terça-feira, 18 de março de 2008

Se eu fosse um cara diferente, sabe lá como eu seria.

Estranho como sentimo-nos, às vezes, extremamente atraídos, próximos e íntimos de pessoas que não vimos e das quais sabemos tão pouco delas. E nem me refiro a personalidades de vultos, pois assim até é compreensível e fácil, tendo em vista o material histórico, as obras, as fotos, os filmes, os estudos. Refiro-me a completos anônimos, cidadãos comuns como esses que se vê pela rua. Como o simples fato de eles haverem caminhado sobre este mesmo orbe infame pode definir de forma tão profunda o que somos e podemos ser.

Talvez seja a real expressão de deixar a vida (de uns) para entrar para a história (de outros). Alguém que deve ter sido essencial e especial para tantas pessoas, depois de tanto tempo morto consegue influenciar da forma mais improvável a formação de alguém que surgiu tão depois e que, de incerta forma, tanto se identifica.

No ar, num ato qualquer, certo temor. Passou-se um segundo – talvez o amor – e sua vida foi levada como um beijo, como um vento, como um bater de asas, como um recuar de ondas, como o cair da noite.

E, a despeito de memórias inocentas da primeira vida, em necrópoles distantes e mal-cuidadas, sob sol e sobre poeira, em tumulares silêncios e veladas paredes enegrecidas cheias de gavetas de pessoas semi-esquecidas, está tudo lá, ainda.

Um assunto-tabu revelado entre lágrimas contidas, após tantos anos de estilhaços e migalhas, de traumas e incertezas; um segredo, uma tentativa abstrata, um sucesso concreto, num hospital, numa dança, numa praia, num bálsamo, num disparo. E tudo retornou à praia sulfurosa de mim como as ondas que um dia recuaram além de onde quebraram, porém nunca as mesmas águas.

Porém para mim bastava: finalmente o círculo se fechava como rodam os discos cheios de aforismos colados enigmaticamente, hipnoticamente reproduzindo com o chiado das canções o espírito que ao mesmo tempo me pesa e me engrandece. Seria eu totalmente diferente sem essa herança bela e maldita, bem que vem do mal, sul do paraíso, eternidade no estilo do desejo.

Um comentário:

Anônimo disse...

A primeira vez que li esse verso dos Enghaws, se não me engano, foi há cinco anos atrás acompanhando um tratado sobre quem você (não) era.

Não era ninguém, virtual mais que real, mas estava no mundo lá do outro lado me alcançando.

Não era nada porém para mim bastava.