Não sei como é para quem não escreve, ou escreve só por lazer. Mas para mim, que faço disso profissão-de-fé, há livros que são simplesmente bons, ótimos, marcantes, e aqueles que influenciam no estilo de escrever para o resto da vida, ainda que com oscilações de intensidade conforme as épocas, até que ela se cristalize e seja agregada ao estilo próprio.
Assim foi com os poemas de Augusto dos Anjos ("Ah, então a poesia pode ser podre, grotesca e horrenda, e, ainda assim, magnífica?"), Álvaro de Campos ("Ah, então além de não precisar de nenhuma rigidez formal, dá pra dizer o indizível, dá pra descrever o indescritível?"), Cecília Meireles ("Ah, então eu posso dizer o indizível com a tristeza delicada da impermanência da vida ante a eternidade da natureza, e ainda com músicalidade mesmo sem rima?") e Arthur Rimbaud ("Ah, então além de escrever sobre coisas horrendas, posso fazer poesia sem versos?", além dos romances de Graciliano Ramos & Albert Camus ("Ah, então eu posso escrever romances curtos, sem muito desenvolvimento de personagens além da sondagem psicológica, e fazer algo ao mesmo tempo sólido, denso, tenso e rápido?"), Jean-Paul Sartre ("Ah, então dá pra transformar o indizível num romance em prosa normal?"), Clarice Lispector ("Ah, então pode fazer romance sem história e só com rascunhos de personagens?") e Mário Benedetti ("Então eu posso usar recursos batidos, como escrever como num diário, usar um final impactante, e tudo isso sem parecer clichê?").
E aos 28 anos, depois de tanto livro lido, vem, no fundo, um pensamento bobo de que, mesmo com tanta coisa ainda por ler, tanto clássico e tanta jóia rara, eu dificilmente seria impactado por alguma coisa, ainda que eu leia para ter vontade de escrever, para ter vontade de tocar, para ter vontade de fotogafrar, para ter vontade de desenhar para ter vontade de... escrever. Jamais deixo de manter toda essa interação entre tudo que sou e faço.
Por sorte esse pensamento pálido foi demolido recentemente pel'As Palavras, do Sartre ("Ah, então eu posso fazer uma autobiografia sem nenhuma fato relevante e ainda assim ficar lindo pela própria linguagem?") e, é claro, pelo Zero, do Ignácio de Loyola Brandão. ("Ah, então eu posso misturar tudo isso que eu disse durante este texto?")
Um comentário:
cê é um gênio, depois de tantos livros lidos a vontade de escrever, não só por escrever, mas para embaralhar todas as experiências adquiridas...
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