é coisa bem recente, até os 1990s os clássicos eram no Morumbi e ninguém questionava nossa grandeza (nem a dos outros times, como Palmeiras e Santos) por jogar lá (como ninguém questiona os times mineiros e cariocas por jogarem em estádios públicos). Pelo contrário, por ser um estádio muito grande, e o São Paulo ser um time considerado genérico em termos de rivalidade, até o boom em 1992, era sinal de grandeza lotar o estádio do Jardim Leonor. E vale lembrar que, até 1991 pelo menos, o Corinthians ainda mandava jogos menores do Paulistão em seu estádio, o Alfredo Schürig (18.000), do tamanho da Vila Belmiro (16.798), e nem tão menor assim que o Parque Antárctica (27.650). Mas enfim, fomos lá e começamos a construir nosso estádio.



_Estádio roubado!

Terreno irregular | Conchavo do Lula | Dinheiro do povo | Isenção fiscal | Andres safado | Fifa mancomunada | Prejudicaram o São Paulo | A cidade não precisa de mais um estádio | Os dutos da Petrobras vão explodir |O estádio não vai ser do Corinthians | Pois bem, tudo foi/está sendo resolvido no absoluto rigor da lei, da situação do terreno aos incentivos fiscais (nada de isenção), mediante decretos e leis, dos empréstimos ao BNDES (coisa que qualquer empresa pode requerer) ao fato de que o Morumbi jamais teve condições de abrir a Copa. Quanto à influência de presidentes do país e do Corinthians na história, bem, Laudo Natel (que os são-paulinos juram ser honestíssimo) e Adhemar de Barros acenam com crimes de verdade. Ah, os dutos foram removidos (Corinthians pagou). E a cidade só não precisa de mais um estádio porque aí vocês perdem essa piada, né.


_Não têm Libertadores!

Piada que começou praticamente em 1999, quando o Palmeiras ganhou, já que ninguém ligava pro Santos e as conquistas de 1992-93 do São Paulo só começaram a levar importância para o assunto. Acabou em 2012, próximo tópico.



_Não têm Mundial!

 
Bom, nós já tínhamos um, de 2000. Como disse Celso Unzelte, você pode questionar a legitimidade (critério de inclusão), mas não a legalidade (fizemos tudo de acordo com o regulamento). Você pode dizer que o Boca Junior que venceu a Copa Toyota daquele ano é mais legítimo campeão mundial do que o Corinthians, porém não adianta questionar a legalidade: a Fifa é o órgão máximo, ela fez o regulamento, decidiu que haveria campeão do país-sede (quem entrou na malandragem foi o Vasco, no lugar do Palmeiras). Se for questionar legitimidade, se for para questionar times que tiveram facilidades com regulamentos e decisões das federações, temos da Libertadores de quatro jogos do Santos em 1963 aos Brasileirões de fax do Palmeiras, passando pela Segundona-Manrake do Paulista do São Paulo em 1991. Ganhamos outro Mundial este ano, incontestável, de forma cabal, aí resolveram questionar de novo o Mundial anterior. Vão acabando as piadas, desde 2008 o Corinthians cresce exponencialmente, e o pessoal fica desesperado.


_A Invasão não foi tão Invasão assim!

Essa é nova: Mauro Cezar Pereira resolveu questionar os números da Invasão de 1976 com base em alguns recortes imprecisos de jornal e, pior!, no abalizado testemunho dele mesmo, flamenguista (portanto preocupadíssimo com quaisquer números de torcida do Flamengo). Segundo ele, tinha uns 30 mil, 40 mil torcedores cariocas, rivais do Fluminense, apoiando o Corinthians no estádio (coisa supercomum). E, sabe-se lá por que, teriam sido vendidos “apenas” 42.000 pros alvinegros, o resto devolvido, embora o mesmo jornal que ele cita afirma que mais de 50.000 foram ao Rio. Deve ser muita emoção ir ao Rio sem ingresso, mesmo tendo a oportunidade de comprar aqui, só pra adquiri-los direto no Maracanã. 




_Não é mais o Time do Povo!

