sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Everyone recognized war, that black metal isn't just entertainment anymore.



Para entender o black metal (parte 3)

(Parte 2 aqui)

Nesse curto período, houve muita tragédia e muitos crimes foram cometidos por membros do Inner Circle ou por bandas de outros países, confessamente inspiradas pelos noruegueses.

Em 8/4/1991, Per "Dead" Yngve Ohlin - que desde uma experiência de quase-morte, devido a um severo sangramento estomacal, achava que não pertencia mais a este mundo - foi encontrado morto na casa em que os membros do Mayhem estavam morando. Estava com a cabeça aberta por um rito de espingarda (cuja munição teria sido fornecida por Varg) e os pulsos cortados a facão. Vestia uma camiseta “I love Transylvania” e seu bilhete de se suicídio dizia apenas “excuse all the blood”.

Euronymous, o primeiro a encontrá-lo, tirou fotos do cadáver e teria apanhado pedaços do crânio esparramado. Teriam sido feitos colares com esses nacos de cérebro (alguns blackmetallers escandinavos alegam tê-los, como membros do Marduk) e até cozinhado e comido alguns. Já a foto acabou virando capa do infame bootleg Dawn Of The Black Hearts (1995).

Entre 1992 e 1996, mais de 50 igrejas foram incendiadas e mais de 15 mil túmulos foram profanados (alguns itens sacros desses lugares teriam virado decoração da loja Helvete). Houve incêndios e profanações também em países vizinhos, como na Suécia (membros do Abruptum foram acusados, mas nada se provou) e até na Rússia. Sabe-se do envolvimento de Varg, Samoth (Emperor) e Jørn (Hades Almighty) em alguns atentados a igrejas na Noruega. Todos foram condenados.

Outros acontecimentos sinistros ligados à segunda onda do black metal: Bård Faust, então baterista do Emperor, foi preso pelo assassinato de um homossexual. O baixista à época, Tchort, foi condenado por assalto e diversas agressões. Grim, baterista de bandas como Immortal, Gorgoroth e Borknagar, cometeria suicídio (por overdose intencional de drogas) em 1999. Bandas como Therion, Deicide e Paradise Lost sofreram atentados que teriam sido a mando de Varg Vikernes (por serem bandas "vendidas", "usurpadoras das forças negras" ou qualquer coisa assim).

Na vizinha Suécia, Jon Nödtveidt, líder do Dissection, foi preso pelo assassinato de um imigrante argelino, e cometeria suicídio em 2003, anos depois de sair da prisão. O membros originais da banda alemã Absurd (de forte ligação com o nazismo e acentos Oi!/RAC na musicalidade), foram condenados por assassinar um colega de escola (por questões pessoais). Uma foto de seu túmulo também virou capa de disco, a demo Thuringian Pagan Madness (1995).

À época das primeiras igrejas incendiadas a grande mídia já havia se interessado pelo tema, e não só na própria Noruega: uma bombástica reportagem da famosa revista inglesa de rock Kerrang! em 1992 espalhou o vírus do black metal pelo mundo, rendendo até uma matéria da revista Bizz, acusando Satanic Terrorism, do Sarcófago (do álbum Hate, de 1994) de ser uma elegia ao Inner Circle (talvez fosse mesmo, embora eles dissessem que estavam apenas “relatando um fato”, mas a matéria era de fato bem pobre).

O livro Lords Of Chaos, de 1998, permanece até hoje o grande documento sobre a época (embora Varg, Fenriz, Satyr e outros repudiem a obra), junto com o filme Until The Light Takes Us (focado demais em Fenriz, do Darkthrone), de 2009.

Porém o acontecimento-chave para o movimento ocorreu em 10/8/1993. E, para tentar entendê-lo, é preciso contextualizar a hierarquia daquela cena musical.

Embora, segundo testemunhas como Frost (Satyricon) e Bård 'Faust' Eithun (Emperor) jamais tenha havido realmente um Inner Circle ou um Black Circle – era apenas uma cena musical, pessoas com interesses em comum que se reuniam no porão da Helvete, nada de rituais de iniciação ou reuniões oficiais – era fato que Euronymous, supostamente usando táticas de liderança aprendidas quando militou no partido norueguês de extrema esquerda Red Ungdom (Juventude Vermelha), para influenciar (manipular?) as outras bandas.

E funcionou: em poucos meses, muitas bandas de death metal se tornaram black metal, como já citado na parte 2.

Dead, que em vida já retroalimentava o extremismo crescente de Euronymous, quando morto tornou-se o marco inicial da obsessão completa com o satanismo (teísta mesmo, não o filosófico de LaVey) e tudo que era perverso. E muitos dos atos criminosos cometidos à época eram coisa de jovens que pretendiam impressionar seus iguais, pertencer a um grupo “seleto”, ter status na cena.

Nisso, ninguém era melhor que Varg (ironicamente nascido “Kristian”) Vikernes. Até a estética colaborava para o interesse da mídia: enquanto Öysten “Euronymous” Aarseth era baixinho e feio, com discursos histriônicos e cheios de clichês “malvados”, Varg tinha cara de moço bonito de família, e era muito mais bem articulado em sua lógica tortuosa.

Enquanto Euronymous alegadamente passava fome pra manter a sua casa, a Helvete e a Deathlike Silence Produtions, Varg, aparentemente de ascendência mais abastada, provavelmente morava com os pais e seu projeto Burzum era um dos campeões de venda (em termos de underground, claro) da cena.

Diz-se que Euronymous começou a ver seu até então melhor amigo e parceiro de extremismos como um rival, dividindo a atenção tanto da mídia quando dos outros músicos do Inner Circle. Fala-se também de problemas com dinheiro (Euronymous estaria devendo o repasse de vendas dos discos do Burzum), discordâncias políticas (Euronymous era comunista, e Varg, fascista), divergências ideológicas (Euronymous era satanista, e Varg, adepto do paganismo nórdico) e até, pasmem!, disputas por uma namorada. Porém, como a história é escrita pelos vencedores, e as testemunhas da época não gostam de falar sobre o assunto, fiquemos com a versão (mais ou menos) oficial.

Segundo Mortiis (então baixista do Emperor), Euronymous teria ido a uma vidente e descoberto que sua vida corria perigo. Como ele já estava desconfiado de que Varg estava conspirando contra ele, achou que seu ex-amigo planejava assassiná-lo. Resolveu se antecipar e matar Varg primeiro. Wagner Lamounier, do Sarcófago, que se correspondia com Euronymous na época, diz que o norueguês planejava injetar um vírus ou coisa parecida em alguém (Vikernes não era mencionado) e transformá-lo num escravo-zumbi (!).

O fato é que Snorre W. Ruch, do Thorns, amigo de ambos, contou a Varg os planos de Euronymous, e ainda se ofereceu para ir junto. Em 10 de agosto de 1993, viajaram de Bergen até o apartamento de Euronymous em Oslo, em plena madrugada.

A versão de Varg é que ele apenas ia falar sobre contratos da Deathlike Silence (embora tenha levado uma faca para “eventualidades”), e que se defendeu quando Euronymous o atacou também com uma arma branca. O que se sabe é que Euronymous morreu na porta de casa, vestindo pijama e samba-canção, com 23 facadas, sendo duas na cabeça, cinco no pescoço e dezesseis nas costas. E o vencedor do duelo também aproveitou para difamar: teria encontrado um vibrador sujo de excrementos e vídeos de sexo gay e bizarro no apartamento de Euronymous.

