quarta-feira, 2 de abril de 2008

Show me a hidden path to the source of wisdom.

[Este texto está mais ou menos escrevinhado faz uns meses, desde o final de janeiro ou o início de fevereiro. Mas tentarei manter o espírito da época, fazer que os amores e aromas voltem à lembrança, do jeito que desejarem retornar.]

“Enquanto escrevo tomo, gota a gota, um chá de laranjeira”.

Era uma quinta-feira, salvo engano, início de tarde, e eu no ônibus, indo ao médico, lendo O Braço Direito, do Otto Lara Resende, quando li a frase acima, e tive a epifania do poder que a linguagem tem de nos arrebatar, seja no enlevo ou no escárnio, na carícia ou na agressão. Embora estivesse muito quente, pleno verão, e o chá do personagem devesse estar fumegante, pude sentir no olfato, direto para o cérebro, a sensação alaranjada da vida a conta-gotas dele, tão sem propósitos.

Laranjeira me levou ao laranjal, plantação de laranjeiros/laranjeiras, pés-de-laranja; laranja que vem do árabe naranya e/ou do persa narang. Palavra vem do grego parabole e linguagem [língua + agem (coleção, ato, estado, do latim aticum, por meio do francês -age].

Quando aprendo ou redescubro uma palavra nova, logo quero utilizá-la; primeiro numa experimentação lúdica, depois num obsessivo processo de sondagem investigativa dos seus recônditos, a fim de que se me revelem todas as suas possibilidades; sim, porque em cada palavra há mais matéria e metafísica do que em todos os universos.

Estudo psicologia, filosofia, letras, comunicação, belas-artes, arquitetura, política, medicina, sociologia e nada é para engrandecimento pessoal, lucro ou projeto; a única intenção, já há algum tempo – talvez desde sempre – é tão-somente enriquecer cada vez mais a minha lírica com a maior variedade possível de imagens interligadas e rearranjadas.

O segredo da existência está na linguagem. Só a comunicação pode, ao mesmo tempo, transcender a impermanência e capturar o instante fudigio (e, ao mesmo tempo, imensurável). Em uma palavra tudo se define e redefine. A palavra é tudo que é a palavra.

Eu sou o verbo feito carne: feitiçaria generalizada, alquímica, anárquica – todas as palavras são mágicas.

[ "Temos de parar de pensar se nos recusarmos a fazê-lo na prisão da linguagem." (Nietzsche) / "O homem age como se ele fosse o formador e o mestre da linguagem, quando, na verdade, a linguagem é a mestra do homem." (Heidegger) / "O homem não existe antes da linguagem, seja como espécie, seja como indivíduo." (Barthes) / "Os limites de minha linguagem são os limites de meu mundo." (Wittgenstein)]

2 comentários:

majv disse...

você viaja, mas na verdade expressou o que eu também sinto quando mergulho na linguagem, cada resquício de uma realidade criada que permanece no corpo por anos e anos.
=}

Unknown disse...

"Duas vezes foi criado o mundo: quando passou do nada para o existente; e quando, alçado a um plano mais sutil, fez-se palavra. O caos, portanto, não cessou com o aparecimento do universo; mas quando a consciência do homem, nomeando o criado, recriando-o portanto, separou, ordenou, uniu. A palavra, porém, não é o símbolo ou reflexo do que significa, função servil, e sim o seu espírito, o sopro na argila. Uma coisa não existe realmente enquanto não nomeada: então, investe-se da palavra que a ilumina e, logrando identidade, adquire igualmente estabilidade. Porque nenhum gêmeo é igual a outro; só o nome "gêmeo". Assim, gêmea inumerável de si mesma, a palavra é o que permanece, é o centro, é a invariante, não se contagiando da flutuação que a circunda e salvando o expresso das transformações que acabariam por negá-lo. Evocadora a ponto de um lugar, um reino, jamais desaparecer de todo, enquanto subsistir o nome que os designou (Byblos, Carthago, Suméria), a palavra, sendo o espírito do que - ainda que só imaginariamente - existe, permanece ainda, por incorruptível, como o esplendor do que foi, podendo, mesmo transmigrada, mesmo esquecida, ser reintegrada em sua original clareza. Distingue, fixa, ordena e recria: ei-la." (Nove, novena - Osman Lins).



Bjinho.