Se por um lado o epíteto Time do Povo remete orgulhosamente às nossas origens operárias – numa época em que futebol era definitivamente um passatempo aristocrático, elitizado –, e conta até de um discurso de um dos fundadores do Corinthians (e primeiro presidente), o alfaiate Miguel Bataglia (“O Corinthians é o Time do Povo e é o povo que vai fazer o time”), a alcunha de “sofredor” veio dos tempos da fila de 22 anos sem títulos. Era uma tiração de sarro com o corinthiano chamá-lo assim. Hoje, com o Corinthians modelo de administração, no topo do mundo, com a marca cada vez mais valiosa, em vias de inaugurar estádio, os rivais, em vez de correr atrás, seguir o exemplo, bradam que não somos mais humildes. Claro, no conceito de humildade deles, que é aceitar 5% da carga de ingressos do Morumbi, ter um CT de terrão com contêineres, montar times de pernas-de-pau cheios de disposição, e sem os superestimados títulos internacionais. Humildade é dar chance dos outros tirarem sarro. Então agora aguentem.

Portanto sigam esperneando, pois o mundo é pouco para nós. #VaiCorinthians

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

É alvinegro e sempre há de brilhar.

– Mas o outro Mundial não vale porque foi em casa.

Desculpem-nos por fazer do Rio de Janeiro (como já fizemos de Porto Alegre e Ciudad del Este e Buenos Aires, e agora cidades do lado de lá de Greenwich) nossa casa.

Não temos culpa de que todo estádio se transforma em Pacaembu quando o Corinthians joga.

Se qualquer Yokohama vira Itaquera.

Se a Copa Toyota quis se arrumar e ficar bonitona de Mundial de Clubes só para o Corinthians jogar.

Porque sempre seremos campeões em casa. Lar é onde a Fiel está. Lá é onde o Corinthians está: no topo do mundo e eternamente em nossos corações.

Cabe o Brasil e o mundo inteiro dentro dessa nação chamada Corinthians.

Vai Corinthians. Não para de lutar. Nem de surpreender o mundo. Porque tua força nós sempre soubemos de cor.

Nas mãos de Cássio, nos pés de Jorge Henrique, na cabeça de Guerrero e no espírito de trinta e cinco milhões de loucos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sine fide ambulabo umbra


[Texto do final de setembro de 2011, publicado num site sobre literatura que não existe mais.]



_Andei de ônibus e a pé a vida inteira.

_Por que quis?

_Nunca tive dinheiro pra comprar um carro.

_Nem meus pais tiveram.

_Bom, às vezes eu até tive, mas não conseguiria mantê-lo depois, com manutenções, impostos e combustíveis.

_E bicicleta?

_Nunca aprendi a andar.

_É fácil.

_Não é não. Mas o fato é que, quando passei mal, tive que ir a pé e de ônibus para o pronto-socorro, esperar em pé durante horas pra ser atendido, até morrer num corredor fedendo a éter.

_E aí?

_Aí não sei, devem ter me carregado de lá pra cá, de IML pra cemitério.

_E agora você está aqui.

_Pois é. Essa merda de espiritismo.

_Que tem?

_Só por que não acreditei em carma e aquela porra toda, agora me ferro mais ainda?

_Você não soube aproveitar a vida.

_Ah, tenta aproveitar algo em São Paulo, pegando condução.

_Agora você terá que vagar pelo umbral por um tempão.

_É, porra. NEM DEPOIS DE MORTO VOU DEIXAR DE ANDAR A PÉ?

terça-feira, 9 de outubro de 2012

The most august sorcerers of Hades darkly seized for me a throne.



Para entender o black metal (parte 4 - final)

(Parte 3 aqui)

Ainda no turbilhão de 1994, tivemos discos importantíssimos. Entre os lançamentos que foram gravados no ano anterior, viram a luz (?) o ousado Dark Medieval Times, do Satyricon, cheio de teclados, violões e flautas (mas ressentindo da má produção, independente); Transilvanian Hunger, do Darkthrone, que, por sua vez, foi gravado de forma tosca de propósito, radicalizando a proposta primitiva do álbum anterior; e os classudos e complexos Vikingligr Veldi (Enslaved) e In The Nightside Eclipse (Emperor), de arranjos grandiosos e intrincados. E, no mesmo ano, o Enslaved gravaria e lançaria ainda mais um disco, Frost, na mesma linha do anterior.

Burzum, com Hvis Lyset Tar Oss (gravado em 1992, porém lançado apenas em 1994) deu caráter mais épico ao projeto de Varg (destaque para os climáticos 14min de Det Som Engang Var, nome do disco anterior) e se aprofundando no clima ambient music (Brian Eno, Jean-Michel Jarre, Tangerine Dream) com a etérea instrumental Tomhet (também com mais de 14min).