(Se é verdade a história da ida de Euronymous à vidente, tornou-se então uma profecia autorrealizável.)

Num processo rápido, que mobilizou a mídia (norueguesa e europeia) como nunca antes no metal extremo, Vikernes foi condenado a 21 anos de prisão por homicídio em primeiro grau, posse ilegal de armas e explosivos e por ter colocado fogo em três igrejas (o que ele nega até hoje). Snorre pegou 8 anos por cumplicidade no homicídio.

Ironicamente, em maio de 1994, o Mayhem finalmente lançou seu aguardado álbum De Mysteriis Dom Sathanas, com Euronymous e Snorre (creditado como Blackthorn) nas guitarras e Varg Vikernes (como Count Grishnackh) no baixo. A cena do crime completa num dos discos mais influentes da história do black metal. Na bateria, o remanescente Hellhammer (até hoje na banda). As letras? Dead, num estilo mórbido e obscuro. E, para os vocais, o húngaro Attila Chsihar, do influente Tormentor, com estilo bastante peculiar de cantar. Sem dúvida um grande resumo da época, com canções que mostravam a evolução das ideias musicais de Euronymous.

A família de Euronymous teria pedido a Hellhammer que retirasse a gravação do baixo de Varg, mas, embora prometido, isso não foi feito. O que ocorreu, de acordo com as versões-demo do disco (ainda com Dead nos vocais) que circulam pela rede, é que o baixo teve seu volume reduzido apenas.

Com tudo isso, o filho mais horrendo do metal já não era exclusividade do underground, pertencia agora ao mundo, seria parte da [sub]cultura pop dali em diante. Porém, enquanto sua face mais visível galgava o mainstream, outros tentáculos se espalhariam em novas manifestações ainda mais extremas e anticomerciais (porém sem – muitos – crimes).

terça-feira, 31 de julho de 2012

Two great spears and a flag of dominion and hate.


Para entender o black metal (parte 2)

(Parte 1 aqui)

Quando se diz que o Bathory sempre esteve à frente de seu tempo, não é brincadeira: ainda que Quorthon tivesse, além de inventado o black metal, tê-lo desenvolvido em tons épicos em Blood Fire Death (1988), Hammerheart (1989) e Twilight Of The Gods (1991), criando os subgêneros epic/viking/pagan metal, e dando grandiosidade e “espírito de guerra” ao próprio metal negro – com climas grandiosos (incluindo citações ao folclore musical nórdico e a compositores clássicos como Gustav Holst), músicas mais longas e uso de violões e vocais limpos –, no início dos 1990s a turma do som extremo na Noruega ainda estava imersa no death metal.

Os futuros membros de Immortal e Burzum tocavam juntos no Old Funeral, os do Emperor, no Thou Shalt Suffer, e Darkthrone já existia, mas também tocava death metal.

Apenas quando o Mayhem teve a entrada de Dead (da banda sueca – de death – Morbid) as letras passaram a ter mais morbidez e profundidade (em vez do splatter de Deathcrush) e Euronymous, além de começar a compor black metal, convenceu todos da cena a largar a cena death – que, segundo ele, havia se tornado poseur e modista com o sucesso na MTV de bandas como Entombed e Obituary – e atingir novos patamares de som extremo e obscuro com o novo direcionamento musical.

Shows como o de Leipzig, em 1990, a despeito tanto da precariedade sonora quanto da apatia do (pouco) público foram vistos por todos daquela nascedoura cena nórdica, incluindo membros das bandas suecas Abruptum e Marduk.

Ao ouvir aquelas músicas inovadoramente brutais, sem quaisquer resquícios de death (mesmo as antigas, ao vivo, passaram a soar diferentes), e ver as performances de Dead, que usava corpse paint, se cortava no palco, usava ganchos e porcos empalados no palco, vestia roupas que ele mesmo havia enterrado semanas antes e cheirava um corvo morto dentro de um saco entre as canções (para “sentir a presença da morte”) todos queriam fazer parte daquela cena.

Foi quando se formou, no porão da loja de discos Helvete (“Inferno” em norueguês), do guitarrista e líder do Mayhem, Euronymous – sempre o catalisador, o agregador de todas as tendências do movimento –, o chamado Inner Circle Of Norwegian Black Metal (apesar do nome pomposo, nada formal), que incluía todas as bandas norueguesas recém-convertidas ao black metal num grupo de jovens tão sem dinheiro quanto talentosos.

Isso incluía o selo Deathlike Silence (que lançava a maioria das bandas), uma rede de contatos no underground que incluía das bandas já citadas da Suécia até grupos distantes como o brasileiro Sarcófago (influente, embora permanecesse death metal) e o japonês Sigh. E ideias extremistas que levariam, em pouco tempo, a assassinatos, suicídios, profanações de cemitérios e incêndios a igrejas.

Em pouco tempo foram lançados pilares musicais do estilo, formando a chamada segunda onda do black metal. Interessante notar o quanto as bandas, embora do mesmo lugar, com o mesmo passado death, com intensa troca de instrumentistas e parcerias musicais, e sob a mesma influência do líder do Mayhem, possuíam visões tão distintas do estilo.

Immortal, após o debute ainda meio death/doom Diabolical Fullmoon Mysticism (1992), veio com Pure Holocaust (1993), que trazia equilíbrio entre rispidez e melodia, vocal inspirado em Bathory e temas fantásticos de batalhas em míticas terras geladas.

Burzum (na verdade um projeto solo de Varg Vikernes) lançou seu epônimo (1992) e um EP (Aske, de 1993), com sua particular visão melancólica e passadista visão de um mundo nórdico corrompido pela moral judaico-cristã por meio de músicas longas e hipnóticas, cheias de teclados minimalistas e vocais torturadíssimos (normalmente irritantes).

No mesmo clima pagão, porém com estruturas (e letras) mais tradicionais, teclados mais grandiosos e climas medievais-épicos também no instrumental, o Satyricon estreou com as demos All Evil (1992), ainda tocando um death metal similar ao que o Darkthrone fazia no início, e a pretensiosa (no bom sentido) The Forest Is My Throne (1993).

Após o primeiro lançamento de death metal, Soulside Journey (1991), o Darkthrone mergulhou no black metal frio, simples e de produção cuidadosamente descuidada, nos discos A Blaze InThe Northern Sky (1992) – considerado o primeiro disco de black metal moderno – e Under A Funeral Moon (1993), que consolidou a proposta lo-fi e absolutamente primitiva, até na capa P & B.

Uma demo - Wrath Of The Tyrant (1992) - e um aclamado e influente EP epônimo (1993) trouxeram à cena o complexo Emperor e seu mundo de teclados em destaque, técnica apurada em meio à velocidade e climas de obscuridade cósmica. Sem dúvida o produto mais bem acabado da época. Vale lembrar que o baixista e letrista à época era Mortiis, que deixaria a banda para seguir uma bem-sucedida carreira de darkwave/ambient/industrial.

Outras bandas que despontaram à época na Noruega, umas mais, outras menos, outras nada envolvidas com o Inner Circle, foram o viking metal de Enslaved (ex-Phobia, de death metal, com membros do que tornar-se-ia o Theatre Of Tragedy) e Hades (Almighty), o black metal industrial do Thorns e o imprevisível avant-garde do Ulver.

E foi nessa época, em apenas dois anos infernais (1992–1993), que o extremismo que o black metal personificava resolveu transbordar, do visual e das canções, para a vida (e a morte) da pacata Noruega.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Spreading pure hell on earth as they pass over water and land


Para entender o black metal (parte 1)


Black Sabbath inventou o metal. Motörhead o deixou mais rápido e sujo. Mercyful Fate trouxe satanismo/ocultismo e teatralidade ao estilo. Surgiram Venom, Bathory e Hellhammer e juntaram tudo isso.

