A "greve dos acontecimentos", termo usado pelo escritor argentino Macedonio Fernandez e citado por Jean Baudrillard para se referir à era dos pseudo-eventos, chegou ao ápice brasileiro no começo deste ano, com a invenção, por parte do PIG, da epidemia (sic) de febre amarela.
Já expliquei, no post anterior, que esta é uma doença silvestre (o que já descaracteriza o termo epidemia); para que ele ocorra na cidade, é preciso que:
01. a fêmea do mosquito Haemagogus (ou, mais raramente, do Sabethes) pique um macaco infectado com o vírus amarílico;
02. o mesmo mosquito pique uma pessoa, não vacinada, que more na cidade e esteja de passagem pela área silvestre endêmica;
03. de volta à cidade, essa mesma pessoa seja picada por um mosquito Aedes aegypt (puta zica do caralho), saudável ou com dengue (zica-mór), tanto faz;
04. esse mosquito pique alguém que também não tenha sido vacinada.
Essa é uma combinação tão fortuita que não ocorre desde 1942.
Pois a mídia ignorou tudo isso, diante de casos de febre amarela silvestre, em número dentro das estatísticas – sim, ninguém vai pesquisar cura para doença que só mata caipira pobre, então é normal que morra uma dezena deles anualmente nos grotões Brasil adentro – e da morte de alguns macacos (alguns, aliás, pela ignorância do povo alarmado sem necessidade), começou a noticiar uma hecatombe virótica nas asas de um mosquitinho. Colunistas incentivando a corrida aos postos de saúde, apresentadores de TV dizendo meias-verdades (que o mosquito da dengue pode transmitir a doença, porém sem mencionar as condições quase miraculosas para que isso aconteça) e, numa profecia auto-realizável, o caos acabou instaurado a ponto de serem internadas duas pessoas por “revacinação”.
Num país minimamente sério e/ou com um governo menos medroso, choveriam processos contra os Frias, os Marinhos, os Civitas e os Mesquitas. Mas claro que, como estamos no Brasil, onde, desde que o PT ascendeu a Presidência, a imprensa é o primeiro, segundo, terceiro e quarto poder, ocorre o absurdo de a Folha e o Estado bancarem o joão-sem-braço e publicarem matérias dizendo que sim, a situação está exagerada, só que a culpa é – pasmem! – do governo Lula, que iniciou a vacinação em massa. Caso o Ministério da Saúde não fizesse nada, seria culpado. Como fez, é culpado do mesmo jeito.
Nem as mais recônditas cavernas de Platão poderiam engendrar tamanho simulacro, tamanha dissuasão. É o agenda-setting sofrendo bizarras mutações e entrando no campo da hiper-realidade. Eis a neotevê (neojornal, neo-revista) preconizada por Umberto Eco: invertidas todas as ordens, os fatos agora existem porque são noticiados pela mídia; aliás os fatos não mais acontecem. São criados e repetidos ciclicamente até a auto-realização. É um vir-a-ser já esvaziado de qualquer essência, um blefe que, dissuadindo a História, faz com que ela siga negativamente (tanto no sentido cartesiano quanto no hegeliano). É o vanish-point, a precessão do buraco-negro epistemológico que transcende qualquer ontologia. Loop, eterno retorno a coisa alguma, cobra mordendo o próprio rabo. O Brasil virou artifício de metalinguagem da imprensa. Monkey see, monkey do.
A favela é a nova senzala; correntes da velha tribo. Doença que chegou da África com os navios-negreiros, de carona em carrapatos e mosquitos, por volta de 1850. E a sala é a nova cela – prisioneiros das grades do vídeo. Hoje serve de matéria-prima para os interesses políticos e para os desinteresses em curar a nação doente de cultura e ética.
Um comentário:
é muita palhaçada né não?! eu achei um absurdo essa história de gente tomando duas vezes a vacina! precisava era alguém chegar nesses pobres coitados e explicar que isso é uma vacina, não um remedinho para curar a doença!
você deve ter tido um trabalhão p/ colocar todos esses links no texto!
beijos!
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