Tivemos também os debutes de duas bandas que causariam polêmica nos anos seguintes (desta vez, por motivos estritamente musicais) – For All Tid, do Dimmu Borgir (cujo líder, Shagrath, havia tocado no seminal Fimbulwinter), com seu black metal sinfônico, cheio de teclados, e The Principle Of Evil Made Flesh, do Cradle Of Filth, que desfilou o vampirismo gótico na cena.

Partindo da discografia até então, pode-se definir mais ou menos como o black metal criou as subdivisões dos anos posteriores (mesmo que as próprias bandas “seminais” tenham tomado outros rumos, como veremos a seguir).

Emperor, Satyricon, Dimmu Borgir e Cradle Of Filth deram origem ao symphonic black metal, e até ao avant-garde black metal, de certa forma (ainda que o importantíssimo Bergtatt, do Ulver, saísse apenas em 1995), com seus arranjos grandiosos e complexos, com teclados entremeando os vocais ora sujos, ora limpos, entoando letras mais trabalhadas.

Enslaved guiou praticamente sozinho (Borknagar, Windir e Einherjer, entre outras, jamais foram tão grandes ou influentes), durante o restante da década, o viking metal pós-Bathory, e ainda lhe deu contornos progressivos em Eld (1997) e Blodhemn (1998).

Nessa época, Quorthon estava mais interessado em thrash/death (Requiem, de 1994, e Octagon, de 1995), além de lançar dois interessantíssimos discos-solo de pop-rock (!), Album (1994) e Purity Of Essence (1997) – o excelente Blood On Ice, apesar de lançado em 1996, fora composto em 1988, e seu retorno outonal ao estilo épico, com Nordland I (2002) e Nordland II (2003), não teve tanto impacto (embora a qualidade fosse inquestionável).

Immortal e Mayhem fizeram surgir inúmeras bandas do chamado (jocosamente) “norsecore” – rápido, frio, gelado, cheio e trêmolos e blastbeats, com temas entre o inverno e o satanismo, e integrantes usando cinto de balas de fuzil e corpse paint.

Darkthrone incentivou inúmeros grupos de tr00/raw black metal – visual monocromático, som mais cadenciado, porém simplíssimo e “reto” (para dar a noção de “frieza”), com gravações lo-fi, com cara de fita demo caseira (e às vezes era isso mesmo).
 
Já o Burzum, até pelas inúmeras influências fora do metal que Varg sempre teve (ambient music, pós-punk, krautrock), foi certamente o que fez nascer o maior número de subestilos, que, por sua vez, continuam se ramificando até hoje:

- depressive black metal (normalmente projetos-solo com vocais torturados típicos de Varg, sonoridade de Joy Division tocado com os timbres do Burzum, letras sobre tristeza, angústia, solidão e desesperança, e estética de apologia ao suicídio, com revólveres, facas e forcas, além de cenas de automutilação), de bandas como Lifelover, Judas Iscariot, Xasthur, Shining e Silencer;

- post-black metal/blackgaze, que mistura black metal com post rock, shoegaze e até um pouco de folk, algo tão complicado que inclui bandas diferentes entre si como Agalloch, Falloch, Alcest, Les Discrets, Old Silver Key, Cold Body Radiation, Lantlôs, Heretoir e Celephaïs.

Enquanto isso, entre a explosão do black metal norueguês na mídia e o assassinato de Euronymous, muitas bandas de outros países, inspiradas pela first wave (Bathory, Sarcófago) ou [também] migrando do death para o black metal, de olho na Noruega (vale lembrar que o influente Live In Leipzig, do Mayhem, é de 1990), surgiram e tiveram destaque, formando cenas bem distintas.

Na Suécia, como já dito, tivemos a ascensão especialmente do Marduk, que, entre discos mais “melódicos” (muitas aspas, por favor) e mais brutais, o tal “norsecore” (do qual outro grande representante é o conterrâneo Dark Funeral). Dissection, com seus discos clássicos The Somberlain (1993) e Storm Of The Light’s Bane (1995), influencia bandas até hoje, como o alemão Thulcandra. Outras bandas típicas do rude black metal sueco são The Black (com vocais de Jon Nödtveidt, do Dissection), Pest (ambas no clima lo-fi do Darkthrone), Lord Belial, Watain e Arcknanum (com suas letras em sueco antigo).