Eram garotos que amavam tanto a New Wave Of British Heavy Metal quanto o circo extravagante do Kiss. No espírito hardcore da época – que uniu o autodidatismo, a tosqueira e o niilismo a músicas mais rápidas, sujas e brutais –, era tudo questão de juntar imperícia musical, influências poderosas e vontade de aparecer, chocar, tumultuar. A produção inexistente dos discos só deixava tudo mais estiloso e impactante. Escapismo puro, que torna mais incrível o fato de gente que só queria se divertir ter inspirado a vertente mais brutal, extremista (e por vezes criminosa) da música.

Entre Welcome To Hell (1981), debute do Venom, e The Return... [Of Darkness And Evil]  (1985), segundo disco do Bathory, com Apocalyptic Raids (1984), estreia do Hellhammer, no meio, os estilos foram se definindo: pelos critérios atuais, Venom é thrash, Hellhammer é death e Bathory é black.

De todo modo, o Bathory (embora negasse) levou consigo algo da velocidade ríspida do Venom e dos timbres graves e distorcidos do Hellhammer. Porém enquanto o Venom, entre idas e vindas, permaneceu um Motörhead satânico que fazia shows semelhantes ao do Kiss, e membros do Hellhammer formaram o Celtic Frost (que levaria o death à maturidade, e influenciaria o próprio black metal depois), o Bathory seguiu seu próprio caminho. 

Pode-se dizer que o terceiro disco do Bathory, Under The Sign Of The Black Mark (1987), seja o marco (trocadilho inevitável) inicial do gênero, e Enter The Eternal Fire, a primeira canção de black metal puro: agora, era impossível compará-los aos contemporâneos Venom ou Hellhammer.

Aqui o black metal se desvencilhou da massa barulhenta da primeira metade da década, quando era difícil distinguir thrash, death e black (até porque todos os estilos resolveram nascer na mesma época). Do andamento marcial aos vocais cheios de rancor e frieza – mais declamados do que cantados –, passando pelos timbres de guitarra e os teclados atmosféricos, tudo nessa música é inovador. Aliás, desde o primeiro disco, os vocais foram o grande diferencial do Bathory: jamais alguém havia cantado daquela forma tão monstruosa.

E tudo criado e executado por um só homem, o sueco Thomas Börje Forsberg (1966-2004), mais conhecido pelo nome de guerra Quorthon.

E até o fato de ele fazer tudo sozinho (escrever, tocar, produzir e criar a capa), apenas com eventuais baixistas e bateristas de estúdio, tanto por falta de dinheiro quanto por individualismo, também influenciou o caráter hermético que o estilo adquiriu com o tempo.

Há letras melhores, mais elaboradas, misturando o habitual satanismo apocalíptico a temas nórdicos (ainda que timidamente), produção (um pouco) mais encorpada, e ao mesmo tempo mais clima e mais extremismo. As músicas rápidas são mais rápidas (Chariots Of Fire), as mudanças de andamento são mais brutais (Equimanthorn) e as canções lentas são assustadoras (Call From The Grave). 

Alguns andamentos e temas são a semente do que seria o epic/viking/pagan metal, que o próprio Bathory criaria e desenvolveria nos discos seguintes (sobre os quais falaremos na próxima parte), como Blood Fire Death (1988), Hammerheart (1990) e Twilight Of The Gods (1991).

No mesmo ano, mais três lançamentos fundamentais dessa “primeira onda” gênero: INRI (Sarcófago, do Brasil), Deathcrush (Mayhem, da Noruega), Into The Pandemonium (Celtic Frost, da Suiça). Dois puxados pro death (Sarcófago influenciaria toda a cena finlandesa, extremamente tosca e brutal, e Mayhem levaria ele mesmo o estilo ao extremo dos extremos), e um de death com elementos avant-garde que dariam no black metal sinfônico e complexo de bandas como Arcturus, Sigh e Dimmu Borgir (como veremos no capítulo a seguir).

Nos anos seguintes, culminando na primeira metade da década de 1990, o black metal mudaria não apenas o metal em si, mas deixaria marcas na música e na cultura popular.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Não matou os outros deuses o triste deus cristão. Cristo é um deus a mais, talvez um que faltava.



Todo mundo tá escrevendo texto sobre a Libertadores. Corinthianos e não-corinthianos. Quem já escreve sobre futebol e quem nem blog/site tem. Até o Reinaldo Azevedo.

Então não vou me alongar: a Libertadores é charmosa, sim, em toda a sua precariedade. Para vencê-la é preciso ir contra “tudo e todos” (com o perdão da expressão tão desgastada). Árbitros caseiros, estádios varzeanos, torcidas selvagens, segurança pífia – e, no Brasil, a luta contra o calendário maluco brasileiro.

[Tudo bem que o jogo que mais reuniu roubalheira + violência + atitudes varzeanas foi contra o Santos, o tal do “futebol-arte”, mas beleza.]

Sim, é legal “conquistar a América”, jogando contra equipes do Mercosul – até pra dar um descanso dos intermináveis Paulistão com 20 clubes e Brasileirão de 38 rodadas –, e disputar o Mundial contra outros campeões continentais lá no Leste do mundo. Até porque era um título inédito para nós até quarta-feira passada.

Quis vencê-la desde 1991, e eu estava lá no Panetone, com mais 75.000 corinthianos, sob um tempestade, naquele 1 a 1 conta o Boca Juniors, quarta-feira aziaga em que novamente jogamos bem e novamente fomos entregues por Guinei.

Só que, sem a tosqueira toda, a Libertadores, na prática, não passa de uma Copa do Brasil que toca flautinha. Há brasileiros demais (o que aumenta o nível da competição, mas tira muito de sua graça) e você pensa em Boca, Penãrol e Olímpia para enfrentar, mas passa 90% do tempo jogando contra XV de Cochabamba, Lhamense e o Puerto Iguazú Boys, times que seriam surrados no Paulistão A3.

[Sim, o fato de ser um campeonato tão tosco e mesmo assim a gente não conseguir vencê-lo me deixava frustrado, antes que perguntem.]

Pelo menos a vencemos de forma brilhante, invicta (único invicto com 14 jogos), com a melhor defesa da história da competição e eliminando três times de primeira linha (feito inédito para brasileiros). Coisa pra não deixar margem de dúvida. E não duvido de que teremos pelo menos mais uma conquista até o final da década, sem esse “peso” de nunca haver conquistado, e com o crescendo de bons times e grande estrutura que estamos vivendo.

Só que, com o valor baixo do prêmio e a grana insuficiente que a Conmebol nos deu para as viagens, ficaremos provavelmente no prejuízo. E isso de “ser conhecido no exterior” é uma grande bobagem. Japão continuará consumindo tudo do Brasil, argentinos sabem da gente o tanto quanto sabemos deles, e os europeus continuarão a nos ignorar solenemente.

O Corinthians continuará imenso, gigantesco, como era antes de conquistar a América. Só não sei se a Libertadores continuará superestimada, como é desde 1992, ou se voltará ao status “exótico” que o torneio tinha até então, o qual, convenhamos, merece, enquanto for tão mal ajambrado.

