As aventuras do caramujinho jornalista (I)
Era uma vez um caramujinho que fazia frilas.
Um dia uma borboletinha, aconselhada por outra borboleta, ligou para o caramujo e lhe ofereceu um freelance que ela não conseguiria fazer a tempo.
_Olá caramujinho, tudo bem?
_Tudo bem, borboletinha, e você?
E, numa cordial conversa, os termos do trabalho ficaram acertados, com todos os contatos e todas as coordenadas.
Faltava falar com o cliente, o besouro rola-bosta.
_Olá rola-bosta, tudo bem?
_Tudo bem, caramujinho, e você?
O besouro explicou que era um trabalho insano, muita coisa em pouco tempo. “Pelo menos poderei cobrar bastante”, pensou o ressabiado caramujinho.
No dia seguinte o caramujinho, mesmo tendo acordado com uma forte dor de barriga, vômito e enxaqueca, decidiu cumprir seus compromissos. Deslizou até o médico, onde tinha consulta marcada havia tempos. Sendo um molusco pobre, com casca de segunda mão, que utiliza o SUS, ficou esperando um tempão, mesmo com hora marcada. De lá, escorregou até o terminal de ônibus, onde engoliu a segunda pior coxinha de sua vida (fez até uma nota mental de listar depois os piores rangos que já comera), e seguiu para o longínquo cliente.
E o caramujinho foi. E foi. E foi. O lugar parecia nunca chegar. Que jardim distante! De terminal em terminal, de ônibus em ônibus, o pequeno molusco morria de calor dentro de sua carapaça que ardia sob o sol daquela tarde abafada. Desceu já atrasado, às pressas, quando viu que o enésimo ônibus que pegara não chegaria onde deveria. E o caramujinho andou. Andou. Andou. Mal havia muco suficiente para se arrastar por aquele caminho imenso, desconhecido, cheio de perigos. Resolveu perguntar a todos que apareciam
_Olá centopéia, onde fica este endereço?
_Não sei, caramujinho. Por que não pergunta àqueles cupins?
_Olá cupins, onde fica este endereço?
_Não sabemos, caramujinho. Por que não pergunta àquele louva-a-deus?
_Olá louva-a-deus, onde fica este endereço?
_Não sei, caramujinho. Por que não pergunta àquela aranha?
O caramujinho se sentiu perdido num imenso formigueiro, sem saber aonde ir. Por sorte sua joaninha-madrinha lhe telefonou, procurou o endereço na internet e corrigiu a rota do pequeno caramujo, já tão cansado e apreensivo.
_Olá caramujinho, você já andou tanto, mas agora nem está tão longe. Continue à direita, naqueles arbustos.
_Obrigado fada-joaninha. Serei eternamente grato.
Mas o pior estava pior vir: quando chegou à esquina do jardim, viu um imenso vale que deveria atravessar. Era tão colossal, e o caramujinho já estava tão cansado e atrasado, que só conseguiu pensar no Ice Blue, dos Racionais MCs, falando, em A Vítima:
“MANO, FOI UM ARREGAÇO!...”
E o caramujinho desceu o vale infindável.
Desceu.
Desceu.
Desceu.
No ponto mais fundo, sentiu o ar faltando como se estivesse no fundo do oceano.
Subiu.
Subiu.
Subiu.
O vento quente lhe ardia nos pulmões, o suor deixava seu corpo ainda mais escorregadio dentro do casco. Achou que ia infartar, de tanto que o coração palpitava.
Chegou ao local, com saudade de um banho relaxante em seu cogumelo, na companhia de sua caramujinha.
Suou de derramar cascatas enquanto esperava o cliente, sob os olhares enviesados da secretária taturana.
Quando finalmente foi atendido, naquele ambiente impessoal de grande fábrica, e foi formalmente apresentado pelo rola-bosta ao décimo terceiro trabalho de Hércules, aquele que ele recusou porque não ia dar tempo.
_Quanto você cobra por isso?
_Dez flores murchas.
_Tudo isso? Só posso pagar três.
_Esse preço é ridículo.
_O outro caramujo fez por duas flores. E nem estavam murchas.
_É, e o trabalho ficou uma merda.
_Ah, faz um desconto, vai. Quatro flores, ta bom?
O caramujinho pensou em torturar aquele ganancioso rola-bosta e todos os seus familiares. Mas havia viajado tanto até ali, o dia havia sido tão cansativo, que acabou aceitando.
Na saída, tentando minimizar seu prejuízo pessoal, inquiriu o besouro pão-duro:
_Pô seu rola-bosta, você me ensinou o caminho errado, não é possível. Tive que deslizar tanto que até me faltou muco pra voltar agora. Atravessei um longo jardim, canteiros estranhos e um vale gigantesco... e ontem você disse que era pertinho!...
_Ah, você veio de ônibus? O caminho era pra vir de carro! De ônibus tem um ponto ali pertinho, na esquina.
¬¬
Sentindo-se um caramujo prostituído, passou num boteco para comprar uma cerveja e dar uma conferida no final da Champions League.
Achou um velho com uma camisa do Corinthians na esquina. Perguntou a ele se o ônibus desejado passava ali, para então emendar:
_Hoje tem Coringão, hein? Dois a zero no Vasquinho?
_Opa, hoje a gente ganha fácil.
Ele jamais havia puxado conversa com um estranho, em toda a sua lenta vida. Alguma coisa havia mudado naquela tarde baça, e era a expressão estóica de um caramujinho que acreditava mais em si.
E a noite chegou como um manto alvinegro, pousando suavemente sobre aquele coração exausto.
Um comentário:
Belo texto, apesar de não ter um final muito feliz...
Abraços ao caramujinho! ;)
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