----- Original Message -----
From: Fábio Vanzo
To: loyolabrandao@xxxxxxx
Sent: Wednesday, April 02, 2008 4:29 PM
Subject: Zero
Olá Ignácio, tudo bem?
Vim aqui pra falar do Zero.
Nem espero que você responda, talvez esteja ocupado demais, talvez não se interesse... não tem problema; é só uma necessidade minha de dizer o indizível.
Li teu livro no início deste ano, na pior fase da minha vida tão repleta de momentos ruins; num velho exemplar – comprado em sebo por R$ 4, com dedicatória e marcas de biblioteca – aos farrapos; gastei mais em cola do que comprando um livro novo.
Estava tudo um caos ao meu redor e dentro de mim – um puta puteiro do caralho, como costumo dizer – e, a cada caco, cada tijolinho do teu livro em desconstrução eu ia revendo conceitos literários que jamais havia pesado serem possíveis.
Percebi que o que parecia um rolo-compressor era mais ou menos o método de escrita para meus contos e romances, num acúmulo de citações, papeizinhos e papelões, recortes e anotações, fichamentos... coisa que confirmei quando ganhei de presente da Karla, irmã da Jéssika, cuja mãe dançou com sua veia-bailarina), minha grande amiga, O Não Verás País Nenhum, que eu havia pedido de amigo-secreto, a edição comemorativa, o qual estou lendo atualmente, daquele jeito lento (tão contrário a mim) que a gente faz quando está gostando tanto da leitura que fica com dó de terminá-la.
[Aliás este seu endereço de e-mail pessoal eu peguei sem o consentimento delas.]
Pois lá pude, até agora, confirmar minhas impressões imprecisas a respeito do Zero. Aliás, voltemos a ele. Li-o sentindo-me um zero, um oceânico, abissal, vastíssimo zero. Fui José com seus ratos, Carlos Lopes com seus filhos mortos e as roupas em farrapos; conspirei, enganei, fui torturado.
Quando acabou, fiquei triste. Livro roubado de biblioteca, com aquele envelopinho pardo na última página e carimbos, depois dado de presente a alguém como se fosse novo (ou teria sido o contrário), para então ser desprezada a lembrança de quem o ofertou e vir ao meu encontro num sebo do centro de São Paulo.
Faz uns três meses que estou tentando digeri-lo, até dá medo de relê-lo: tomo-o nas mãos, folheio, ameaço escrever algo, mas sempre aquele turbilhão de sensações, slogans, desassociações, tudo me invade sem permissão e eu fecho o livro, aturdido. Hoje, além das outras marcas-de-guerra, ele também está manchado de Smirnoff Frutas Vermelhas, qual o sangue ébrio que derramei no pior dos piores dias.
Vim, vi e perdi tantos trechos, é uma obra indefinível, que faz frente às leituras que definiram meu estilo de escrever e viver. Como quando li Água Viva, da Clarice, pura dissolução das formas do romance, mas ainda com graça, leveza. Já teu número-zero foi uma sessão de tortura com intenções purificadoras como Alan Moore engendrou em V De Vingança.
Aumentou a responsabilidade para eu escrever meus romances, contos e poemas urbanamente imundos. Estou enchendo minha escrivaninha de trechos caóticos para fazer um conto em homenagem ao teu estilo, que entrará no meu próximo livro (tenho três não publicados, este será o quarto).
Desculpe-me se este e-mail está meio confuso. É que eu só sei ser impossível.
Eternamente grato pela opressiva influência, maldição literária recém-chegada e já permanente,
Fábio Vanzo
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