Dizer que é a conquista mais importante é um baita anacronismo. Como afirmar que é mais importante que os paulistas de 1954 ou de 1977? Que o Brasileiro de 1990, a Copa do Brasil de 1995 ou o Mundial de 2000? Cada geração tem sua preferência, seu “tabu”, e a importância dos campeonatos é relativizada com o tempo.

Por isso reafirmo: a Libertadores é um campeonato muito legal e importante, mas que não deve servir de régua pra medir a grandeza de um time. Se os torcedores de outros times estão reclamando do excesso de comemoração, precisam se lembrar de que foram eles mesmos que superdimensionaram a conquista, martelando anos a fio que “eles tinham e nós não”.

Tal como a história do estádio, em que times com campinhos pouco maiores que nosso Alfredo Schürig se gabam por coisa alguma. Agora que aguentem. O time do povo trabalhou, sofreu, mas subiu na vida. Comprou casa nova e agora tá até viajando pro exterior.

E essa não era uma taça maior que as outras, mas uma que faltava.

#VaiCorinthians

sábado, 23 de junho de 2012

Cavaleiro De Jorge Sem Medo Nenhum ou Ah O Ópio De Ser Outra Pessoa Qualquer!


E assim chegou o a noite do dia mais importante da década para o Corinthians.

Depois da arbitragem extremamente caseira na primeira partida contra o Emelec – a qual os pseudocríticos da imprensa reagiram como “Libertadores é assim mesmo”.

Depois da falsa polêmica no primeiro jogo contra o Vasco – criada pela incompetente e cariocólatra Fox Sports e alimentada pelas azêmolas Mauro Cézar Pereira, Milton Neves e Cosme Rímoli –, quando o R7 fez até um quizz sobre "polêmicas do Corinthians com arbitragens".

E assim a imprensa foi alimentando o filão anti-/secador: o Corinthians nunca venceu o Emelec (só havia jogado uma vez contra, mas beleza), o Corinthians nunca venceu um campeão da Libertadores, o Corinthians nunca venceu um jogo na Vila Belmiro com gol de um jogador que possui macaca de estimação. No dia do segundo jogo contra o Vasco, por exemplo, havia seis matérias sobre o Timão no Uol, e todas, eu disse TODAS, eram negativas.

E assim chegamos ao primeiro jogo contra o Santos. A imprensa inteira já colocava o time da Baixada na final. Era favorito, era o futebol-arte, o Corinthians ia tremer, ninguém ia segurar o Neymar. Este, aliás, já dizia sonhar com uma final contra o Boca, para repetir o feito de Pelé, 50 anos antes.

A torcida do Santos, que já havia atirado ovos no ônibus do time na terça, jogado rojões dentro do campo quando o Corinthians estava reconhecendo o campo e soltado fogos em três turnos perto do hotel onde estava o timão, se comportou exatamente como os bolivianos que tanto criticou, jogando de copo d’água capacete da PM (!) no campo, usando os proibidos sinalizadores, apagando as luzes quando os goleiros foram se aquecer e usando, de um prédio das imediações, laser na vista do goleiro Cássio. Cuspiram no Tite.

Em campo, mais uma arbitragem vergonhosa:

- Logo no primeiro lance, Ganso chuta Alex e o árbitro marca fala (perigosíssima) para o Santos.

- Emerson Sheik sofre falta, quase pênalti, do ladinho da área, e o Juizão dá... tiro de meta! Peraí, ou foi falta ou foi escanteio, certo?

- Durval pisa em Jorge Henrique e fica por isso mesmo.

- Neymar dá pontapé em Castán e leva só amarelo. Devia ter sido expulso, mas claro que o juiz não ia expulsar o Queridinho, né.

- Sheik leva o segundo amarelo por fazer falta em um jogador que devia ter sido expulso no lance anterior.

- Apaga a luz misteriosamente quando o Alex estava atacando. Em toda a minha vida eu jamais vi algo tão patético e varzeano (com perdão à várzea, que é muito mais respeitosa).

Depois do jogo, Neymar falou que só um time jogou. Ganso disse que o Corinthians “achou um gol”. Laor, chorão, disse que o Corinthians estava sendo beneficiado por Mano Menezes (?!).

Segundo jogo, fatura liquidada, Neymar e Ganso insistiram que o Corinthians era retranqueiro, que fez gol na sorte e que o time havia dominado a partida. Muricy, idem. Na imprensa, nenhuma bateção de bumbo sobre a arbitragem, sobre a várzea que foi a Vila Belmiro, nadinha.

E assim o pânico dos rivais, secadores e antis vai aumentando. Serão dois jogos incríveis contra os xeneizes.

* * *

Agora deixa eu explicar qual a diferença entre o secador (o que todo torcedor de verdade tem a obrigação de ser) e o anti.

O anti, pra começar, não torce pro time dele. Ele torce contra o Timão. Na verdade, nem precisa ter um time: quantas pessoas não dizem por aí “ah eu torço contra o Corinthians”.

O anti é o são-paulino ou palmeirense que, numa semifinal Corinthians e Santos, torce para este em vez de desejar que caia um meteoro sobre o estádio.

É o são-paulino que eixo de acompanhar seu time na Copa do Brasil para tuitar xingamentos ao Corinthians contra o Emelec (e eu presenciei isso).

É o cara que sai de casa para ir a um bar cheio de corinthianos só para provocar (presenciei isso na estreia contra o Táchira, e quase saiu briga).

É o santista que apareceu na Globo, indo pra Montevidéu ver seu time na final da Libertadores, com uma faixa "chupa gambá".

É a torcida são-paulina que, em, Curitiba, com seu time jogando, ficou gritando que “Libertadores o Corinthians não tem” ou coisa assim (deu no Lance! isso).

É o flamenguista, botafoguense ou fluminense que torceu pelo Vasco.

É o cara que, na onda do Galvão Bueno, odeia argentino, mas torcerá pelo Boca (em vez de, novamente, desejar uma hecatombe nuclear nos dois jogos).

É o R7, o Uol e os comentaristas babacas que, por birra da Globo (que dá cartaz ao SCCP porque dá audiência) ou para explorar o filão secador/anti, inventam factoides, tabus e bobagens sobre o Corinthians a cada semana.

Acho que agora não dá mais pra usar aquele argumento das camisas Corinthians-Boca e Corinthians-Manchester como desculpa, né, tá tudo explicadinho aqui. Secar é dever cívico, ser anti é algo patético.


E vai Corinthians.
Que venha o Boca.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Todos os horizontes lhe acenavam da mesma maneira.

_Olá, como vai, tudo bem?

_Eu vou rindo, e você, tudo bem?

_Vou voltando, aliás, quem é você?

_Eu sou eu, ué. Mas também sou você. E você?

_Eu também sou eu, e também sou você. E agora?

_E agora tipo “o que faremos” ou “e neste momento quem é quem”?

_Tanto faz, acho. Na verdade sou o que sempre foi e sempre será.

_E eu, somente estive, nunca fui?

_Exatamente.

_Então quem sou eu?

_Você simplesmente não é.

_E você, então, quem pensa que é?

_Eu sou o seu eu do eterno retorno.

_Meu eu da ruína e do abismo?

_Eu sou seu eu do esquecimento.

_E eu, quem sou?

quinta-feira, 8 de março de 2012

Toda casa tem um terreiro e uma mucama para lhe servir.

Preto pode lutar pelos seus direitos. Homossexual também pode. Desempregado, subempregado, sem-terra, sem-teto, idem. Crente, ateu, todo mundo pode e deve lutar por seus direitos. O índio pode. Estudante, classe média sofrida, qualquer fucking minoria (ou maioria) pode subir no caixote de maçã e bater bumbo. Até cigano pode reclamar do Houaiss. Todo mundo tem voz.