Na Finlândia, bandas influenciadas tanto pelo death metal do Sarcófago quanto pelo crust punk e o grindcore, praticam um black metal extremamente brutal, com destaque para Behexen, Beherit (que também teve uma estranha fase ambient doom) e o absolutamente insano Impaled Nazarene. As duas últimas possuíam certa rixa com bandas norueguesas entre 1992 e 1993, chamando-as de poseurs e modistas, especialmente por terem todas migrado do death puro para o black puro. Porém não houve nada muito além de trotes para Samoth, do Emperor, e as ofensas na contracapa do primeiro disco do Impaled Nazarene, Tol Cormpt Norz Norz Norz (1993): "No orders from Norway accepted" e "Kuolema Norjan kusipäille!" ("Morte aos cuzões da Noruega!").

Outras cenas relevantes estão na Polônia, com Behemoth (que depois migrou para o death, fazendo o caminho inverso do usual) e Graveland; na França, com o movimento chamado Les Légions Noires, que incluía Mütiilation, Vlad Tepes, Belketre e Torgeist, e os atuais, herméticos e inclassificáveis Peste Noire (que tem um dos integrantes, Neige, prolificamente na cena blackgaze, com bandas como as já citadas Les Discrets e Alcest) e Deathspell Omega; nos EUA, como o chamado USBM, com influência de black/thrash, de Black Funeral, Grand Belial’s Key, Absu e Abazagorath, além dos grotescos Inquisition e (o já citado) Judas Iscariot; na Suiça, não há cena propriamente dita, mas o influente Samael (que hoje pratica metal industrial); na Grécia, Rotting Christ (que foi adicionando elementos góticos ao som), Varathron, Necromantia, The Elysian Fields, Thou Art Lord, Diabolos Rising; na Áustria, o medievalismo satânico de Abigor e Summoning.

E, no decorrer da década, as próprias bandas influentes da Noruega seguiram outros caminhos. Darkthrone pagou tributo ao Celtic Frost com discos como Panzerfaust (1995) e Total Death (1996), antes de mergulhar numa fase mais puxada para o crust punk, que dura até hoje. Emperor deixou seu com ainda mais complexo (e, de certa forma, mais acessível), embora s composições tenham ficado menos brilhantes na mesma medida em que a produção fez jus à técnica do som, até encerrar as atividades em meados da década seguinte. Mayhem, reformulado, lançou discos de forte apelo avant-garde, com a entrada Blasphemer na guitarra e os retornos de Maniac (da época do Deathcrush) e, atualmente, Attila Csihar (substituindo Maniac, demitido por problemas de alcoolismo). Satyricon lançou uma obra-prima do black metal noventista, Nemesis Divina (1996), e depois mudou o som para um lance ao mesmo tempo mais primitivo e mais pop, com toques de industrial/eletrônico. Immortal adicionou toques de metal tradicional ao som. Enslaved segue firme no progressivo/psicodélico.

Já o Burzum, como sempre, merece parágrafo à parte. Filosofem, gravado ainda em 1993, mas lançado somente em 1996, ampliava o ambient/krautrock esquizofrênico do disco anterior, com ecos de industrial. Havia pouco de metal no disco, que era mais experimental, contemplativo, minimalista e radicalmente hipnótico. Entre guitarras cheias de fuzz e vocais saturadíssimos, à industrial como em Jesu Tød, havia muitas instrumentais, incluindo uma com mais de 25min (Rundtgåing Av Den Transcendentale Egenhetens Støtte). Pretensioso, porém igualmente inovador e conciso. Era o disco mais bem acabado do Burzum até então. Na cadeia, com as evidentes restrições instrumentais da prisão, Varg lançou dois discos gravados somente com teclados e sons MIDI (Dauði Baldrs, de 1997, e Hliðskjálf, de 1999). Dívida com a sociedade cumprida, retomou o metal com abordagem mais pop/tradicional e até vocais limpos, retomando a carreira do ponto de Filosofem.  

Na própria Noruega, o estilo continua parindo bandas tão diversas quanto Dødheimsgard (que foi do black tradicional ao industrial) e o blackmetalpunk do Kvelertak.

E o Brasil? Vai bem, tanto com o old school Mistyfier, quanto com o second wave Amen Corner e os atuais Corubo (com letras em tupi-guarani!) e Ocultan (e seus temas de quimbanda!).

Uma vez aberta a caixa de pandora do black metal, o mal e a escuridão permanecem com raízes fincadas em toda a Terra. Para nossa sorte musical.