segunda-feira, 21 de abril de 2008

O paraíso na outra esquina

Wong-kar Wai. O chinês que faz filmes que devem ser obrigatoriamente vistos em tela grande, na maior tela possível, na mais impenetrável das escuridões, com o som mais cristalino (nada escandaloso). O diretor que concebe e concede cada cena, cada frame, cada plano como se fosse uma pintura, uma poesia, uma canção, uma escultura. Deixar-se levar por sua obra e deleitar-se nas belas-artes com poucos e sutis diálogos, a câmera "voyeurística" muito além de DePalma ou Hitchcock; é a direção que se deixa fluir, que permite a fluidez dos enredos fugidios – à primeira vista, aturdida, quase frouxos – e ser levado a um pequeno universo de grandes amores, tão desencontrados quanto o inevitável afastamento dos astros no vazio celeste. É o dificílimo equilíbrio entre deslumbre estético e concisão de roteiro, entre pretensão artística e entretenimento, num ritmo de águas calmas que, no entanto, jamais cai na maresia. É tudo que a nouvelle vague, o cinema-novo, enfim, todo autor pretensioso quis fazer, mas careceu de talento onde abundava o pedantismo. Quanto ao filme? Ah, a sinopse você pode ler em qualquer lugar. O elenco é irrepreensível – além da grata surpresa Norah Jones e de um tiozinho que desconheço (desculpa, tiozão), Jude Law, Natalie Portman e Rachel Weisz desfilam suas belezas (exceto o tiozinho) e destilam seus talentos de sempre, como nunca. Há elementos de road-movie, de desilusões típicas da Hollywood setentista, além de, é claro, o pós-impressionismo das cores tão diletas ao diretor: o verde, o azul, o vermelho. Caso fosse possível – bom, eu decido que é possível – é um estilo noir-colorido. Wong-kar Wai soube adequar bem a essência de seu estilo a Hollywood – a história é mais consistente, o visual menos estupefaciente e o ritmo é mais linear – mas toda a beleza, aquela de vir a vontade de fazer genuflexão durante a projeção e pensar “caralho, é por isso que eu amo cinema”, toda a magia e a poesia mantêm-se e manter-se-ão incólumes, para sempre, se os deuses assim quiserem. Deixo aqui, pois, minha reverência a essa pequena obra-prima sobre desencontros, vícios e perdição. Sabe, às vezes o encontro tão esperado, a virtude quase inatingível e a redenção tão martirizada estão ali, do outro lado da rua, num pedação de torta de blueberry.

2 comentários:

Carolina Molina disse...

Inspirador.

Anônimo disse...

hahahahhahaha
genial ver alguém se declarar mais apaixonadamente a wkw do que eu.
eu tenho umas criticazinhas a esse filme. discordo sobre os atores... mas é isso: o paraíso do outro lado da rua (certamente uma melhor tradução do que o beijo roubado, seria)