Porém, quando é a vez da mulher, sempre há uma má vontade, um escárnio excessivo, como se “ah, vocês já num votam, tomam pílula, trabalham, podem até se desquitar!, querem mais o quê?”.

Até as mulheres têm receio da data, afinal ninguém quer parecer uma balzaquiana com um ouriço em cada sovaco, um buço maior que o do Olívio Dutra e roupas mais feias que a da Simone de Beauvoir.

Nenhuma outra militância é tão estereotipada quanto a feminista. Ah, é só comércio. São mal amadas. Mulheres é que são machistas.

Agora imagina só uma mulher-preto, mulher-índio, mulher-crente.

Pois é.

O Dia Internacional da Mulher existe para a gente não esqueça de que ainda falta muito para que ele possa deixar de existir.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A verdade passa ao largo, como se não existisse.

Tem clichê que funciona tão bem que é inevitável.

Nossa esquerdíssima vive reclamando do PIG, da polarização PT vs. PSDB, da falta de mobilização da sociedade, etc. Daí, quando a dita oposição tem a chance, via internet, de se sobrepor à mídia tradicional, age do mesmo jeito que a Veja: mente, distorce, engana, manipula.

Depois do Bope vs. Índios de Belo Monte e do Churrascurumim, barrigas dignas de quadrigêmeos em Taubaté, vem o “massacre” no Pinheirinho.

Bom, primeiro que o caso já é grave por si só – nosso Gerente Chuchu expulsando a pauladas o pessoal das terras do Naji Nahas pra cobrar sua parte da massa falida, passando por cima da lei –; segundo, que tudo agora é “massacre”, né, seja no Pinheirinho, no Piauí ou na Cracolândia – como qualquer autoritário é nazista.

Essas generalizações banalizam a indignação e causam o tédio na sociedade, que acaba pensando “ah é tudo a mesma coisa isso aí” e não percebe as particularidades de cada problema.

Só no domingo, quando houve de fato a derrubada das moradias pela polícia, já houve “dezenas de mortos”, incluindo “uma grávida”, além da “prisão” de Ivan Valente e Eduardo Suplicy (que nem lá estavam).

É pra isso que vocês querem tanto a mídia e o poder? Pra fazer igual, só que com o sinal trocado? Espalhando "gatos-bonsai" feito uma tia-avó encaminhando hoax?

A má-fé é mal disfarçada por “argumentos” como “você duvida [de] que isso possa acontecer/ter acontecido?”, “você vai defender os policiais/madeireiros/tucanos/insira-aqui-seu-vilão/?”

Sério, esse é o tipo de coisa que sou obrigado a ouvir quando reclamo da irresponsabilidade que é fazer esse tipo de coisa. Se não prezam pela verdade, se não tão nem aí pra ética, que sejam ao menos pragmáticos e pensem que é um puta tiro no pé, visto que tira a credibilidade da coisa – e se esses partidos de oposição da posição, contra-tudo-que-tá-aí (PSOL, PSTU, PCO), não vão nunca governar nada mesmo, que ao menos joguem limpo, a imagem é o que lhes resta. Por enquanto.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Nós estamos criando falsos grandes times

Assim começava uma espécie de editorial de José Silvério, que “invadia” o espaço do programa Na Geral, naquela quinta-feira após o título da Copa do Brasil de 2009, que Corinthians conquistara sobre o Inter-RS, ganhando na bola e no pau, sem tomar conhecimento do adversário.

Em seu depoimento, o Pai do Gol fazia um mea culpa, em nome da imprensa esportiva, sobre essa necessidade de inventar “o melhor elenco do país” a cada ano. Ele citava caso do próprio Internacional: fizera mais de 100 gols no Gauchão daquele ano, mas contra quem? Uma coisa é pegar os coitados do Brasil de Pelotas, que havia perdido jogadores importantes num acidente de trânsito, e enfiar 8 a 0. Outra é pegar o SCCP, que vinha invicto no muito mais difícil Paulistão (aquele Corinthians com certeza era o melhor time do país). Deu no que deu: aos 20min do primeiro tempo da segunda partida a fatura já estava liquidada.

E assim, faz quase dez anos que Inter e Cruzeiro já começam favoritos qualquer campeonato, mesmo com vexames como tomar coco do Mazembe e do lixão do Peñarol (em casa, de virada), ou perder uma Libertadores, também de virada e também em casa, para o fraco Estudiantes.

Com o Santos foi a mesma coisa: ganhou o Paulista mais chato de todos os tempos, em que 20 equipes se arrastaram por cinco meses, para então se classificarem oito, depois quatro, e aí a tediosa final com um Corinthians desanimado pós-Tolima, sem confiança, e ainda em restruturação. Mesmo assim, o gol do Neymar só saiu com um frangaço de Júlio Cesar.

Depois veio a Libertadores mais fácil desde 1981 (aquela em que argentinos e uruguaios caíram fora na primeira fase e o Atlético-MG foi operado pelo “flapito”, culminando com Flamengo jogando mata-matas contra Jorge Wilstermann, Deportivo Táchira e Cobreloa). Tem culpa o Santos? Nenhuma. Enfrentou quem veio e venceu. Só que, após quase nem passar da primeira fase, o muricybol apresentado contra adversários fracos, incluindo mexicanos de má vontade, deu a falsa impressão de “melhor time da América”.

Desde então o time entrou numa redoma, respaldado pela mesma lambeção de saco midiática que alça qualquer pivete a ídolo da seleção, a mesma que os protege, passa a mão na cabeça, condescendente até nos maiores vexames canarinho. São popstars, comem todas, bebem todas, têm iates, vão a mil baladas, são garotos-propaganda. E o futebol vai ficando em segundo, terceiro plano.

O problema é que na Europa não é assim. Veja Messi: sua humildade é reforçada por ele não ser incensado como Neymar é aqui, por exemplo. É cobrado tanto no Barcelona quanto na Argentina. Talvez por questão cultural, talvez por haver tantos craques por lá.

O fato é que, enquanto o Barça continuou treinando, se aperfeiçoando, buscando reforços, jogando Espanhol, Copa do Rei e Champions League, o Santos deitou-se na fama e abiu mão do dificílimo Brasileirão, sob a desculpa de se preparar para o Mundial.

Claro que deixá-lo de lado durante as finais da Libertadores era essencial; mas houve o ano inteiro depois, senão para tentar o título, manter o time “ligado”. Disputar, durante mais de meio ano, contra times fortes como São Paulo, Corinthians, Vasco, Flamengo e Fluminense, mais do que deixar o time cansado, deixá-lo-ia preparado minimamente para a pedreira que viria; haveria tempo para testar jogadores e esquemas táticos. Mais do que isso: as dificuldades mostrariam que as facilidades do primeiro semestre eram enganosas, o Santos não era tão melhor que o resto (discuto até se é o melhor time do Brasil mesmo, mas enfim).

Ficou óbvio que Muricy não preparou ninguém para o que viria. Parece que sequer estudou o adversário. Houve cinco meses para preparar o time, e ele me vem com três zagueiros. Só. A grande mudança, após meio ano de suposta preparação, foram três fucking zagueiros. Já os jogadores parecem ter acreditado na imprensa esportiva daqui, que, salvo pouquíssimas exceções, coisa de dois ou três mais lúcidos, diziam que o melhor time do país e do continente tinha chances de vencer sim, de jogar de igual pra igual, e que Neymar ia mostrar ao mundo, no duelo com Messi, que era o melhor.

Veio o jogo e as expressões de pânico de Danilo, Dracena e Durval, o DDD, mostravam a realidade: os "Meninos da Vila”, que são é um bando de véios refugados e outras equipes, caíram no conto da mídia e acharam que Puyol era grosso, era só marcar o Messi e Piqué nem era tudo isso. Veio o massacre catalão e os caiçaras pareciam esperar que Neymar resolvesse sozinho. Borges ficou isolado, Arouca não foi visto durante o jogo e Ganso foi displicente, pensando mais no dinheiro que na bola.

Pano rápido. A mesma imprensa agora ressaltava que o Santos era “só um time” (ué, seria o quê?) e o Barcelona, coisa de outro mundo, desrespeitando todo o trabalho de base do clube e toda a insistência de Guardiola em montar aquele esquema de carrossel. A vitória ficou parecendo um acaso, pra quem via o jogo no Brasil. “Ah, não tinha o que fazer”. Emprego fácil esse o de comentarista esportivo, não requer a menor coerência.

O fato é que qualquer time de ponta do Brasil, o Corinthians, por exemplo, com mais poder de marcação E VONTADE DE VENCER teria dado mais jogo. Provavelmente também seria goleado, mas não ficaria assistindo ao jogo entre o terror e a reverência.

Fica a lição pro jornalismo esportivo: estudem, meus caros, pois quase todo o elenco do Barça é montado na base, não é só questão de grana, é seriedade, é trabalho. Parem de iludir o menino Neymar, que ontem viu o bem que fez em ficar no Brasil dando rolinho nos coitados do Santo André. E chega de ficar passando a mão na cabeça dos jogadores, como se fossem pré-adolescentes. Futebol é jogo de homem.

As desculpas foram deprimentes: Muricy, cheio de marra, disse que a derrota não tinha nenhum peso. Edu Dracena, “nós demos nosso melhor”. Porra, você fica cinco meses se preparando (em tese) pra tomar dois gols em 20min, sem nem tocar na bola, e tá tudo bem?

Neymar, que havia poucos meses falara que o Santos tinha “encantado a América” (não, você é que tinha, seu time foi uma retranca feia de doer, que esperava sua resolução mágica) teve o choque de realidade de quem aprendeu o que era encanto de verdade.

Sim, foi vexame. Não pelo placar, mas pela postura. Do time e da imprensa. Menos mal que a torcida, que eu saiba, não embarcou nesse oba-oba em nenhum momento. Que mude essa cultura de que atletas e técnicos vencedores são intocáveis e jamais erram, jamais podem ser cobrados. E viva o Barça, provável melhor time de todos os tempos.

sábado, 26 de novembro de 2011

Os homens e os deuses são a mesma aposta.

[Finalzinho de 2010.]

[18h26min] Eu acordava de um sonho e ia comer batatas cozidas com atum, tipo aquelas saladas frias, enquanto esperava uma carne fritar. Enquanto isso lembrava de um sonho dentro de um sonho, no qual eu sonhava³ com uma Morte solene feito a d’O Sétimo Selo, com a aparência de uma carta de tarô, dizendo que ela era puríssima e verdadeira, e o homem mera imitação porque Deus nos fez simulacro dele mesmo, e mais, do Adão, do ser primordial. [18h27min]

Só sei que, ao redor, tudo era silêncio e treva.

[Final de 2010]

Sonhei que estava num terreno baldio bem extenso, com mais uma pessoa, quando começamos a ouvir uma voz sombria repetir inexoravelmente “qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite”, quando veio correndo, do horizonte para a nossa direção, uma criatura monstruosa, quimérica, com partes de lobo, demônio e outros bichos. Começamos a correr em fuga, pulando arbustos, muretas e arames, até que essa pessoa que estava comigo e foi apanhada. Eu, covarde, para não morrer, comecei a entoar o coro maldito também. Apareceram então os caras da minha banda e mais uns amigos, e íamos fazer um show, acho. Um dos caras falava muito sobre nós, quando chegamos numa parte do terreno em que havia uma espécie de muro de vidro, com vários negros e três mulheres com roupas africanas, fossem de uma tribo ou dançarinas típicas. Elas pegaram nas minhas mãos, ficaram esfregando os dedos nos meus enquanto me faziam girar numa ciranda ao som de outro cântico estranho, com um nome que parecia ser de dança tribal. Deixei-me levar e enlevar, até perceber que meus dedos estavam inchadíssimos, grudados, queimados e grudados. Doíam demais! – e como eu iria fazer o tal show? Um dos meus amigos foi procurar ajuda no que parecia ser a praça central da cidade, mas eu só pensava em um bebedouro para molhar aquelas queimaduras. Então lavei aquelas mãos deformadas e desci escadas obscuras para não sei onde.

.Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.

[Últimos dias de dezembro de 2010]

Sonhei que estava num cenário típico das histórias de HP Lovecraft, mais precisamente Sombras Perdidas No Tempo. Aquelas coisas gigantescas, descomunais, em arquiteturas de pesadelo, ciclópicas e gotejantes, de pavor e aflição cósmica, criptografias monstruosas anunciando o inevitável despertar dos Grandes Antigos. E quer saber? Foi mais divertido, bem mais, do que aqueles sonhos em que você tenta resolver coisas do período de vigília… e também não consegue.

And in confusing anger, they fall so low.

[Último trimestre de 2010.]

[14h53min] Uma noite dessas sonhei que estava em uma estação de trem, uma que eu costumava freqüentar, quando, ao amanhecer, o sistema de som anunciou que havia um maníaco atacando mulheres em outra linha. Eu ficava te esperando, você não aparecia, eu me preocupava, até que você chegava e sentava, em silêncio, ao meu lado no trem. O vagão, que estava cheio de seres obscuros e indefinidos, feito aquele bicho preto do trem que a Chihiro pega no final do filme (a parte mais intrigantemente bela), parava em uma estação, as portas abriam e assim permaneciam por tempo suficiente para que eu pudesse ver, nos trilhos, uma criança deformada, com vestidinho de menina e cabeça virada feito a Linda Blair possuída, mas com um sorriso demente, perverso, diabólico, andando enviesada pela via permanente e batendo a cabeça deliberadamente nos dormentes, repetidamente. Então ela raspava as mãos nos pedregulhos até que os dedos virassem uma pasta sanguinolenta, e assim também infinitas vezes. A porta se fechava, começava uma briga entre os seres indefinidos. Eu olhava sua bolsa, dela escorria uma meleca: era o sumo de frutos apodrecidos que você carregava. A briga então me tomava: eu era atingido em cheio por um extintor de incêndio, que fazia jorrar meu sangue ao abrir meu crânio e fazer pender meu maxilar. Antes que o pesadelo acabasse eu ainda permanecia uns instantes, desfigurado, tentando entender tudo aquilo. [14h58min]

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Fascistas de direita, fascistas de esquerda

O bom/ruim das redes sociais é que um assunto se desgasta tanto, mas TANTO, em poucos dias, com o turbilhão de programas alternativos no YouTube, blogueiros ~formadores de opinião~, escrevinhadores de notas no Facebook e guerrilheiros de Twitter é tamanha que poupa este blog (e seu saco) de muito palpite meu.

Eu ia falar da USP, depois da maconha, depois da PM, mas em dois ou três dias eu já não aguentava mais a irracionalidade dos dois lados nem a profusão de vídeos e textos com A VERDADE SOBRE ___________ (complete com a polêmica de sua preferência).

É aluno, professor, político, policial, todo mundo desesperado pra se mostrar cabeça-feita, “Ei, eu tenho uma opinião, não sou manipulado!”. E, até que a imprensa, a mesma que todos amam odiar, consiga apurar fatos (após desviar das pedras reais e virtuais) e apurar as coisas até com certo atraso (em termos de internet), porém com embasamento e FATOS (basta notar a diferença entre este e este texto em relação ao resto), fica esse rebosteio todo.

Não vou chutar cachorro morto – no caso, quem clamou por Lula no SUS, Bope no Congresso, simples remoção de mendigos e viciados pra PQP, ROTA na FFLCH. O negócio aqui são as nuances, sempre mais perigosas.

Disso, ficam alguns postulados lamentáveis:

1. A esquerda exige uma venda casada.

Você precisa necessariamente abraçar umas porras de bandeiras que sei lá quem decidiu que são obrigatórias para a obtenção do diploma esquerdista: tem que apoiar maconha, movimento estudantil, feminismo, Cuba, etc., caso contrário (não pode nem questionar, hein), você vira “direitão enrustido”.

2. O preconceito são os outros.

Não pode fala que maconheiro financia o tráfico, que feministas são intransigentes ou que o movimento estudantil é coisa de vagabundo; mas falar que PM é tudo cuzão, que os antidroga são moralistas ou que os detratores da USP têm inveja é OK.

3. A imprensa é sempre reduzida ao absurdo.

Tal como a PM, a imprensa é evocada quando ELES querem: “Durante essa ação, a moradia estudantil (CRUSP) foi sitiada com o uso de gás lacrimogêneo e um enorme aparato policial. Paralelamente, as tropas da polícia levaram a cabo a desocupação do prédio da reitoria, impedindo que a imprensa acompanhasse os momentos decisivos da operação.”.

Ué, a imprensa foi | é | será hostilizada por eles, em quaisquer manifestações. Tudo é reduzido a Globo e Veja. Então fiquem com a incrível cobertura dos próprios estudantes. E pensar que, de longe, os melhores textos foram da Carta Capital e da Época, ou seja, jornalistas.

Essa baderna, essa desunião e esse despreparo mostram porque, no fim, é sempre a Direita que acaba mandando nos destinos do país. Eles sempre estão unidos pelo bem comum (deles), o poder, enquanto o resto fica nesse macartismo de sinal trocado. A witch! A witch!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Crepúsculo dos ídolos

Parece que artistas não sabem mesmo usar a internet; nisso estão no mesmo nível dos jogadores de futebol. Talvez porque ambos sempre tenham vivido uma relação distante com os fãs (e detratores), uma coisa eles-lá-e-eu-aqui.

Enquanto no futebol os boleiros-tuiteiros falam bobagens diárias, e depois precisam apagar os posts (rezando pra que ninguém tenha dado printscreen), dar desculpas esfarrapadas ou ficar se explicando pelo resto da carreira, os artistas, de quem, geralmente, se espera um pouco mais de esclarecimento e visão, estão na mesma toada – dir-se-ia pior, já que esses deveriam estar muito mais acostumados a todas as mídias.

Pois a coisa vem degringolando com as redes sociais. Se antes o que havia era artista consagrado como o Scott Ian, do Anthrax (que devia dar graças à net por alguém ainda lembrar-se dele), reclamando dos downloads “ilegais” ou gente ingrata que fez carreira na web e agora fala mal dela, como a Lilly Allen, agora a onda é queimar o próprio filme geral, mostrar que é realmente um babaca quando não está no palco ou na tevê (tá, alguns são babacas também lá, mas você entendeu).

Temos as categorias:

palpiteiro (Marcelo Tas, Edu Falaschi, Luiz Ceará, Tico Santa Cruz): esse artista-jornalista-apresentador-whatever acha que o mundo não pode girar em paz sem seus opúsculos virtuais de sabedoria, geralmente repletos de ressentimento tolo e pouca educação; pouco importa se ele é jornalista de esportes, vai comentar até sobre o colisor de hádrons na coluna dele.

malcriado (Luana Piovani, Roger Moreira, Marcos Kleine [quem?]): esse se adaptou mal, muito mal, à era em que qualquer pessoa pode criticá-lo diretamente, ou mesmo fazer um chiste. Claro que, se o cara é ofendido com @ e tudo, tem todo o direito de se ofender e se defender. Porém esses supracitados não só reclamam e “dão carteirada” (“eu faço sucesso”, “faz melhor“, “pelo menos já cheguei lá [err, aonde]?”), como às vezes xingam mesmo a qualquer menção a ele, por um narcisista pero inseguro search com o próprio nome ativado no TweetDeck.

jurássico (90% dos artistas): esse se limita a retuitar mídias em que ele aparece, ou dizer “indo pro show” e “a estreia foi legal”. Zero de interesse geral ou interação com os fãs (ou com a realidade); não sei que parte de “social” ele não entendeu.

A impressão que se tem é que, contaminados pelos mimos de puxa-sacos, empresários/patrões desde sempre, além da pouca opção de mídia de outrora (sem net ou TV a cabo), eles estão perdendo o bonde, enquanto artistas mais espertos estão evoluindo e adaptando suas carreiras a essa realidade inevitável em que o artista precisa entender melhor sua figura pública, seus fãs e sua relevância.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Sein-zum-Tod

Pegou aquele Dia de Finados, meio cinzento, silencioso e, sobretudo, solitário – havia mais morte dentro de si do que em todos os cemitérios juntos, para uma insólita aventura: visitar alguns velórios de pessoas desconhecidas. Infiltrar-se como se fosse um conhecido só do morto, um parente distante daqueles que só aparecem em tais ocasiões, e procurar, na listagem à Administração, um nome que lhe fosse simpático. Daí era só se aproximar, com suas roupas casuais, discretas, sua fala monocórdia e seus gestos educados. Adentrava, olhava bem o defunto, tentava alguma empatia com aquela coisa rígida e amarelada, coberta de flores e impávida. Depois consolava a família mais próxima sob a luz das velas e o perfume dos crisântemos. Saía entre as coroas de “saudades eternas” e, após ouvir conversas nas diversas rodas de amigos e familiares que pareciam mais distantes, descobria coisas o suficiente sobre o morto para engatar algumas conversas. O resto era conseqüência, só deixar rolar. Ninguém ali estava em condições de questionar nada, nem ninguém. Quando enjoava, saía em silêncio e ia a outra sala, depois a outro cemitério. Enterros não lhe interessavam, a coisa era mais desbragada, menos solene, os gritos de desespero, o descaso dos coveiros, nada sutil. Queria a sintonia fina do interstício entre a morte e a morte além da morte. E, sobretudo, achava interessante alguém morrer justo no Dia dos Mortos, um clichê que, por sua ironia, não deixava de ser amargamente engraçado.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

É o que parecia: que as coisas conversam coisas surpreendentes, fatalmente erram, acham solução.

As redes sociais fazem com que a pessoa se sinta na obrigação de dar palpite sobre tudo, de mostrar conhecimento em qualquer assunto, pra não parecer desinformado ou alienado, pra não se sentir excluído das conversas.

Antes a coisa se limitava aos fóruns de discussão, fechados e reduzidos a especialistas, ou pelo menos gente que se interessava a fundo pelo tema dos tópicos. N’Orkut, com suas comunidades, idem.

Mas o curtir/compartilhar do Facebook e os comentários (anônimos, muitas vezes) nos sites de notícias faz com que pessoas às vezes insuspeitas cometam os maiores absurdos no afã, recheado de babaquice, de mandar um parecer polêmico, definitivo e inesquecível sobre os temas mais complexos, a fim de parecer cabeça-feita, combativo, militante de sei lá o quê.

E tudo piorou no Twitter: aborto, questão palestina, convocações do Mano, mecânica quântica, embargo norte-americano a Cuba, tudo morre em aforismos de até 140 caracteres. É o academicismo do slogan, com notas de Wikipédia no rodapé.

De repente ficou feio dizer “não sei”, “não tenho certeza”, “eu acho que” ou “não tenho opinião formada”... mudar de opinião, então, nem pensar! Não há mais debates, mas tão-somente palestras. Ninguém quer saber de discutir, aprender, etc.; é só descer dos céus feito avatar hindu e derramar sabedoria sobre os bárbaros.

Isso me lembra Dilbert para o Chefe De Cabelos Pontudos: O conhecimento em pequenas quantidades é mesmo uma coisa ridícula”.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vens de vidas já vividas

Fiz conta no Flixter, Flickr
Usei script no Twitter
Fiz Last, Setlist.fm
Até no Yahoo! Meme
Tô sozinho no Favstar
Ninguém me dá estrelinha lá.

Entra no [chat do] Facebook?
Vô apagar o meu Flogão, meu Fotolog
Esqueci a senha do meu blog
Pra que serve o meu Orkut?

Linked IN | Branch Out
MSN | AIM | ICQ | GTalk
Lembra do Geocities?
Aceita aí o meu convite
Pra jogar o meu The Sims
Minha Colheita Feliz.

Klout | MySpace | SecondLife
MailDocWaveBuzz, quem agüenta +
Como é que se diz Tumblr,
Cadê mIRC | BBS | Friendster?
Chat do Humortadela?
Essa internet é uma favela.

Heello, qual seu Get Glue?
Pelo caminho vai ficando
Plurk | Que Pasa | Beltrano
- ALGUÉM ME TIRA DO BADOO!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Hoje em dia, somos todos escravos.

Em nossa sociedade pseudoliberal, porém cheia de pudores e coisas sob o tapete, é interessante observar que, enquanto o vício em drogas ilegais – começou com maconha, depois ecstasy, LSD, agora até cocaína vem se tornando aceitável nas festinhas de jovens*, sem falar nos psicotrópicos** – enquanto o álcool, conhecido pelo menos desde os tempos de Noé (o primeiro bebum registrado), é, ao mesmo tempo enaltecido entre jovens e velhos, seja como estimulante para tímidos, ansiolítico para “acelerados”, ou simplesmente prova de autossuficiência (“Eu bebo pra caralho uhuu!”) e condenatório a quem dele abusa.

[*Tá certo que cocaína mesmo era a puríssima, colombiana, que os yuppies cheiravam nos 1980s. Nada da farinha cara e ruim dos ripongos e disco-dancers, tampouco dessa tranqueira de R$ 20 que a molecada vem usando em qualquer boteco.

**Havia pouco quem usava qualquer tarja-preta era “maluco”, “gardenal” (olha o preconceito dentro do preconceito aí), hoje é GRAMUROZO falar
“ai, vou chapar de Rivotril”... perdi o momento histórico em que os remédios psiquiátricos passaram de estigmatizantes a assunto para as redes sociais.]

Ao mesmo tempo em que o toxicômano é tratado como doente, coitadinho, alguém que precisa de ajuda – e olha que, mesmo no esculacho institucionalizado em que vivemos, não é tão simples assim descolar farinha, pedra e pico –, uma vítima das fraquezas humanas, da necessidade de pertencer a grupos/tribos e de agradar a eles, o álcool, igualmente celebrado, estimulado e, importante, MUITO MAIS BARATO, LEGALIZADO E DE FACÍLIMO ACESSO, DESDE SEMPRE, se torna uma desgraça para o alcoólatra: este é taxado de vagabundo, bebum, lixão, podre, cachaceiro, pudim-de-cana, alguém [in]digno de pena, que se arrasta pela existência, que cai pelas ladeiras e jamais curar-se-á.

Aí vem a maior distorção de raciocínio: pensamos que as drogas pesadas, uma vez que a maioria de nós não faz uso delas, são inerentemente perigosas, sem que se perceba que a imensa maioria dos que usam cocaína, por exemplo, o faz de modo “recreativo”, sem dependência. Maconha, então, nem se fala. Até crack há quem consiga usar e sair do abismo.

Já o álcool, só porque todos bebem sempre, das reuniões familiares aos churrascos da firma, cai logo a pecha de “fraco” sobre o que abusa do “mé”; afinal, eu uso, você usa, todo mundo usa, por que ele não se controla?

Em vez de pensarmos que esse é justamente o perigo, a banalização/aceitação, além do fácil acesso e o baixo preço, que faz com que tantos se viciem e, pior, tenham imensas dificuldades em se cuidar.

Tenho muito mais compaixão pelo tiozão pobre que só se fode na vida e acaba viciado na cachacinha que serve de anestesia existencial do que o #ClasseMédiaSofre que enfia o nariz onde não é chamado e depois vai chorar as pitangas numa clínica particular.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Inútil paisagem

Meio-dia e seis.

Iam e vinham pessoas e trens nas plataformas da estação movimentada quando se deu conta de que as pessoas e até as máquinas pareciam apressadas demais, tão preocupadas com horários e destinos que nem se davam conta da extrema dor daquele céu de azul incrível.

Enquanto limpava com o lenço de seda o suor que escorria da testa e espantava as moscas oportunistas, cuspia a fumaça das locomotivas e levava esbarrões dos transeuntes absortos na rotina e nos compromissos e tentava fixar os olhos nos olhares alheios a ele e a tudo mais, no afã de receber um pouco de atenção silenciosa.

Pensava no vazio em que vagavam aquelas órbitas que pareciam fitar o Nada. Por que aquele súbito interesse na existência de estranhos? Sempre se considerara individualista, até egoísta, diriam alguns, imerso demais nos próprios planos, segredos, sonhos e problemas para pensar em gente que jamais vira e que provavelmente jamais veria novamente. Seria carência, solidão ou mero teste de quem não tinha o que fazer enquanto o próximo trem não vinha?

Sentiu falta de um cigarro. Os trilhos tremulavam sob o sol e o vento quente que descia espiralado e invadia as plataformas. Na espera, homens liam jornais, mulheres liam livros. Vendedores ambulantes e crianças maltrapilhas esperavam a fiscalização passar para vender e pedir coisas. Pensou mais uma vez no calor e se lembrou do quão distante estava de um banho.

O relógio da estação parecia ora avançar demais, ora nem se mexer. Pensava no gosto, no cheiro e nas profundezas de cada cidadão e cidadã que, longe de casa, buscava fazer sua vida e cumprir seus compromissos. Ninguém ali parecia passear. Ou então eram as condições precárias do transporte metropolitano que deixavam o cenho das pessoas tão grave.

Todos os pensamentos, porém, evanesceram com a chegada do trem. Tomou nas mãos uma lata de cerveja que estava em sua bolsa, mesmo sendo proibido o consumo de álcool na estação, e olho para o horizonte de prédios velhos e morros suburbanos cheios de barracos. Suspirou entre o alívio e a angústia e adentrou o vagão, se espremendo estoicamente entre os outros passageiros no vagão de trinta anos atrás.

Sentiu-se estranhamente livre sob o sol perpendicular daquele dia cortado ao meio feito fruta passada demais.